A cúpula do governo brasileiro está perplexa porque seus índices de popularidade vem derretendo mês a mês, pesquisa após pesquisa.
Como assim, pensam os estrategistas de Brasília (supondo que eles existam)?
Os índices econômicos estão relativamente bons. O desemprego é o menor da história. O PIB cresceu. A inflação de alimentos preocupa, mas não é tudo isso, e já está cedendo.
Segundo a pesquisa Quaest divulgada ontem, a aprovação do governo Lula caiu para 41%, ao passo que a desaprovação explodiu para 56%.
Em termos internacionais, uma aprovação de 41% não é nenhuma tragédia. Em democracias de massa contemporâneas, é muito difícil manter, por muito tempo, aprovações acima desse patamar, sobretudo nos períodos que caracterizam esse intervalo entre uma eleição e outra. A teoria democrática explica isso de maneira muito simples. O único momento realmente democrático, em que o eleitor tem uma relação viva, dinâmica, ardente, com o processo democrático é o momento do voto. É ali, e praticamente só ali, que ele se conecta com o governo nacional que emergirá. Por isso, aliás, há tanta alegria e entusiasmo de um lado, e frustração de outro.
Mas fora desse momento, há pouca interação. É um problema grave do nosso modelo democrático, aliás, que segue o padrão europeu e americano. Seria preciso criar mecanismos mais abertos e interativos para que a população se sentisse sempre monitorando o governo. Houve momentos em que o governo Lula ou Dilma até tentaram fazer isso, mas de maneira puramente protocolar, o que não adianta nada, ou apenas traz ainda mais irritação. Não basta ouvir o povo. O povo não quer ser “ouvido”. O povo quer ser obedecido!
É preciso ouvir e sobretudo obedecer, ou antes, é preciso ouvir, obedecer e entregar. E tudo isso de maneira muito rápida!
Mas não podemos obedecer cegamente o povo, naturalmente. É preciso, antes de tudo, ciência, o que pressupõe não apenas ouvir o povo, mas entender o que ele realmente aspira e precisa.
E aí entra esta cegueira profunda de todo esse campo progressista de classe média que vai trabalhar no governo. Já repeti isso mil vezes. Eles parecem esquecer, sempre, o principal.
Mobilidade.
O país precisa de mobilidade, em todas as acepções. Social, urbana, e de mercadorias.
O Brasil precisa, em suma, de ferrovias!
Será tão difícil para o governo entender que o povo não tem dinheiro para comprar carro? E mesmo quando o tem, não tem dinheiro para mantê-lo, com todos esses custos de seguro, IPVA, multas, etc? E mesmo que consiga todo esse dinheiro, do que adianta se fica preso em engarrafamentos intermináveis?
A esquerda no poder cometerá mais uma vez um erro de proporções catastróficas, se achar que o povo está feliz em gastar 4 horas por dia no transporte público, ou mesmo metade disso dentro de seu carro, num congestionamento, enquanto ela – a esquerda classe média politizada da elite – reside em áreas próximas ao trabalho e anda de avião com passagens pagas pelo Estado. Depois aparece um Milei, chama todo mundo de casta, ganha a eleição nacional e instaura um governo de terror e propaganda. A população brasileira não merece esse destino!
Aliás, pode acontecer também o seguinte. A direita pode ganhar, com um Tarcísio Freitas por exemplo, e pode finalmente inaugurar um sistema nacional de transporte sobre trilhos e ficar cinquenta ou sessenta anos no poder. E aqui entre nós, será melhor do que entrar um cretino inútil e fanático como um Javier Milei ou um psicopata como Jair Bolsonaro.
Ao não olhar para o problema estrutural do Brasil, a mobilidade, Lula está pavimentando o caminho para uma direita que o faça.
É muito importante que Lula tenha ampliado os programas sociais. E agora o governo oferece ainda empréstimos consignados ao trabalhador com carteira assinada. Mas isso não é solução estrutural!
Alguém poderia dizer que essas soluções estrutrais seriam muito demoradas. Não daria tempo para o governo Lula implementar nada até 2026, e portanto essa seria a razão para a preferência por políticas de cunho assistencialista, que são mais rápidas e visíveis. Ora, mas esse é uma pensamento absolutamente medíocre! Se as soluções estruturais demoram para serem implementadas, mais uma razão para começarmos logo! Ou alguém acha que existe algum futuro para o país sem resolver seus problemas estruturais?
Se Lula apostar na solução de problemas estruturais, como a mobilidade, a população vai entender, vai defender, vai querer dar mais tempo para o governo continuar seu trabalho. Ou seja, se o governo inspirar confiança de que está realmente interessado, finalmente, em sanar problemas que assolam todas as classes, como a mobilidade, ele receberá apoio! E se perder a eleição, o sucessor da oposição que descontinuasse o projeto será chutado para fora no pleito seguinte.
Mais que isso: Lula deixará um legado. Depois do Bolsa Família e de tantas outras políticas públicas importantes, é hora de Lula deixar um legado físico, que transforme a vida das pessoas da porta de casa para fora.
A questão de segurança pública é outro problema que a mobilidade ajudaria a resolver. As forças de segurança precisam de sistemas modernos de mobilidade para agirem.
O conceito de mobilidade social, por sua vez, é chave para entender o humor da população. Se as pessoas encontram cada vez mais dificuldade para ascender socialmente, vão culpar o governo, e com razão. E haverá pouca mobilidade social, se a classe trabalhadora não conseguir se movimentar para disputar empregos em cidades, regiões ou mesmo bairros diferentes.
Enfim, há momentos da conjuntura em que uma “análise inteligente” de uma pesquisa pode nos ajudar a entender melhor o que acontece. Não estamos nesse momento. Análises inteligentes não resolvem mais nada. O governo Lula agora precisa entregar. E não falo de fábricas de carros. Falo de obras de infraestrutura urbana, especialmente no campo da mobilidade. Barcas da praça XV para São Gonçalo. Metrô sob a Baía de Guanabara. Trem bala Rio a São Paulo, Rio a Brasília e de São Paulo a Brasília. Trens turísticos percorrendo a costa do Nordeste. VLTs e metrôs ligando as periferias urbanas de São Paulo, Recife, Porto Alegre, Belo Horizonte, Rio de Janeiro, ao centro dessas cidades.
A mesma coisa vale para o transporte de cargas. Todo projeto de “neoindustrialização” acabará se chocando com a falta de logística de transporte. Ou seja, a nova indústria brasileira jamais irá para a frente se o governo não oferecer transporte sobre trilho.
O governo e seus apoiadores estão realmente dispostos a passar o resto do mandato chorando de perplexidade diante dos números de aprovação, tentando revertê-los a golpes de propaganda sobre o Brasil maravilhoso que a população ingrata não estaria enxergando?
Quando for a próxima vez à China, o presidente Lula bem que podia andar num trem de alta velocidade, e fazer um anúncio de que o Brasil entrará, no governo dele, numa nova era. A era dos trens. E fazer um acordo com a China, em grande estilo, para que haja transferência de tecnologia para o Brasil. Milhões de empregos serão gerados, sendo milhares e milhares apenas na área de engenharia. Ou seja, muitos anos antes dos trens ficarem prontos, já sentiríamos o início da transformação!
Conclusão: a mesma pesquisa diz que o governo Lula continua aprovado por 72% de seus eleitores no segundo turno. Ou seja, a adminstração ainda tem apoio forte em sua base, embora tenha perdido um bocado pois tinha 88% em outubro do ano passado. De qualquer forma, o recado está dado: o governo precisa oferecer transformação, e não apenas porque isso será importante para melhorar a aprovação, mas porque o país realmente precisa!