O assessor especial da Presidência da República, Celso Amorim, afirmou que o governo brasileiro está preparado para reagir a eventuais tarifas impostas pelos Estados Unidos, sob nova gestão de Donald Trump, sem recorrer a medidas que possam afetar negativamente a economia nacional. A declaração foi feita em entrevista ao jornal Valor Econômico, publicada nesta segunda-feira, 1º.
Segundo Amorim, o Brasil prefere buscar uma solução negociada, mas já considera opções para o caso de as conversas não avançarem.
“Não adianta tomar uma contramedida que seja um ‘tiro no pé’. Mas tem medidas que afetam eles [os EUA]”, disse. Ele citou como exemplo a retaliação cruzada aplicada durante o contencioso do algodão na Organização Mundial do Comércio (OMC), quando os Estados Unidos foram atingidos em setores relacionados à propriedade intelectual.
Amorim ressaltou que o país não descarta recorrer a mecanismos legais de defesa no comércio internacional. “O direito de legítima defesa é sagrado na política internacional”, afirmou.
O assessor avaliou que o reposicionamento dos Estados Unidos sob Trump pode acentuar divisões geopolíticas e intensificar a formação de blocos de influência liderados por Washington, Pequim e Moscou.
“Temos que contrabalançar uma certa tendência que a gente vê de querer dividir o mundo muito claramente em regiões com áreas de influência. Temos que trabalhar no mundo verdadeiramente multipolar”, declarou.
Nesse contexto, Amorim apontou o acordo entre o Mercosul e a União Europeia como uma alternativa estratégica diante do cenário internacional.
“A Europa está meio perdida também depois dos discursos do Trump e dos discursos do J.D. Vance na conferência de Munique. Então, o acordo é uma maneira de contrabalançar”, disse.
Amorim também avaliou que, apesar da postura de confronto, Trump adota neste novo mandato uma abordagem menos ideológica do que em sua primeira passagem pela Casa Branca.
“Paradoxalmente, eu acho o Trump 2 menos ideológico do que o Trump 1. Ele se quebra de todos os valores. Mas ele está conversando com a Rússia”, afirmou, referindo-se ao conflito entre Rússia e Ucrânia. “A partida [para o fim da guerra] foi dada pelos EUA. Disso não tem dúvida.”
O assessor disse acreditar que há mais espaço atualmente para uma resolução negociada da guerra do que havia há seis meses, durante o governo de Joe Biden.
Segundo ele, o Brasil mantém contato com representantes do presidente ucraniano Volodymyr Zelensky e é considerado um interlocutor relevante. “Agora estão procurando muito, e têm dito, inclusive, que o Brasil é um ator”, afirmou.
O tema deve estar presente nas próximas viagens internacionais do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que visitará a China e a Rússia em maio.
Em Pequim, Lula deverá discutir com o presidente Xi Jinping pautas relacionadas a investimentos em infraestrutura e cooperação financeira. Em Moscou, participará das comemorações dos 80 anos do Dia da Vitória e terá encontro com o presidente Vladimir Putin.
No que se refere à relação com a Rússia, Amorim destacou que, além das questões diplomáticas, há também relevância comercial, especialmente nas áreas de fertilizantes e alimentos. No entanto, reconheceu que o conflito impõe restrições. “Enquanto o país está em guerra, também não dá para você fazer exigência”, disse.
Amorim também foi questionado sobre possíveis impactos de aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro nos Estados Unidos sobre a relação bilateral.
“Ele [Eduardo Bolsonaro] vai tentar, mas eu acho que uma coisa é o Bolsonaro aqui no poder e ser o Trump dos trópicos. Outra coisa é o presidente Lula trabalhando pela união nacional, conversando com todo mundo, tendo uma relação civilizada com os presidentes da Câmara, do Senado, com o Judiciário”, afirmou.
Diante do cenário internacional, o assessor defendeu a reativação de mecanismos de integração regional e a reforma das instituições multilaterais. “É uma batalha difícil, há muita incompreensão, mas eu acho que temos que voltar a pensar na Unasul. Não pode abandonar, são coisas muito importantes”, disse.
Ao encerrar a entrevista, Amorim afirmou que o Brasil pretende manter uma atuação independente e ativa no cenário global. “Não queremos ficar no quintal de ninguém”, declarou.