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Paulo Calmon: Coerência, isonomia e estabilidade jurisdicional

A jurisdição de um Tribunal, para ser confiável e judiciosa, tem que ser antes de tudo coerente consigo própria, de modo a levar isonomia de tratamento aos jurisdicionados, estabilidade e previsibilidade em seus pronunciamentos, para bem instrumentalizar seu papel de pacificação social. Com o rumoroso processo relacionado aos imputados como sendo os líderes e planejadores […]

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Marcello Casal Jr/ Agência Brasil

A jurisdição de um Tribunal, para ser confiável e judiciosa, tem que ser antes de tudo coerente consigo própria, de modo a levar isonomia de tratamento aos jurisdicionados, estabilidade e previsibilidade em seus pronunciamentos, para bem instrumentalizar seu papel de pacificação social.

Com o rumoroso processo relacionado aos imputados como sendo os líderes e planejadores da tentativa de golpe de Estado e abolição da democracia, vários temas jurídicos emergiram com maior visibilidade na grande mídia, tornando-se agora mais acessíveis ao grande público.

Mas, na verdade, em termos jurisdicionais, não há novidade. “Nova” mesmo é a intensidade de luzes lançada no julgamento, que faz com que sejam agora conhecidas e “descobertas” algumas posições judiciais antigas, já definidas antes pela Suprema Corte.

Ou seja, o que esta mesma mídia não está difundindo com a dimensão devida é que praticamente todos estes temas jurídicos não são novidades ao STF, nem mesmo, em particular, à sua 1ª Turma e aos cinco ministros que a compõem.

É que essas arguições já foram analisadas, dirimidas e decididas pelo STF, seja pelo Pleno, seja mais recentemente, em razão da reforma regimental, pela 1ª Turma, em relação a coautores e partícipes dos mesmíssimos eventos que compõem a trama golpista a que respondem, agora, seus planejadores e principais beneficiários.

Isso explica o porquê das “arguições preliminares” do processo penal agora em curso terem sido rapidamente decididas: já tinham sido enfrentadas e decididas em momentos anteriores, em vários outros processos desmembrados e oriundos do mesmo evento-base, qual seja, o plexo de atos atinentes à trama golpista.

Para bem ilustrar isso, basta conferir a ação penal julgada no final do ano passado, AP 2.442/DF, em que Ana Priscila Silva de Azevedo figurou como ré. Essa ação penal já foi julgada pela 1ª Turma, sob a nova regra do regimento interno do STF.

Ali, os mesmos cinco ministros que esta semana receberam a denúncia em desfavor dos “líderes” do golpe, condenaram por unanimidade, ainda sob a relatoria do min. Moraes, a ré a uma pena total de 17 anos de reclusão. Houve apenas algumas ressalvas na dosimetria feitas pelo min. Zanin.

Além da rejeição das preliminares reiteradas, o relator e os ministros, inclusive o min. Fux, há poucas semanas, em processos de “cidadãos comuns” envolvidos no golpe, reafirmaram à unanimidade, entre outros pontos, os seguintes:

  1. Os eventos prévios e os que culminaram no 8/1 caracterizaram (deram por comprovada a materialidade), entre outros delitos, os crimes de tentativa de golpe de Estado e de abolição do Estado democrático de direito;
  2. Os tipos penais relacionados a golpe de Estado e a abolição da democracia se perfazem pela simples tentativa;
  3. O iter criminis percorrido superou a fase de cogitação e atos preparatórios, adentrando ao início da fase executória, que só não se consumou por circunstâncias alheias à vontade dos agentes;
  4. Não há absorção de uma figura por outra, ou seja, há concurso material entre os crimes, que induz à soma de penas respectivas;
  5. Há também o concurso material desses dois crimes com os demais eventualmente conexos, como dano qualificado;
  6. Não houve nenhuma consideração ou cogitação, por parte de qualquer ministro, de possível inconstitucionalidade, total ou parcial, dos tipos penais e seus preceitos sancionatórios respectivos.

Isso tudo para dizer que toda Corte deve ter compromisso, no mínimo moral, com seus próprios julgados e sua estabilidade, seus autoprecedentes, independentemente do pedigree de quem está sob julgamento.

A linha jurisprudencial de uma Corte de Justiça madura e que se pretenda confiável deve evoluir serena, sem rupturas ou sobressaltos bruscos (o “romance em cadeia”, de que nos fala Ronald Dworkin).

Do contrário, jamais se alcançará o primado da isonomia, nunca se obterá uma boa qualidade de pacificação social e se reforçará a ideia de que a Justiça não é igual para todos.

Na jurisdição, há que se ter coerência para se obter confiança.


Paulo Calmon Nogueira da Gama é mestre em Teoria do Estado e Direito Constitucional pela PUC-Rio, e desembargador do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.

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