O New York Times publicou, semana passada, uma reportagem típica dessa cultura paranoica da elite política de Washington.
A matéria dizia que o Pentágono havia convocado o bilionário Elon Musk para uma reunião, na qual seriam discutidos cenários de guerra entre EUA e China.
O presidente Donald Trump reagiu furiosamente, dizendo que se tratava de fake news. Musk compartilhou a postagem de Trump, mas fez um comentário que parecia confirmar a matéria, pois a sua irritação se concentrou no “vazamento” da informação.
Ainda na semana passada, o secretário de Estado Marco Rubio, havia criado outra confusão diplomática com a China.
Rubio declarou que os EUA estavam impondo sanções contra autoridades tailandesas, porque o governo deste país havia deportado pelo menos 40 chineses da etnia uigur, que estavam presos por lá. Segundo Rubio, os membros do grupo muçulmano seriam submetidos a “tortura, perseguição e desaparecimento” na China.
A acusação de Rubio constitui uma agressão tanto à Tailândia quanto à China, e os críticos logo identificaram o incrível cinismo da Casa Branca, pois os indivíduos haviam entrado ilegalmente na Tailândia e eram acusados de terrorismo. Ou seja, ao mesmo tempo em que promove deportações em massa nos EUA, a Casa Branca quer impedir que a Tailândia deporte seus imigrantes chineses ilegais.
Além disso, a política de “contenção” da China, patrocinada pelos EUA, continua a escalar, com mais e mais empresas de tecnologia, do mundo inteiro, constrangidas pela Casa Branca a não venderem nada de avançado para o gigante asiático.
O presidente Donald Trump também determinou, como um de seus primeiros atos de governo, tarifas pesadíssimas contra produtos chineses que entram nos Estados Unidos. Os carros elétricos chineses estão hoje pagando tarifas de 100% para poderem ingressar nos EUA!
Essas agressões diplomáticas e comerciais, naturalmente, geram reações em Beijing, e os principais prejudicados são exportadores americanos cujos produtos podem ser substituídos facilmente por outros fornecedores. Soja e carnes, por exemplo.
Enquanto a exportação americana de soja para a China se mantém estagnada, e até mesmo em declínio, o Brasil vende cada vez mais esse produto para o gigante asiático.
Segundo o Comtrade, o banco de dados da ONU, as vendas americanas de soja para a China caíram de 35 milhões de toneladas em 2020 para 27 milhões de toneladas em 2024, uma queda de 22%, ao passo que as do Brasil cresceram 20% no mesmo período.
Em 10 anos, as exportações brasileiras de soja para a China avançaram 122%, enquanto as americanas oscilaram positivamente em apenas 11%.
Aproveitando o embalo, vamos olhar para outros dados interessantes do comércio exterior entre Brasil e China.
Segundo o Comexstat, banco de dados online da Secretaria de Comércio Exterior (Secex), o Brasil iniciou o ano com um saldo negativo com a China de US$ 3,2 bilhões, no acumulado janeiro e fevereiro. Mas este déficit deriva de uma situação excepcional, que foram importações bilionárias de veículos e autopeças de carros elétricos chineses, nos últimos meses.
No acumulado de 12 meses, até fevereiro, ainda temos superávit de US$ 22,45 bilhões – que é bem menor que o registrado no período anterior, de US$ 54,5 bilhões.
Essa queda no superávit com a China é explicada em parte pela queda nas exportações de soja, um fator que deve ser revertido nos próximos meses, em virtude tanto da supersafra brasileira quanto da relação comercial turbulenta entre EUA e o gigante da Ásia.
O aumento do nosso déficit comercial com a China na categoria de indústria de transformacão, todavia, é ainda mais importante. Nos últimos 12 meses, o saldo do Brasil com a China, nessa categoria foi negativo em US$ 49 bilhões, um recorde histórico.
Por fim, a corrente de comércio (que soma exportação e importação) do Brasil com China e Estados Unidos mostram um descolamento notável, com os valores trocados com a China chegando perto de US$ 160 bilhões nos últimos anos. A corrente de comércio entre Brasil e EUA, por sua vez, até que cresceu razoavelmente nos últimos dois a três anos, saindo de um nível um pouco maior que US$ 60 bilhões para algo em torno de US$ 80 bilhões. Mas enquanto a corrente com os EUA avançou 72% nos ultimos 8 anos, a com a China aumentou 170%!
Além de soja, ferro e petróleo, principais produtos brasileiros vendidos na China, aqueles cuja exportação para o gigante mais cresceram nos últimos 10 anos foram carnes e celulose. As exportações brasileiras de carnes para a China cresceram quase 1.400% em 10 anos, e essa demanda tão forte pode explicar, em parte, a persistente inflação de alguns alimentos no Brasil.
A exportação de celulose para China, por sua vez, registrou um recorde histórico em 2024, de US$ 4,6 bilhões, aumento de 21% sobre o ano anterior e de 170% em 10 anos. Apenas nos dois primeiros meses de 2025, o Brasil vendeu mais de US$ 800 milhões em celulose à China, alta de 35% sobre o ano anterior.
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