O pacote de gastos de €1 trilhão proposto por Friedrich Merz superou seu último obstáculo no parlamento alemão em fim de mandato, enquanto o chanceler em potencial do partido conservador inicia difíceis negociações de coalizão com os social-democratas.
Nesta sexta-feira, a reforma constitucional obteve o apoio de mais de dois terços das cadeiras no Bundesrat, a câmara alta que representa os 16 estados federais da Alemanha.
As mudanças, aprovadas nesta semana pelo Bundestag, flexibilizam as restrições constitucionais ao endividamento do país, permitindo gastos ilimitados com defesa e criando um fundo especial de €500 bilhões, com duração de 12 anos, para modernizar a infraestrutura nacional.
O pacote sinaliza a ambição da Alemanha de acelerar seu rearmamento e pode tirar a maior economia da zona do euro de anos de estagnação. A aprovação encerra uma corrida contra o tempo para votá-lo antes do fim do atual mandato parlamentar, que termina na próxima semana.
Merz, cujo partido União Democrata Cristã (CDU) venceu as eleições no mês passado, convocou sessões emergenciais do antigo parlamento para reunir a maioria qualificada exigida entre os partidos tradicionais. A Alternativa para a Alemanha (AfD), de extrema-direita, e o Die Linke, de extrema-esquerda — ambos contrários à proposta — detêm uma minoria de bloqueio no novo Bundestag eleito.
A CDU, o SPD e os Verdes não atingiam os dois terços necessários no Bundesrat até que a CSU, partido irmão da CDU na Baviera, garantisse o apoio de seu parceiro de coalizão estadual, os Eleitores Livres, no início desta semana.
Ao final, outros dois estados, governados por coalizões que incluem o Die Linke, votaram a favor do plano, elevando a maioria para 53 das 69 cadeiras da câmara alta.
“É um grande sucesso para Merz”, afirmou Andreas Busch, professor de ciências políticas da Universidade de Göttingen. “Ele mostrou que consegue entregar resultados, e fez isso sob circunstâncias difíceis, costurando uma coalizão complexa com partidos com os quais até pouco tempo atrás estava em oposição.”
Friedrich Merz, da CDU, agora se volta para negociações com o SPD com o objetivo de formar uma coalizão que viabilize sua eleição como chanceler alemão.
Economistas estimam que as forças armadas do país necessitam de mais de €400 bilhões nos próximos anos. A reforma de Merz também permite que os estados federados assumam novas dívidas.
“A emenda constitucional envia um sinal enorme a amigos e inimigos, é um sinal para o mundo e para a Europa”, declarou Markus Söder, primeiro-ministro da Baviera. “A Alemanha decidiu que não ficará mais indefesa, a Alemanha quer voltar a estar presente, a Alemanha quer mais.”
Para garantir o apoio de seus prováveis parceiros de coalizão, os social-democratas, em relação aos gastos com defesa, Merz concordou em estabelecer o fundo especial para infraestrutura. Os Verdes, por sua vez, negociaram a alocação de mais investimentos para a transição ecológica em troca de seu apoio.
O político de 69 anos agora enfrenta complicadas negociações com o SPD para alcançar um acordo de coalizão mais amplo, com o objetivo de formar um governo até o fim de abril, quando o Bundestag poderá elegê-lo chanceler.
Dezenas de negociadores da CDU, CSU e SPD estão distribuídos em 16 grupos de trabalho, cada um focado em um tema diferente. Segundo aliados e integrantes do partido, Merz pretende redirecionar o foco para o orçamento e cortes de impostos.
Embora o acordo de gastos tenha sido amplamente recebido de forma positiva por governos estrangeiros, investidores e especialistas em segurança, dentro do país ele causou surpresa entre alguns conservadores.
Durante a campanha, Merz rejeitou repetidamente os apelos do então chanceler Olaf Scholz, do SPD, para alterar o “freio da dívida” do país — mecanismo introduzido pela ex-chanceler Angela Merkel em 2009 que limita o déficit estrutural a 0,35% do PIB.
A coalizão de Scholz acabou desmoronando por conta de divergências sobre como cobrir o déficit orçamentário no ano passado, o que levou à antecipação das eleições.
Merz justificou sua mudança de posição apontando para a deterioração das relações transatlânticas sob o governo de Donald Trump, que tem buscado um acordo de paz com Vladimir Putin sobre a Ucrânia, sem inicialmente consultar os aliados europeus da OTAN.
Mas a decisão de Merz de aceitar um amplo programa de infraestrutura financiado por dívida, em troca do apoio do SPD, implica que ele precisará conquistar concessões simbólicas nas negociações de coalizão, como cortes em benefícios sociais.
Seus aliados têm enfatizado a necessidade de “reformas estruturais” e “consolidação orçamentária”. Isso pode dificultar o apoio dos membros do SPD ao acordo de coalizão.
Cada partido deseja apresentar “troféus” conquistados nas negociações, afirmou Armin Steinbach, professor da HEC. “E, até agora, os troféus estão apenas do lado do SPD”, disse ele.
“Esse pacote de infraestrutura é um enorme sucesso para o SPD, é o que eles sonham há 10 ou 15 anos. Merz agora precisa apresentar resultados visíveis.”
O chanceler em potencial declarou, no início desta semana, que “dinheiro sozinho não resolve um problema”.
“Os investimentos viabilizados pela emenda constitucional… não reduzem a necessidade de consolidação dos orçamentos públicos”, disse Merz. “O contrário é verdadeiro. O aumento da dívida gera elevação das taxas de juros, e o crescimento do endividamento também exige planos de amortização.”
Autora: Anne-Sylvaine Chassany
Biografia: Correspondente do Financial Times em Berlim, especializada em política europeia e economia alemã.
Data de publicação: 21 de março de 2025
Fonte: Financial Times
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