Enquanto Israel retoma a sua campanha genocida, exterminando famílias palestinas inteiras, o mundo justifica o massacre, ignora o sofrimento e silencia aqueles que se manifestam.
Eram 4 da manhã quando saí cambaleando da cama, meio dormindo, para pegar um copo d’água – um ato simples e irrefletido. Quando peguei meu telefone, hesitei. Checá-lo poderia me manter acordado. Gostaria de ter resistido.
A tela se iluminou. Meu feed estava se afogando em horror – de novo. Gaza. Outro massacre.
No começo, os números eram incertos. Cem mortos. Depois 200. Depois 300. Mas eu sabia. O número sempre aumenta. E dessa vez, não pararia… 350… 400… 450.
Em apenas duas horas, Israel destruiu mais de 450 vidas inocentes.
Minha cabeça latejava. Meu peito apertou. Uma onda de náusea me atingiu enquanto eu olhava para as imagens – corpos envoltos em mortalhas brancas, crianças cobertas de poeira e sangue, pais segurando seus filhos sem vida, mães gritando na noite, sua dor engolida pelo silêncio de um mundo que se recusa a se importar. Esses são os tipos de imagens que deveriam abalar a humanidade até o âmago, mas, de alguma forma, nunca o fazem.
Horror sem fim
Minhas mãos tremiam quando comecei a fazer ligações. É o que sempre faço quando Gaza está sob ataque. É o que todo palestino com família lá faz. Ligamos. Verificamos. Imploramos por uma resposta.
Meu coração batia forte. A ansiedade, o desamparo – estava de volta, como uma ferida que mal começou a fechar antes de ser aberta novamente.
Ninguém atendeu.
Tentei de novo. E de novo. Ainda nada. Meu estômago se revirou. Eles estavam seguros? A casa deles ainda estava de pé? As bombas os alcançaram? A pior parte é que eu sabia que eles não tinham para onde correr. Não há abrigo. Nenhuma zona segura. Nenhuma fuga.
Finalmente, depois do que pareceu uma eternidade, minha mãe respondeu. Sua voz era firme, mas eu podia ouvir a exaustão por baixo dela.
“O que podemos fazer?” ela disse. “Estamos aqui. Não há para onde correr.”
Ela estava tentando falar com minhas irmãs. Nenhuma resposta. Meu coração apertou. Tentei ligar para elas eu mesmo – nada. Tentei de novo – ainda nada. O silêncio era ensurdecedor. E ainda assim, de alguma forma, esperavam que eu continuasse com meu dia. Funcionasse como se tudo estivesse normal.
Mas como algo pode ser normal quando 450 pessoas são massacradas em uma única noite? Quando famílias inteiras são dizimadas? Quando pais são deixados cavando os escombros com as próprias mãos, procurando por seus filhos? Como algo pode ser normal quando meu povo está passando fome, sendo bombardeado e massacrado – e o mundo ainda se recusa a nos ver como humanos?
E enquanto eu estava sentado ali, olhando para o crescente número de mortos, eu me perguntei – já que é um número tão impressionante de vidas inocentes perdidas – eu acordaria com um e-mail pedindo um minuto de silêncio em sua memória? Os líderes mundiais se apressariam para condenar esse crime? As mídias sociais seriam inundadas com solidariedade? Os marcos se iluminariam com as cores da bandeira palestina? O 10 Downing Street projetaria nossa bandeira em luto?
Claro que não.
Em vez disso, testemunharemos o silêncio dos cúmplices. O Ocidente justificará o massacre, distorcerá a realidade e desumanizará as vítimas. Vidas palestinas serão menosprezadas, apagadas – tratadas como se não importassem.
Quando isso vai parar? Gaza está passando fome, seu povo está privado de comida, água e remédios – e agora, eles estão sendo massacrados enquanto dormem. Bombas chovem sobre suas casas, sobre as escolas onde eles buscam abrigo e sobre os hospitais onde eles lutam para sobreviver. Tudo está sendo destruído e, ainda assim, o mundo se recusa a agir.
Mundo cúmplice
Quanto mais será preciso?
Quantas mães mais terão que enterrar seus filhos? Quantos pais mais terão que tirar seus bebês dos escombros? Quantas valas comuns mais terão que ser cavadas antes que o mundo finalmente abra os olhos?
Nós vemos isso. Nós vemos os padrões duplos. Nós vemos a hipocrisia. Nós vemos como o sangue palestino é barato aos olhos do mundo. E nós vemos como os mesmos governos que pregam sobre direitos humanos, sobre democracia, sobre o estado de direito, são os mesmos que armam e defendem nossos opressores.
A injustiça é insuportável. A crueldade é indizível. E não são apenas os palestinos na Palestina que sofrem essa injustiça. Fale sobre a Palestina no Ocidente e você corre o risco de ser preso, deportado, acusado de terrorismo e antissemitismo, ou até mesmo perder seu emprego. O silenciamento é global. A opressão é global.
Não sei se minhas irmãs estão seguras. Não sei se minha família sobreviverá ao próximo ataque aéreo. Não sei quantas noites mais acordarei com as notícias de outro massacre.
Mas eu sei disso: não importa o quanto o mundo tente nos silenciar, não pararemos de falar. Não importa o quanto tentem nos apagar, não desapareceremos. Não importa o quanto tentem nos quebrar, a Palestina viverá.
Mesmo que o mundo se recuse a nos ver – estamos aqui. E não seremos esquecidos.
Parem de nos bombardear. Parem de nos matar. Parem de nos apagar. O mundo não pode continuar a desviar o olhar.
Publicado originalmente pelo MEE em 19/03/2025
Por Ahmed Najar
As opiniões expressas neste artigo pertencem ao autor e não refletem necessariamente a política editorial do Middle East Eye.
Ahmed Najar é um analista político e dramaturgo palestino que usa o teatro para contar histórias da Palestina, misturando experiências pessoais com comentários políticos mais amplos.
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