A decisão da empresa CK Hutchison Holdings de vender ativos portuários no Panamá e em outras regiões a um consórcio liderado por um gestor de ativos dos Estados Unidos gerou reações públicas em Hong Kong e Pequim.
A operação, confirmada por veículos locais, passou a ser alvo de manifestações por parte de autoridades e meios de comunicação estatais da China, que questionam possíveis implicações estratégicas da transação.
Segundo o portal RTHK, o chefe do Executivo da Região Administrativa Especial de Hong Kong (HKSAR), John Lee, afirmou na terça-feira (18) que qualquer processo de venda deve obedecer aos critérios legais e regulatórios aplicáveis.
“O governo local espera que governos estrangeiros garantam um ambiente equitativo para a atividade empresarial, sem coerção ou pressão econômica”, declarou.
A repercussão foi ampliada após dois escritórios do governo central da China em Hong Kong republicarem textos opinativos criticando a venda.
Os artigos, publicados pelo jornal Ta Kung Pao, levantaram dúvidas sobre os efeitos da negociação no contexto da segurança nacional chinesa.
Um dos textos, publicado no sábado anterior, indagou: “Por que tantos portos importantes são transferidos tão facilmente para forças dos EUA que têm intenções maliciosas? Que cálculos políticos estão escondidos por trás desse suposto comportamento comercial? Essa escolha realmente leva em conta os interesses da nação?”
Outro editorial, divulgado na quinta-feira anterior, classificou a operação como um movimento de hegemonia internacional.
O artigo afirmou que os Estados Unidos estariam se utilizando de instrumentos estatais para garantir controle sobre ativos estratégicos, mascarando a ação sob a justificativa de uma transação privada. O texto também recomendou que empresas envolvidas avaliem o impacto da negociação.
As reações também vieram de representantes políticos. Leung Chun-ying, vice-presidente do Comitê Nacional da Conferência Consultiva Política do Povo Chinês (CPPCC), utilizou as redes sociais para fazer críticas à postura de empresários de Hong Kong diante da venda. Em publicação feita na segunda-feira, questionou: “Os empresários têm pátria?”, conforme noticiado pelo Wen Wei Po.
Leung criticou a percepção, por parte de alguns empresários, de que decisões comerciais podem ser tomadas isoladamente do contexto nacional. Segundo ele, a ideia de que “os negócios não têm fronteiras” pode resultar em vulnerabilidade diante de pressões externas.
“Empresários sem uma pátria só enfrentarão bullying. Empresários americanos só podem agir em alinhamento com os interesses dos EUA e não podem contrariá-los. O mesmo se aplica a outros países, como Reino Unido, Canadá e Cingapura — e a China não é exceção”, declarou.
A transação ocorre em meio ao aumento das tensões comerciais e diplomáticas entre China e Estados Unidos. A operação da CK Hutchison Holdings é interpretada por analistas como parte do cenário mais amplo de disputas estratégicas envolvendo infraestrutura e cadeias logísticas globais.
Lau Siu-kai, consultor da Associação Chinesa de Estudos sobre Hong Kong e Macau, afirmou ao jornal Global Times que o processo de venda pode ter efeitos além do plano comercial. “Os EUA estão intensificando esforços para minar setores estratégicos chineses, incluindo a indústria naval e a Iniciativa do Cinturão e Rota”, disse.
Segundo Lau, a CK Hutchison deveria considerar os efeitos da transação sobre o cenário internacional e sobre os interesses da população chinesa. “Infraestruturas-chave possuem um valor estratégico significativo e seu papel na competição entre grandes potências não deve ser subestimado”, declarou.
A crítica recorrente nos veículos oficiais e nas declarações políticas indica que a operação empresarial passou a ser tratada como questão de relevância nacional. A venda dos portos não foi oficialmente comentada pela CK Hutchison até o momento da publicação dos artigos citados, e os termos exatos da transação tampouco foram detalhados pelas autoridades chinesas.
A discussão também expõe uma expectativa crescente de que empresas sediadas em Hong Kong considerem fatores estratégicos em suas decisões comerciais. A possibilidade de interferência ou influência estrangeira em setores considerados sensíveis tem sido apontada por autoridades chinesas como motivo de atenção por parte do setor privado.
Analistas indicam que o episódio pode marcar uma inflexão na relação entre governo central e grandes corporações com atuação internacional. A pressão para que empresas adotem critérios alinhados aos interesses do país pode indicar uma reconfiguração da atuação empresarial chinesa no exterior.
A transação da CK Hutchison será monitorada pelas autoridades de Hong Kong e por organismos reguladores internacionais. A resposta institucional ao caso poderá influenciar futuras operações comerciais envolvendo ativos estratégicos, especialmente em regiões com relevância geopolítica.