Em uma reviravolta surpreendente em relação ao impasse na Casa Branca entre Zelensky e Trump e à suspensão da ajuda militar dos EUA à Ucrânia, Kiev anunciou, tarde da noite de terça-feira, sua disposição de implementar um cessar-fogo imediato de 30 dias — desde que Moscou concorde em reciprocidade. Isso ocorreu após negociações iniciais entre representantes dos EUA e da Ucrânia em Jeddah, na Arábia Saudita, levando Washington a retomar rapidamente a assistência militar à Ucrânia. “A bola agora está no campo da Rússia”, declarou o secretário de Estado dos EUA, Marco Rubio — um sentimento ecoado por vários líderes europeus.
Isso marca uma mudança significativa na abordagem dos EUA para encerrar o conflito. Anteriormente, Washington buscava pressionar a Ucrânia a aceitar um acordo mediado pelos EUA e pela Rússia, amplamente nos termos de Moscou. Agora, os Estados Unidos estão tentando forçar a Rússia a aceitar um cessar-fogo como o primeiro passo para um plano de paz mais amplo — alertando que, se Moscou recusar, “infelizmente saberemos quem é o verdadeiro obstáculo para a paz aqui”, como disse Rubio.
Se a Rússia aceitar ou não, permanece incerto. Moscou declarou repetidamente que não vê um cessar-fogo como viável sem um quadro mais amplo para negociações. Mas as partes estão longe de chegar a um consenso sobre esse quadro. As exigências da Rússia são claras: acima de tudo, o reconhecimento legal pela Ucrânia e pelo Ocidente dos territórios anexados como parte da Federação Russa.
No entanto, poucos dias atrás, Zelensky reiterou sua oposição a qualquer concessão territorial, enquanto todos os líderes europeus (exceto Orbán) delinearam uma “estratégia de paz” que envolvia o fortalecimento das capacidades militares da Ucrânia (incluindo o fornecimento de sistemas de defesa aérea, munições e mísseis) para melhorar sua posição na mesa de negociações e alcançar um acordo que “respeite a independência, soberania e integridade territorial da Ucrânia”. Em outras palavras, nenhuma concessão territorial. Isso seria seguido por fortes garantias de segurança na forma de tropas europeias (ou seja, da Otan) no terreno — uma demanda ecoada por Zelensky, mas firmemente rejeitada pela Rússia.
É difícil ver por que Moscou aceitaria um cessar-fogo nessas condições — especialmente quando continua a avançar no campo de batalha. Mas talvez esse seja exatamente o ponto de vista de Zelensky e dos líderes europeus: “colocar a bola no campo da Rússia”, antecipando que Moscou rejeitará a oferta — permitindo assim que a Rússia seja retratada como desinteressada na paz. Se for esse o caso, significa que Trump foi encurralado pelo partido pró-guerra.
De fato, desde que Trump iniciou negociações com Putin para encerrar a guerra por procuração na Ucrânia, os líderes europeus têm feito tudo ao seu alcance para sabotar seus esforços de paz, sequestrar as negociações e prolongar o conflito. Afinal, sua insistência em uma “paz justa e duradoura” e sua ênfase na “integridade territorial” da Ucrânia são, na prática, uma receita para continuar a guerra sob o disfarce de “paz através da força” — a mesma estratégia fracassada que colocou a Ucrânia nessa situação desde o início. Enquanto isso, os europeus revelaram um amplo plano de rearmamento, destinado a dissuadir as supostas ambições expansionistas da Rússia — ou até mesmo se preparar para uma guerra com a Rússia.
Este não é o comportamento de quem realmente busca a paz. O mesmo pode ser dito sobre a insistência de Zelensky na integridade territorial e nas forças de paz europeias — ambas propostas inviáveis para a Rússia. Acrescentando às contradições, poucas horas antes da reunião EUA-Ucrânia em Jeddah, a Ucrânia lançou seu maior ataque com drones na região de Moscou até o momento, matando pelo menos três pessoas — uma maneira incomum de entrar em negociações de paz.
Neste momento, o resultado mais provável é, portanto, a continuação da guerra — pelo menos a curto prazo. Esse seria o pior caminho possível para a Ucrânia: quanto mais a guerra continuar, pior será a posição da Ucrânia. No entanto, do ponto de vista de Zelensky, faz sentido. Se a guerra terminasse, sua carreira política provavelmente chegaria ao fim — e, em um sentido mais extremo, sua própria vida poderia estar em risco. Em outras palavras, os interesses da Ucrânia não são necessariamente os mesmos que os de Zelensky.
O mesmo vale para a Europa. Do ponto de vista dos interesses centrais da Europa, isso é totalmente irracional. Longe de proteger o continente, o acúmulo militar pode muito bem criar o perigo que supostamente busca evitar. A Rússia não tem nem os meios nem a intenção de invadir a Europa, mas a continuação da guerra por procuração e os planos de rearmamento da Europa apenas aumentam o risco de escalada. Essa é exatamente a dinâmica que vimos com a expansão da Otan para o leste e depois na Ucrânia.
No entanto, para a liderança europeia atual, admitir a derrota na Ucrânia seria um golpe político massivo — especialmente dado o alto custo econômico suportado pelos cidadãos europeus. A guerra tornou-se, sem dúvida, a única fonte de propósito para os líderes da UE; sem ela, seus fracassos se tornariam dolorosamente óbvios. Enquanto isso, o aumento maciço dos gastos com defesa e a escalada das tensões fortalecerão ainda mais os lobbies militares-industriais e consolidarão o controle das elites sobre a sociedade europeia, minando os estados de bem-estar social e sufocando a democracia sob o pretexto de “combater a interferência russa” — como estamos vendo na Romênia.
A escalada das tensões com a Rússia também oferece uma oportunidade para centralizar ainda mais o poder dentro do braço supranacional da UE — a Comissão Europeia. Como informou o Politico: “As capitais nacionais temem que a presidente da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, explore esta crise para expandir os poderes de Bruxelas para novas áreas e fortalecer sua influência em relação aos governos nacionais.”
No entanto, seria um erro ver o atual racha transatlântico apenas através da lente dos interesses divergentes das lideranças europeia e americana. Pode haver dinâmicas mais profundas em jogo: uma coordenação entre a Europa, o establishment democrata e a facção liberal-globalista do estado permanente dos EUA. Estes grupos compartilham um interesse comum em sabotar as negociações de paz e enfraquecer a presidência de Trump.
Nenhum dos lados desta guerra transatlântica tem os interesses da Europa em mente. Para a facção trumpista, a Europa é um rival econômico. Para a facção liberal-globalista, a Europa é apenas um peão na guerra por procuração contra a Rússia.
A longo prazo, essa estratégia deixará a Europa em um estado perpétuo de instabilidade, com recursos drenados por gastos militares e sua autonomia política ainda mais comprometida. Os verdadeiros perdedores desse arranjo serão os povos da Europa — e, claro, a Ucrânia — que continuarão a pagar o preço desse cabo de guerra geopolítico.
Thomas Fazi – UnHerd – 12 de março de 2025