O Brasil, na presidência rotativa do Brics em 2025, incluiu na pauta do bloco a proposta de modernização dos mecanismos de transações financeiras internacionais.
A iniciativa visa facilitar o comércio exterior entre os países-membros por meio da aplicação da tecnologia blockchain. A proposta foi divulgada pelo jornal O Globo e faz parte da agenda brasileira para a cúpula do grupo, prevista para julho, no Rio de Janeiro.
A estratégia não inclui a criação de uma moeda comum para substituir o dólar, mas propõe o uso de plataformas digitais para contratos e pagamentos entre os integrantes do Brics.
A medida está inserida no eixo de facilitação do comércio e investimentos, um dos seis temas prioritários definidos pelo governo brasileiro.
Com a recente ampliação do bloco, que passou a incluir Arábia Saudita, Egito, Emirados Árabes Unidos, Etiópia, Irã e Indonésia, a discussão sobre instrumentos alternativos para transações internacionais foi retomada com maior intensidade.
Autoridades brasileiras afirmam que a proposta não tem caráter de enfrentamento ao sistema financeiro global nem representa uma tentativa de provocar reações dos Estados Unidos.
Brasil busca neutralidade diante de possíveis pressões externas
Integrantes do governo brasileiro afirmam que a proposta será apresentada de forma técnica, com o objetivo de modernizar processos e reduzir custos operacionais nas transações comerciais entre os países do bloco.
Segundo fontes do governo, a iniciativa será estruturada de modo a não ser interpretada como uma ruptura com o uso do dólar nas operações internacionais.
O governo brasileiro considera a possibilidade de resistência por parte dos Estados Unidos. Desde o retorno ao poder, o presidente norte-americano Donald Trump tem adotado posicionamentos contrários a iniciativas que busquem alternativas à moeda norte-americana.
Em janeiro, Trump declarou que países que abandonarem o dólar em transações internacionais poderiam ser alvo de tarifas comerciais de até 100%.
Com base nesse cenário, o Brasil articula uma abordagem que, segundo um assessor envolvido nas discussões, seja “palatável” para os Estados Unidos.
A proposta será apresentada como uma iniciativa voltada à eficiência tecnológica, e não como uma ação com implicações geopolíticas.
Modelo brasileiro será baseado em testes com Drex
O modelo proposto pelo Brasil será baseado na experiência obtida com o Drex, versão digital do real que está em fase de testes no Banco Central. O sistema utiliza tecnologia blockchain e tem como objetivo aumentar a segurança e reduzir custos em operações financeiras.
A aplicação dessa tecnologia em escala internacional seria adaptada para uso entre os países do Brics. O governo brasileiro estuda ainda a viabilidade de integração com modelos semelhantes ao sistema de pagamentos instantâneos Pix.
Entretanto, a implementação enfrenta obstáculos. O Banco Central identificou falhas técnicas na fase inicial de testes do Drex, com destaque para questões relacionadas à segurança da informação e à privacidade dos dados. Também há desafios regulatórios e dificuldades de harmonização jurídica entre os países do bloco.
Presidente Lula defende alternativas ao atual modelo financeiro
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva tem defendido o tema em fóruns internacionais desde 2023. Na cúpula do Brics realizada na África do Sul, Lula propôs a criação de instrumentos que reduzam a dependência do dólar em transações internacionais. Em 2024, ao discursar em encontro do bloco na Rússia, o presidente voltou ao tema.
“Não se trata de substituir nossas moedas, mas é preciso trabalhar para que a ordem multipolar que almejamos se reflita no sistema financeiro internacional”, declarou Lula durante o evento. O presidente também sugeriu que os bancos de desenvolvimento dos países-membros disponibilizem linhas de crédito em moedas locais.
A proposta brasileira inclui, ainda, a criação de mecanismos que permitam maior acesso a crédito para pequenas e médias empresas, com redução dos custos operacionais envolvidos nas operações internacionais.
Cúpula do Brics deve discutir viabilidade técnica e política da proposta
A presidência brasileira trabalha para consolidar a proposta até a cúpula de julho. A construção de um consenso interno será um dos principais desafios.
A expectativa do governo é apresentar a proposta como um processo de modernização tecnológica voltado à eficiência comercial, evitando a caracterização de confronto com outras potências.
A proposta será levada à reunião de chanceleres e ministros da economia dos países do bloco nas semanas que antecedem o encontro principal. O governo brasileiro pretende entregar um plano técnico detalhado com etapas de implementação e análise dos custos envolvidos.
Representantes dos países-membros deverão avaliar os impactos jurídicos, operacionais e estratégicos da proposta antes de definir uma posição conjunta.
Caso aprovada, a iniciativa poderá servir como base para novos mecanismos financeiros multilaterais entre países emergentes. O governo brasileiro sustenta que o uso da tecnologia blockchain pode representar um avanço no modelo de comércio exterior sem alterar a estrutura monetária vigente.
A decisão final sobre a adoção do sistema dependerá do grau de adesão dos demais membros e da capacidade técnica de integração entre os sistemas nacionais.