Por Sergey Lavrov, ministro das Relações Exteriores da Rússia, em 6 de março de 2025:
Nos dias que antecederam a cúpula da União Europeia sobre a crise da Ucrânia e a relação com a Rússia, o presidente francês Emmanuel Macron fez um discurso inflamado, reforçando sua retórica agressiva contra Moscou. Macron, mais uma vez, classificou a Rússia como uma “ameaça” para a França e para a Europa, sem apresentar provas para suas alegações, acusando o país de interferência cibernética, manipulação eleitoral e até planos expansionistas no continente europeu.
Essa postura hostil do líder francês não é inédita, mas, desta vez, suas declarações adquiriram um tom mais radical e intransigente, praticamente servindo como uma cartilha para o programa de ação russofóbico do Ocidente. Curiosamente, Macron também vinha se esforçando para demonstrar sua intenção de dialogar com o presidente russo Vladimir Putin sobre um possível acordo de paz para a Ucrânia. No entanto, em vez de uma abordagem diplomática, optou por uma retórica beligerante.
A inversão de papéis: quem realmente ameaça quem?
Macron tentou convencer os franceses de uma suposta ameaça existencial representada pela Rússia. No entanto, a realidade histórica conta uma história diferente: a Rússia nunca ameaçou a França, mas, pelo contrário, ajudou a garantir sua independência nas duas guerras mundiais. A agressividade francesa, por sua vez, é uma ameaça real para Moscou. As declarações do presidente francês contradizem as próprias tradições da diplomacia gaullista, que sempre buscou equilibrar as relações internacionais, contribuindo para a distensão entre Moscou e o Ocidente.
Ao longo das últimas décadas, a posição global da França se baseou justamente nesse papel de mediador. O general Charles de Gaulle chegou a propor um conceito de segurança indivisível do Atlântico aos Urais, buscando construir um consenso que considerasse os interesses de todos os países europeus. No entanto, Paris tem se afastado desse princípio, alinhando-se cada vez mais a uma postura subserviente à agenda de Washington e da OTAN.
Macron também enfatizou a necessidade de garantir a segurança da Ucrânia, sem mencionar qualquer consideração sobre a segurança da Rússia. Esse viés ocidental ignora que a crise atual decorre exatamente da recusa do Ocidente em fornecer garantias à Rússia, permitindo a contínua expansão da OTAN e a transformação da Ucrânia em uma plataforma hostil a Moscou. Desde 2014, quando um golpe levou neonazistas ao poder em Kiev com o apoio ocidental, a Rússia alertou repetidamente sobre os riscos da crescente militarização da região. No entanto, essas preocupações foram sistematicamente ignoradas.
O fracasso dos acordos de Minsk e a hipocrisia ocidental
As acusações de que Moscou violou os Acordos de Minsk não se sustentam. Pelo contrário, foi Kiev, sob a complacência de seus aliados ocidentais, que sabotou repetidamente esses compromissos. Ex-líderes da França, Alemanha e Ucrânia admitiram publicamente que os acordos foram usados apenas para ganhar tempo e preparar uma guerra contra a Rússia.
Macron agora propõe o “caminho para a paz”, mas suas ações indicam o oposto: ele defende o envio contínuo de armamento ocidental para a Ucrânia e o aumento dos gastos militares da OTAN e da União Europeia. Ao mesmo tempo, critica a Rússia por expandir suas próprias capacidades defensivas. A ironia é evidente: o orçamento militar da OTAN é mais do que o dobro dos gastos com defesa do resto do mundo combinado. Enquanto isso, a Rússia responde a essa escalada com medidas defensivas proporcionais.
Além disso, Macron sugeriu abertamente o envio de tropas ocidentais para a Ucrânia, sob o pretexto de forças de paz, uma ação que Moscou já deixou claro ser inaceitável. Tal movimento representaria, na prática, a ocupação da Ucrânia por potências da OTAN e elevaria perigosamente o risco de uma guerra direta entre a Rússia e o Ocidente.
A chantagem nuclear francesa e as ambições frustradas de Macron
Outro aspecto preocupante do discurso de Macron foi sua insinuação sobre um “guarda-chuva nuclear” francês para a Europa. Essa tentativa de Paris de se tornar um ator nuclear dominante no continente soa ridícula quando comparada ao poderio dos Estados Unidos e da Rússia. A França possui apenas 56 portadores de ogivas nucleares, enquanto os EUA possuem 898. A capacidade nuclear total da França é de 67,2 megatons, enquanto os EUA contam com 1.814 megatons. Moscou não deixará de levar em consideração essa nova postura ao definir sua estratégia de defesa.
O discurso de Macron revela um desespero latente. Ele busca se projetar como o novo líder do “mundo livre”, mas sua retórica belicista só expõe o desnível político das elites europeias. A crescente normalização entre Rússia e Estados Unidos, que começa a tomar forma, gera pânico entre os líderes europeus, pois pode abrir caminho para uma solução pacífica na Ucrânia. O curioso é que os próprios europeus deveriam ser os mais interessados em uma distensão entre Moscou e Washington, dado que foram os maiores prejudicados pela Guerra Fria.
No entanto, o militarismo de Macron não se resume à geopolítica: ele também tem motivações internas. A retórica de guerra serve para desviar a atenção dos franceses da crise socioeconômica que assola o país e a União Europeia. Ao apresentar ameaças externas como prioridade, ele tenta consolidar sua frágil posição política, que sofreu duros golpes no último ano.
No fim das contas, o discurso de Macron apenas revelou a verdadeira face do “partido da guerra”. Ficou claro quem realmente quer prolongar e escalar o conflito na Ucrânia e quem se opõe ao cessar-fogo. A resposta russa foi categórica: Paris pode continuar com suas ameaças psicóticas, mas Moscou não cederá à chantagem ocidental.
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!