A Mistral, maior startup de IA da Europa, aposta em inovação e identidade francesa para competir com gigantes americanos e chineses no setor
Há poucos motivos para comemorar o esfriamento das relações entre os Estados Unidos e a União Europeia. Mas até uma tempestade pode trazer benefícios para alguém. No mundo em rápido crescimento da inteligência artificial (IA), a Mistral, uma startup francesa, pode ser uma beneficiária da tormenta transatlântica. Fundada em 2023 por ex-pesquisadores da Meta (controladora do Facebook) e do Google DeepMind (uma divisão britânica da Alphabet), a Mistral não é uma empresa pequena. Avaliada em cerca de €5,8 bilhões (US$ 6,2 bilhões) em junho de 2024, quando levantou fundos pela última vez, ela é a startup de IA mais valiosa da Europa.
A empresa tem produzido modelos de base rapidamente, lançando 16 nos últimos 18 meses. Esses modelos variam de sistemas especializados, como Codestral, Mathstral e Pixtral, para codificação, matemática e reconhecimento de imagens, como sugerem seus nomes, até modelos de uso geral, dos quais o mais recente, o Mistral Small 3, foi lançado em janeiro.
Ao mesmo tempo, não há como confundir a empresa com um laboratório de elite. Sua avaliação é uma ordem de magnitude menor do que a de rivais americanas como OpenAI, Anthropic e xAI, esta última buscando levantar mais dinheiro em uma única rodada do que o valor total da Mistral. Seus modelos também estão firmemente na média.
O setor tem inúmeras tabelas de classificação, avaliando habilidades desde conhecimento geral até capacidade de codificação, e os modelos da Mistral apareceram no topo de pouquíssimas.
Por isso, a Mistral tentou se destacar competindo de forma mais indireta. Por exemplo, muitos de seus modelos são de código aberto: qualquer pessoa pode baixá-los e usá-los sem permissão explícita, sem custo. Outros são lançados sob a licença “de pesquisa” da empresa; usuários comerciais devem pagar por eles, enquanto hobbyistas e hackers podem experimentá-los livremente.
A empresa frequentemente lança modelos com nada mais do que um link sem palavras para um arquivo BitTorrent, com a explicação completa vindo depois. Essa abordagem chamou atenção – e gerou imitadores. Quando a chinesa DeepSeek surgiu no início deste ano, usou o mesmo manual de três partes.
Até recentemente, a Mistral parecia destinada a se tornar dano colateral na batalha entre Estados Unidos e China pela dominação da IA. Com executivos americanos argumentando que os usuários enfrentavam uma escolha entre IA “democrática” ou “autocrática” e modelos chineses oferecendo desempenho barato para os indiferentes à geopolítica, a empresa francesa foi pressionada.
Rumores de uma venda potencial circularam, mas o CEO da Mistral os descartou abruptamente em uma entrevista ao vivo em janeiro. A empresa estava caminhando para um IPO, disse ele, citando um crescimento “tremendo”. Se isso fosse verdade, céticos se perguntavam, por que ele estava passando tanto tempo circulando pelo Vale do Silício?
Mas em fevereiro as coisas começaram a mudar. A Mistral lançou o Le Chat, um assistente estilo ChatGPT pago. O serviço se destaca por sua velocidade: baseado em chips da Cerebras, uma startup americana, ele responde de forma extremamente rápida em comparação com a concorrência. Seu aplicativo atingiu 1 milhão de downloads nos primeiros dez dias.
Ele tem outra vantagem: a geografia. “Le Chat est français”, diz uma avaliação de cinco estrelas da versão francesa do aplicativo, argumentando que vale a pena tolerar um serviço ligeiramente menos eficiente para evitar as opções americanas e chinesas. “Os americanos enlouqueceram”, declarou outra avaliação (britânica) de cinco estrelas.
A lista de clientes da Mistral sugere que usuários mais conhecidos, embora menos demonstrativos, também estão abertos a um pouco de patriotismo. Ela é dominada por gigantes franceses como o banco BNP Paribas e a empresa de telecomunicações Orange.
No entanto, o orgulho nacional por si só não paga as contas. A receita anual recorrente da Mistral é de apenas €30 milhões, cerca de 0,5% de sua avaliação exorbitante, de acordo com a publicação tecnológica Sifted.
Mas, à medida que o número de modelos de IA cresce e a diferença entre os melhores diminui ainda mais, um pouco de patriotismo pode ser suficiente para manter o dinheiro entrando e os modelos funcionando.