Alternativa egípcia à “Riviera de Gaza” de Trump deve custar US$ 53 bilhões e levar cinco anos. Ao contrário do plano americano, proposta egípcia permitirá que palestinos permanecem em suas terras.
Líderes da Liga Árabe de nações endossaram em reunião extraordinária no Cairo nesta terça-feira (04/03) uma proposta do Egito para a reconstrução da Faixa de Gaza após o fim da guerra entre Israel e o grupo islamista Hamas, que devastou o enclave palestino.
O presidente egípcio, Abdel Fattah al-Sissi, apresentou aos demais líderes um plano de cinco anos para a reconstrução de Gaza com custos estimados em 53 bilhões de dólares (R$ 331 bilhões), e que visa permitir que os palestinos permaneçam em suas terras. A proposta surge como um contraponto ao plano dos Estados Unidos de criar uma “Riviera do Oriente Médio” em Gaza.
“Não haverá paz real sem o estabelecimento de um Estado palestino”, disse Sissi na abertura da cúpula. “A paz não virá pela força e não pode ser imposta”.
O anúncio ocorre em meio a um impasse nas negociações sobre a segunda fase do acordo de cessar-fogo entre Israel e o Hamas. Para que a trégua possa seguir adiante, Israel exigiu o desarmamento do Hamas, algo que o grupo islamista chamou de “linha vermelha”.
O Ministério israelense do Exterior disse na terça-feira que as discussões e apoios recebidos no Cairo “não abordaram a realidade da situação”.
Reconstrução sob órgão palestino “independente”
De acordo com o rascunho do documento de 112 páginas ao qual tiveram acesso as agências de notícias DPA e Reuters, uma fase inicial de seis meses de recuperação se concentraria na remoção de escombros e na instalação de moradias temporárias a um custo de cerca de 3 bilhões de dólares.
Já para a primeira fase propriamente dita, o plano prevê a construção de 200.000 unidades habitacionais em Gaza em um período de dois anos. Uma segunda etapa verá mais 200.000 moradias. Até 2030, o plano prevê centenas de milhares de novas casas abrigando até 3 milhões de pessoas, bem como um aeroporto, zonas industriais, hotéis e parques.
Sissi disse que um órgão palestino “independente” administraria Gaza sob o plano de reconstrução. O presidente palestino, Mahmoud Abbas, disse que a Autoridade Palestina – grupo liderado por ele que governa parte da Cisjordânia ocupada – estaria preparada para desempenhar um papel na futura administração do enclave.
ONU e a UE apoiam propostas egípcias
O plano egípcio recebeu o apoio das Nações Unidas e da União Europeia (UE).
Na cúpula do Cairo, o secretário-geral da ONU, António Guterres, disse que “apoia fortemente” a iniciativa liderada pelos árabes. “A ONU está pronta para cooperar totalmente neste esforço”, ressaltou.
O presidente do Conselho Europeu, António Costa, também exaltou a iniciativa egípcia, dizendo que ela “dá esperança a milhões de palestinos em Gaza, na Cisjordânia e no exterior” de que “o terrível sofrimento que todos nós testemunhamos no último ano e meio” possa enfim terminar.
Qualquer financiamento para a reconstrução de Gaza necessitaria de uma grande adesão dos Estados ricos em petróleo do Golfo Pérsico, como os Emirados Árabes Unidos (EAU) e a Arábia Saudita, sendo que nenhum desses países apoia o Hamas.
O grupo islamista também acolheu a proposta egípcia. “Esperamos um papel árabe efetivo que acabe com a tragédia humanitária criada pela ocupação na Faixa de Gaza […] e frustre os planos da ocupação [israelense] de deslocar [os palestinos]”, disse o Hamas, em nota.
Embora a extensão total dos danos só será conhecida quando os inspetores internacionais tiverem acesso total à Faixa de Gaza, a ONU estimou, usando dados de satélite, que quase 70% de todas as estruturas em Gaza foram danificadas ou destruídas. Isso inclui mais de 245.000 casas.
Outra estimativa da ONU diz que a guerra cobriu Gaza com mais de 50 milhões de toneladas de escombros.
Reação ao plano de Trump
Os planos discutidos pela Liga Árabe visam estabelecer um contraponto à controversa ideia do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, de tomar posse de Gaza e reconstruí-la a seu modo após “reassentar” cerca de dois milhões de palestinos em países árabes vizinhos.
Trump chegou a postar um vídeo produzido por inteligência artificial mostrando Gaza transformada na “Riviera do Oriente Médio”, um plano elogiado como “visionário e inovador” pelo primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, e que gerou indignação no Oriente Médio e em outras regiões.
Durante a cúpula, o presidente interino da Síria, Ahmed al-Sharaa – que participou de sua primeira reunião desde a derrubada do regime do ditador Bashar al-Assad há quase três meses – chamou as propostas de Trump parta Gaza de “um crime muito grande que não pode acontecer.”
Sissi, porém, disse que o americano ainda pode ajudar a trazer a paz à região. “Estou certo de que Trump é capaz de fazer isso em meio ao nosso verdadeiro desejo de pôr fim às tensões e hostilidades”, afirmou. Em postagem após a cúpula, o líder egípcio disse que acolheria quaisquer propostas da comunidade internacional e que estava ansioso para trabalhar com Trump.
O porta-voz do Conselho de Segurança Nacional dos EUA, Brian Hughes, disse que a Casa Branca vê com bons olhos as contribuições das nações árabes, mas insistiu que o Hamas não deve permanecer no poder.
“O presidente Trump deixou claro que o Hamas não pode continuar a governar Gaza”, disse Hughes. “Embora o presidente mantenha sua visão ousada para Gaza no pós-guerra, ele acolhe contribuições de nossos parceiros árabes na região”.
Publicado originalmente pelo DW em 04/03/2025
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