Processos sobre desaparecimento forçado pela ditadura do ex-deputado e de outros dois dissidentes do regime serão julgados pela Corte, e a tese a ser fixada valerá para os demais casos semelhantes.
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai analisar se a Lei da Anistia se aplica aos crimes de sequestro e cárcere privado cometidos durante a ditadura militar. A repercussão geral da matéria foi reconhecida pelo Plenário Virtual da Corte em processos que apuram as circunstâncias da morte do ex-deputado Rubens Paiva e de outros dois opositores ao regime em vigor entre 1964 e 1985.
São três os processos que motivam o debate no Tribunal: o Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1316562 e o Recurso Extraordinário (RE) 881748, que tratam do desaparecimento forçado de Paiva e do jornalista Mário Alves, cujos corpos nunca foram encontrados; e o ARE 1316562, que diz respeito ao assassinato do militante Helber Goulart, da Ação Libertadora Nacional (ANL). Nos três casos, o Ministério Público Federal (MPF) questiona decisões do Superior Tribunal de Justiça (STJ) e do Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2), que entenderam que os crimes estavam abrangidos pela Lei da Anistia e encerraram as ações penais contra os acusados.
Na semana passada, o STF decidiu discutir se a Lei da Anistia abrange crimes permanentes que até hoje estejam sem solução, como os de ocultação de cadáver (ARE) 1501674. Agora, ao reconhecer a repercussão geral desses três novos casos, sob a relatoria do ministro Alexandre de Moraes, a Corte amplia o debate para crimes com “grave violação de direitos humanos”, conforme proposta do MPF. Para o órgão, sequestro e cárcere privado também têm natureza permanente e não devem ser atingidos pela Lei da Anistia. A tese a ser fixado pelo STF no julgamento do mérito deverá ser seguida pelas demais instâncias do Judiciário.
A Lei da Anistia (Lei 6.683/1979) perdoou os crimes políticos e conexos cometidos apenas entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979. Em 2010, o STF validou a norma com base na Constituição de 1988, no julgamento da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 153.
Argumentos
Em sua manifestação, seguida por unanimidade, o ministro Alexandre explicou que o julgamento da ADPF 153 não esclareceu sua aplicação a crimes permanentes. Ele também destacou que a responsabilização do Brasil na Corte Interamericana de Direitos Humanos (Corte IDH) por omissão nos crimes de Estado durante a ditadura demonstra a necessidade de uma nova discussão sobre o assunto no país, tendo como base uma “ordem constitucional que preza de modo intransigente pelo respeito aos direitos humanos”.
De acordo com o ministro, os processos em tramitação sobre Paiva e os outros dois opositores da ditadura são uma oportunidade de o STF tratar do assunto com base em novos elementos. “Os presentes casos tangenciam matéria de grande relevância para a pauta dos direitos humanos, permitindo que agora o STF avalie a questão a partir da perspectiva de casos concretos, com diferentes nuances”, afirmou.
Dissidentes
Rubens Paiva foi preso pelo regime militar em 1971. Depois disso, nunca mais foi visto. Sua morte só foi reconhecida pelo Estado brasileiro 43 anos depois. Mário Alves, um dos fundadores do Partido Comunista Brasileiro Revolucionário, foi preso em 1970 e até hoje se enquadra como desaparecido político. Já o militante Helber Goulart foi preso em 1973, e seus restos mortais foram encontrados num cemitério em São Paulo em 1992.
(Gustavo Aguiar/CR//CF/AD)
24/02/2025
STF