Tentativas desesperadas de apagar rastros digitais.
Nos últimos dias, diversos envolvidos no escândalo da cripto $LIBRA tentaram apagar suas pegadas digitais, removendo vídeos, fotos e postagens que poderiam incriminá-los. Entre os principais casos está a entrevista em que Gideon Davis, irmão do criador da $LIBRA, Hayden Davis, afirmou que o governo argentino havia assinado uma carta de intenções para promover criptomoedas no país. O vídeo foi misteriosamente deletado pelo youtuber que o publicou, mas trechos importantes foram recuperados por internautas e expuseram ainda mais os laços entre figuras próximas ao presidente Javier Milei e o esquema.
Outros registros, como a foto de Mauricio Novelli com Agustín Laje, apontado como possível arrecadador de Milei para um projeto cripto que nunca chegou a ser lançado, também foram apagados, mas rapidamente viralizaram. O porta-voz presidencial, Manuel Adorni, tentou desvincular-se do evento Tech Forum, onde supostamente foram fechados negócios entre Milei e Davis, mas a internet guardou suas conexões.
O rastro digital desses personagens persiste como uma sombra incômoda, revelando um intricado esquema de criptomoedas que pode envolver corrupção e financiamento político.
A confissão que desapareceu
Em novembro de 2024, Gideon Davis participou de uma entrevista para o canal “UnscriptedArena”, onde fez revelações comprometedoras. Durante a conversa, ele afirmou que a Argentina havia assinado um “Loi” (Letter of Intent, ou carta de intenções), supostamente aprovado pelo próprio presidente Milei, para a implementação de um grande projeto de criptomoedas no país por meio da empresa Cube Exchange.
Esse testemunho sugeria que o governo argentino não apenas tinha conhecimento da $LIBRA, mas também poderia estar envolvido em sua estruturação. Segundo Davis, o projeto não se limitava à moeda digital fraudulenta, mas fazia parte de um plano maior para “tokenizar” a economia argentina.
De maneira repentina, o vídeo foi removido do YouTube e de outras plataformas pelo youtuber Tony Sablan. No entanto, usuários argentinos conseguiram resgatar trechos da entrevista, incluindo partes onde Davis mencionava que a $LIBRA era apenas um teste inicial para um sistema mais amplo de criptomoedas integrado ao governo.
A advogada de Hayden Davis, Yanina Nicoletti, também afirmou ter um documento que comprovaria a existência de um acordo assinado com o governo. Curiosamente, sua conta na rede social X foi hackeada logo após divulgar essa informação, numa aparente tentativa de silenciá-la.
O apagamento de rastros digitais
A tentativa de esconder evidências não se restringiu à entrevista de Davis. Outros envolvidos no esquema também buscaram apagar suas conexões com o escândalo.
Mauricio Novelli, empresário do setor de criptomoedas e apontado como intermediário de Davis, deletou de suas redes sociais uma foto ao lado de Agustín Laje, um influente ideólogo de direita na Argentina. A imagem, tirada durante uma viagem aos Estados Unidos para assistir a um jogo dos Los Angeles Lakers, levantou suspeitas sobre uma possível parceria entre os dois para criar uma nova criptomoeda vinculada a Milei. O objetivo, segundo denúncias, seria canalizar fundos para a ONG de Laje e, possivelmente, para o financiamento político de La Libertad Avanza.
O porta-voz presidencial Manuel Adorni também tentou apagar seus rastros. Ele estava listado como palestrante no Tech Forum, evento realizado em outubro de 2024 e organizado por Novelli, onde teriam ocorrido tratativas entre Milei e Davis. Logo após o escândalo da $LIBRA estourar, o nome de Adorni foi removido do site do evento. Apesar disso, registros da web preservaram sua participação.
Outro que tentou se desvincular da polêmica foi o youtuber Manuel Terrones Godoy, um dos investigados pelo Ministério Público. Terrones, que promovia criptomoedas no YouTube, apagou vídeos nos quais exaltava a $LIBRA e outros projetos suspeitos. Pessoas familiarizadas com o mercado cripto apontam que ele já esteve envolvido em esquemas semelhantes e, após cada fraude, costuma apagar o histórico de seus vídeos para evitar ligações diretas.
O vínculo entre Cube Exchange e o governo Milei
A empresa Cube Exchange, mencionada por Gideon Davis na entrevista deletada, aparece como um dos principais elos entre o governo Milei e o esquema de criptomoedas. O fundador da Cube Exchange, Bartosz Lipinski, teria se reunido com Hayden Davis e Karina Milei, secretária-geral da Presidência, na Casa Rosada em julho de 2024. Além disso, a empresa também esteve envolvida no Tech Forum de outubro, onde o próprio presidente Javier Milei discursou.
A revelação de que Cube Exchange poderia ser usada para criar uma “cooperativa de crédito” baseada em criptomoedas adiciona outra camada de suspeitas ao caso. Segundo Davis, essa nova estrutura seria uma fusão entre o sistema bancário tradicional e o universo cripto, com o potencial de movimentar grandes quantias de dinheiro de forma pouco transparente.
As consequências políticas
O escândalo da $LIBRA pode ter implicações graves para o governo Milei. A rápida remoção de conteúdos e tentativas de apagar rastros sugerem que há mais envolvimento do que as autoridades gostariam de admitir. A conexão entre os acusados e figuras do governo argentino, como Karina Milei e Manuel Adorni, coloca ainda mais pressão sobre a administração.
Além disso, a relação de Mauricio Novelli e Agustín Laje com o financiamento político da direita radical pode comprometer os planos de Milei para sua reeleição. Se confirmado que a criação de criptomoedas era usada para arrecadar fundos de forma irregular, o presidente poderá enfrentar investigações formais que afetariam sua base de apoio.
Por enquanto, a principal questão é se a Justiça argentina terá acesso aos documentos e registros que ainda restam na internet. O Ministério Público já investiga o caso e poderá convocar testemunhas para esclarecer o nível de envolvimento do governo Milei no esquema.
O escândalo segue crescendo, e os protagonistas do caso continuam lutando para apagar suas pegadas digitais. Mas, como já demonstrado, a internet tem memória – e as evidências podem continuar aparecendo.
Por Matías Ferrari, para o Página 12