Em uma palestra contundente no Parlamento Europeu, o economista Jeffrey Sachs fez duras críticas à política externa dos Estados Unidos e defendeu uma maior autonomia da Europa em relação à influência americana. Com vasta experiência como consultor de governos na Europa Oriental e na ex-União Soviética, Sachs argumentou que os EUA vêm conduzindo guerras e desestabilizando regiões por mais de 30 anos, enquanto a Europa tem atuado de maneira submissa, sem um projeto de política externa próprio.
O domínio americano e a falta de uma política externa europeia
Sachs começou seu discurso afirmando que, com o fim da União Soviética em 1991, os EUA passaram a agir como uma potência unipolar, ignorando tratados internacionais e conduzindo guerras no Oriente Médio, na África e nos Bálcãs. Ele denunciou a falta de soberania da Europa em relação a Washington: “A Europa não tem voz, não tem unidade, não tem clareza, apenas lealdade aos americanos”, afirmou. O economista pediu que a União Europeia formulasse sua própria política externa, sem interferência dos EUA.
Ele também citou o exemplo do Iraque, cujo conflito foi, segundo ele, arquitetado em conluio entre o governo de George W. Bush e o então primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. Segundo Sachs, a guerra no Iraque foi uma decisão unilateral dos EUA, que burlaram o Conselho de Segurança da ONU para justificar a invasão.
A expansão da OTAN e a guerra na Ucrânia
O economista afirmou que a guerra na Ucrânia é consequência direta da estratégia de expansão da OTAN, iniciada nos anos 1990, que empurrou suas fronteiras cada vez mais próximas da Rússia. Ele relembrou a promessa feita ao líder soviético Mikhail Gorbachev de que a OTAN “não avançaria um centímetro para o leste”, compromisso posteriormente rompido com a adesão de países do Leste Europeu à aliança militar.
Sobre a invasão russa à Ucrânia, Sachs rejeitou a ideia de que Putin tenha intenções imperialistas, chamando essa narrativa de “propaganda infantil”. Ele disse que, em março de 2022, havia uma negociação avançada entre Rússia e Ucrânia para um acordo de paz, mas que os EUA pressionaram Kiev a desistir das conversas. “Eu implorei aos ucranianos para salvarem suas vidas, seu território e sua soberania, mas eles ouviram os americanos”, afirmou. Ele ainda citou a famosa frase de Henry Kissinger: “Ser inimigo dos EUA é perigoso, mas ser seu aliado é fatal”.
A relação entre Europa e Rússia
Sachs sugeriu que a Europa deveria negociar diretamente com a Rússia, sem intermediação americana, pois os interesses do continente são diferentes dos dos EUA. Ele criticou a destruição do gasoduto Nord Stream e a subserviência europeia às sanções contra Moscou, que afetam a economia da região. “Vocês vão viver com a Rússia por muito tempo. Por favor, negociem com a Rússia”, pediu.
O economista também condenou a influência da OTAN sobre a Europa e sugeriu que o bloco deveria se afastar da aliança. Ele defendeu o fortalecimento de uma estrutura de segurança europeia independente e alertou sobre o perigo de entregar as decisões geopolíticas do continente aos EUA.
Os EUA, Israel e o Oriente Médio
Outro ponto abordado por Sachs foi a política americana para o Oriente Médio. Ele acusou Washington de ceder sua política externa às vontades de Netanyahu e do lobby israelense. “Os EUA entregaram sua política externa para Israel há 30 anos. Isso precisa acabar”, afirmou. Ele defendeu a solução de dois Estados como única saída viável para o conflito entre Israel e Palestina.
O papel da China e a nova ordem global
Sachs também abordou a crescente rivalidade entre os EUA e a China, descrevendo Pequim não como uma ameaça, mas como uma história de sucesso econômico. Ele criticou os planos americanos de cercar militarmente a China e destacou que os chineses ultrapassaram os EUA em várias áreas econômicas.
Ele sugeriu que a Europa deveria ampliar seus laços com a China e outras regiões do mundo, como o Sudeste Asiático e África, fortalecendo sua posição global de maneira independente de Washington.
Conclusão: um chamado para a independência europeia
Ao final de sua palestra, Sachs reiterou que a Europa precisa de uma política externa própria, baseada na diplomacia e não no alinhamento automático com os EUA. Ele criticou a falta de diplomacia do bloco, alertando que o Parlamento Europeu deveria assumir um papel ativo na construção da paz.
“O Parlamento representa os povos da Europa. É preciso que este Parlamento assuma a iniciativa de buscar a paz, atravessando linhas partidárias”, concluiu.
Seu discurso provocou reações diversas, com alguns parlamentares concordando com suas avaliações, enquanto outros defenderam a continuidade do alinhamento com os EUA. De qualquer forma, Sachs trouxe um debate incômodo, mas essencial, sobre a posição da Europa no tabuleiro geopolítico mundial.