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A supercorreção anti-woke já deu no saco

O problema com fanáticos, conspiracionistas, monomaníacos e excêntricos é que, a princípio, parecem razoáveis. Poucos começam uma conversa com sua opinião mais extrema. A tática é estabelecer um terreno comum primeiro, como um vendedor que faz o cliente dizer “sim” para algumas perguntas iniciais. Só então o fanatismo se infiltra, e, nesse ponto, torna-se constrangedor […]

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O problema com fanáticos, conspiracionistas, monomaníacos e excêntricos é que, a princípio, parecem razoáveis. Poucos começam uma conversa com sua opinião mais extrema. A tática é estabelecer um terreno comum primeiro, como um vendedor que faz o cliente dizer “sim” para algumas perguntas iniciais. Só então o fanatismo se infiltra, e, nesse ponto, torna-se constrangedor discordar. Assim, preso em uma conversa em uma festa, posso acabar passando por algo assim:

Excêntrico: Esse prefeito é um desastre.
Pobre Janan: Pois é, complicado.
E: Vive mudando o nome de ruas pra agradar militância.
PJ: É tipo, amigo, só foca em resolver o trânsito.
E: Mas, né, já era de se esperar.
PJ: Como assim?
E: Ora, você sabe que ele é um fantoche da elite globalista, né?
PJ: Ah…

À medida que a conversa fica mais absurda, eu me limito a murmúrios genéricos (“Mmm!”) em vez de responder com palavras.

Agora imagine essa tática do anzol e da isca em escala nacional, e você tem o movimento anti-woke. Até pouco tempo atrás, os conservadores apresentavam um argumento com o qual muitos eleitores concordavam: que o woke é um dogma iliberal, e que os próprios liberais eram fracos demais para enfrentá-lo.

Agora, depois de vencer essa batalha, esse discurso está escorregando para um absolutismo da liberdade de expressão, patrulhamento do patriotismo alheio e uma obsessão com cultura que não encontra tanto interesse no público. Leia o discurso de JD Vance em Munique. Ou o de Kemi Badenoch em Londres logo depois, no qual essa aspirante de 45 anos ao cargo de primeira-ministra do Reino Unido começou com uma frase (“A civilização ocidental está em crise”) que poderia muito bem ser o tema de um debate universitário.

O público quer que o woke suma, não uma conversa interminável sobre o assunto.

Como alguém que identificou o auge do movimento woke cedo, e não ficou triste ao vê-lo desaparecer, digo o seguinte: o público quer que o woke suma. Mas isso não significa que queira ser submetido a uma conversa interminável sobre o tema. E certamente nunca aprovou o extremo oposto desse movimento, que é o conservadorismo cultural. A direita está exagerando na dose.

Como prova da crise ocidental, Badenoch destacou uma pesquisa que mostrou que os jovens britânicos demonstram pouco amor pelo próprio país. (Sobre a Rússia, no entanto, ela passou apenas uma frase, o que já deveria ser suficiente para questionar sua seriedade.) Mesmo se o discurso não se contradissesse — nossa civilização é “incrível”, mas também tão frágil que não pode sobreviver a uma geração de jovens mal-humorados — por que ela está gastando tempo falando essas besteiras? O que um governo do Reino Unido pode fazer sobre o destino da civilização? Eu não sei qual é o plano econômico dela, mas estou cada vez mais informado sobre sua angústia cultural. Se isso já é Hegel demais para mim, imagine para o eleitorado.

Uma das vantagens de envelhecer é que a vida começa a se revelar reconfortantemente cíclica. Quando você vive sua terceira recessão, já não se empolga tanto com o próximo boom. No esporte, até um Manchester United ou um Arsenal conquista títulos em rajadas e depois passa décadas em declínio, porque a soberba leva a decisões ruins. O velho ditado sobre a história chinesa (“o império, há muito dividido, deve se unir; há muito unido, deve se dividir”) tem um apelo universal, porque essa lógica de ciclos se aplica a muitas coisas. Uma safra ruim de Bordeaux é um bom indicador de que uma excelente virá em breve.

A política talvez seja o melhor exemplo. A opinião pública é muitas vezes “termostática”, ou seja, começa a pender para a direita assim que um governo de esquerda é eleito, e vice-versa. Foi isso que gerou o auge do woke após a chegada de Donald Trump ao poder. Se isso é instabilidade ou prudência, não sei, mas nos dá uma ideia de como os próximos anos vão se desenrolar.

Tendo rejeitado o woke, os eleitores vão se tornar cada vez mais protetores de outras conquistas liberais. Os conservadores, interpretando isso de forma errada e intoxicados com sua própria vitória, acabarão assustando as pessoas. Não dá para prever exatamente qual será o excesso fatal da direita — o equivalente conservador do Defund the Police — mas alguma forçação de barra desastrosa vem aí. Essas pessoas simplesmente não sabem aceitar um “sim” como resposta. É impressionante que defensores tão apaixonados da cultura ocidental ignorem um dos seus princípios fundamentais, inscrito no Templo de Apolo como um alerta eterno: “Nada em excesso.”

Por Janan Ganesh
Publicado no Financial Times em 22 de fevereiro de 2025.

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