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Força Municipal de Segurança: o perigo da milicialização diante dos riscos de privatização do poder de polícia

Por Jacqueline Muniz, Professora da Graduação e do Mestrado de Segurança Pública da UFF Em tempos de proposição de mais uma polícia ostensiva uniformizada municipal, um ser ainda indefinido, quase um “genérico de drogaria”, e já temos a GM-RIO armada, vale encaminhar alguns recados para as autoridades municipal e estadual do Rio, responsáveis pela segurança […]

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Por Jacqueline Muniz,
Professora da Graduação e do Mestrado de Segurança Pública da UFF

Em tempos de proposição de mais uma polícia ostensiva uniformizada municipal, um ser ainda indefinido, quase um “genérico de drogaria”, e já temos a GM-RIO armada, vale encaminhar alguns recados para as autoridades municipal e estadual do Rio, responsáveis pela segurança publica, queiram elas ou não.

Um alerta histórico: o perigo da privatização do poder de polícia

O primeiro recado vem lá detrás, da época do surgimento da democracia que inventou as polícias modernas.

A história adverte que o poder de polícia quando privatizado ou terceirizado na delimitação do seu mandato, na sua composição institucional e na sua execução faz uma Força Municipal de Segurança, por exemplo, já nascer milicializada, emancipada como um governo autônomo ou confinada como uma guarda particular do governante.

Para impedir a emergência dos xerifados, guardas pretorianas, capangagem, clientelização, emancipações predatórias e chantagens corporativas das armas e, com tudo isso, a proliferação de golpismos com o uso da espada e o conluio da pena há uma regra de ouro da democracia que garante estabilidade e previsibilidade no exercício do poder legal e legitimamente eleito.

A regra de ouro em democracias é blindar as burocracias armadas, desde o seu nascimento, da manipulação político-partidária e da apropriação privatista para poder exercer, de fato e de direito, o comando civil sobre elas.

É desta forma que se impede e se enfrenta a criação de governanças criminais vindas de dentro do Estado e, por sua vez, a consequente transformação de mandatários municipais, estaduais e federais em birutas de posto e ventríloquos da economia política da insegurança pública.

Transvestidos de garotos propaganda, este dirigentes, e já são muitos no Brasil de agora, terminam por prestarem serviços “forçados” para a alta bandidagem governando com o crime, sem tinta na sua caneta e, claro, prisioneiros em seus gabinetes pelos alisadores de maçaneta. Quem terceiriza a segurança, terceiriza o poder de polícia em nome das supostas virtudes do gerencialismo privado na condução da coerção.

Terceiriza o próprio mando, a sua capacidade de governar e se torna refém da insegurança pública que promove.

Uma Advertência Cotidiana: O Mercado Ilegal da Segurança no Rio de Janeiro.

O segundo recado, que se traduz em mais uma grave advertência, é diário e vem da lição político-econômica extraída da consolidação dos domínios armados que já privatizaram, arrendaram ou estabeleceram um regime contratual público-privado com uma parte do poder de polícia no Estado do Rio.

Tem-se a Polícia do BEM sendo sabotada diariamente pelas Polícias dos BENS. Tem-se, por dentro, o Estado brigando com ele mesmo em um tipo de “junto e misturado” das várias bandidagens e dos agentes da lei com poder de polícia autonomizado compondo os seus quadros como funcionários, sócios ou patrões.

O Peixão e muitos outros governantes criminais locais servem como uma emblemática ilustração da partilha do poder de polícia no Rio. E, por conta disso, exemplifica a conversão gradual do Estado em uma agência neoliberal reguladora do crime organizado que rodizia traficantes, milicianos e grupelhos estatais armados na distribuição de concessões do poder de polícia para barganhar o monopólio político-econômico de tal ou qual grupo armado em troca de vantagens político-eleitorais.

Assiste-se, como contrapartida das negociatas com o poder de polícia, isto é, com o poder de governar concedido pelos eleitores, à produção de monopólio nas seções eleitorais e de um fluxo contínuo do dinheiro do crime para caixa 2 de campanha – uma rentável lavanderia do dinheiro sujo.

A isto se vincula a governança de territórios e de populações, em especial nas periferias, entregue ao capital privado ilegal vivificado no empreendedorismo do crime, fazendo retumbar o falso mantra de que a gestão privada é superior à publica. E, até mesmo, paradoxalmente, no mandato do poder de polícia que corresponde a uma carreira exclusiva de Estado pelas razões aqui expostas e muitas outras.

Autarquia armada sem tutela e Autogoverno Policial: Força de Segurança Municipal sob risco político.

Para não criar autarquias armadas sem tutela com corporativismo pistoleiro, mais um bonde policialesco ou para não por onça selvagem para tomar conta de quintal, é bom não fazer gambiarra na segurança municipal com um arranjo institucional meia-boca, ainda um lusco-fusco que aponta para a privatização disfarçada do poder coercitivo de polícia.

Este arranjo traduzido de forma simplista em uma espécie de Caravana Holiday Empistolada que sai em busca de roubos no asfalto da Zona Nobre, no aquário da Zona Sul.

Cabe lembrar que todo carioca já assiste à privatização da segurança. Esta tem se apresentado pervertida em arranjos (i)legais de proteção excludentes, desiguais e discriminatórios pelos quais pagamos caro, inclusive com a vida.

Esta tem nos fidelizado por meio de ameaças constantes e de seu marketing do terror que aparelham e manipulam o nosso legítimo medo do crime por toda a cidade. Não dá para propor mais uma nova polícia que corre o risco de milicialização desde a prancheta pelo fatiamento político do poder de polícia.

Todo carioca tem, hoje, uma estória para contar sobre como acumula prejuízos existenciais, materiais e simbólicos com os lucros da política eleitoreira da insegurança pública, seu regime do medo e suas práticas ostentatórias de exceção. Todo o carioca está calejado de saber que o CV, o TCP e as Milícias, grupos privados ilegais, respondem pelo policiamento público em regiões expressivas do Rio. Todo carioca aprende os procedimentos operacionais do policiamento feito pelo crime e como agir nas suas abordagens.

As barricadas e as blitzes ilegais não mentem jamais!

Os policiamentos ilegais vêm ocupando o vazio ostensivo da presença policial nas ruas.

Enquanto isso se observa o frenesi operacional da síndrome do cabrito, do sobe e desce morro sem permanecer e garantir alguma conquista substantiva sobre os domínios territoriais armados. E, isto, por esgotamento prévio da capacidade repressiva da polícia com a escolha politiqueira da banalização das operações policiais.

O suposto cobertor curto da presença policial para acuar ainda mais a cidadania amedrontada, vai sendo ainda mais encurtado com as sucessivas operações ostentatórias enxuga-gelo, as quais sobre gastam efetivos policiais e desperdiçam recursos repressivos nobres.

Infelizmente, para o desespero do morador do Rio e o dessabor dos profissionais das forças especiais e demais vocacionados que veem sua expertise ir para o ralo e que também passam a se ver apenas como mercadorias políticas.

Improvisos e remendos com polícia: um barato que sai caro.

Tudo isso retrata, no nosso dia a dia, a terceirização ou a negociação com o mercado ilegal do poder de polícia já em curso e que deveria ser monopólio do Estado para sustentar uma segurança de sobrenome pública e democrática de verdade.

A esta altura, vale reforçar os recados dados. É melhor não improvisar com meios de força que dobram vontades nas esquinas, cortam, ferem e podem matar para atender apetites eleitoreiros, ambições mercadológicas, projetos corporativistas e a simplismos políticos.

Há que fazer o “certo pelo certo” com os saberes e experiências acumulados no Rio que estão ao alcance das mãos dos governantes.
Há caminhos sérios que dispensam as cloroquinas na segurança que tem custado precarizações, dores, vidas. Na política há que valorizar a ética da responsabilidade para se ter resultados qualificados, especialmente quando se lida com as espadas.

Por isso, ainda se segue a espera de um projeto de força municipal de segurança (Liberal? Conservador? Progressista?) que ao menos venha com cabeça, tronco e membros.

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