No artigo “Crítica à economia política neoliberal de dados”, o economista e presidente do IBGE, Márcio Pochmann, analisa as transformações na gestão econômica e no papel dos dados desde o século XX. Ele destaca que, entre a Grande Depressão de 1929 e a crise do petróleo de 1979, os sistemas estatísticos nacionais reforçaram a soberania e a eficácia da administração macroeconômica, especialmente no Ocidente.
A partir da década de 1980, com a ascensão do neoliberalismo, houve uma desregulamentação das forças de mercado. Isso permitiu o avanço da economia digital, dominada quase que exclusivamente por grandes empresas de tecnologia, conhecidas como big techs, enquanto a esfera pública se enfraquecia.
Com o crescimento da indústria de inteligência artificial, a produção e o consumo de dados, baseados em algoritmos, passaram a redefinir a governança de populações e territórios, alterando significativamente o papel dos Estados nacionais. Termos como “tecno-feudalismo”, “capitalismo de vigilância”, “colonialismo de dados” e “extrativismo de dados” surgiram para descrever a crescente desigualdade de poder resultante da mercantilização dos dados.
Nesse novo cenário, apenas as maiores empresas de tecnologia conseguem se manter competitivas, pois são capazes de coletar enormes quantidades de informações dos usuários por meio de redes sociais e outras plataformas digitais. Essas big techs desenvolveram modelos de negócios altamente lucrativos, transformando os dados coletados em produtos variados, como conteúdos personalizados, serviços de análise de dados e publicidade direcionada.
Além disso, as políticas de privacidade dessas empresas permitem o compartilhamento de informações pessoais e institucionais, o que, segundo Pochmann, compromete a soberania dos dados nacionais. Como resultado, os sistemas estatísticos nacionais enfrentam desafios em sua credibilidade e capacidade de orientar políticas públicas eficazes.
Para restaurar a confiança e a legitimidade na economia de dados, Pochmann propõe a transformação do sistema estatístico oficial em uma organização pública responsável pela gestão dos dados nacionais, liderada por uma autoridade específica para esse fim. Ele sugere que o IBGE reassuma seu papel de coordenação nacional dos dados, como ocorreu entre 1936 e 1964. Atualmente, a criação de um Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados é vista como a melhor solução para o Brasil.
Em resumo, o artigo de Pochmann critica a economia política neoliberal de dados, que, ao priorizar interesses de grandes corporações, enfraquece a esfera pública e compromete a soberania nacional sobre informações estratégicas. Ele defende a necessidade de um novo marco legal e regulatório que fortaleça as instituições públicas na gestão dos dados, garantindo que eles sejam utilizados em benefício da sociedade como um todo.
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Crítica à economia política neoliberal de dados
Por Márcio Pochmann – Presidente do IBGE
Desde a Grande Depressão de 1929 até a crise do petróleo de 1979, os sistemas estatísticos nacionais foram fundamentais para consolidar a soberania dos países e fortalecer a gestão macroeconômica desenvolvimentista, especialmente no Ocidente. Durante esse período, os governos utilizaram dados estatísticos para planejar e regular suas economias, garantindo um crescimento mais equilibrado.
No entanto, a partir da década de 1980, com a ascensão do neoliberalismo, houve uma forte desregulamentação das forças de mercado. Esse processo abriu caminho para a expansão da economia digital, dominada pelas big techs. Com o enfraquecimento da esfera pública, essas empresas adquiriram um poder sem precedentes sobre os fluxos de informação e dados no mundo.
Com o avanço da inteligência artificial, a produção e o consumo de dados, baseados em algoritmos, passaram a influenciar diretamente a governança de populações e territórios. Esse novo cenário alterou significativamente o papel dos Estados nacionais na regulação e no controle das informações estratégicas.
Como resposta a esse fenômeno, surgiram novos conceitos como “tecno-feudalismo”, “capitalismo de vigilância”, “colonialismo de dados” e “extrativismo de dados”. Essas expressões tentam descrever a crescente desigualdade de poder resultante da mercantilização dos dados e da concentração desse ativo nas mãos de poucas empresas.
Nesse contexto, apenas as grandes corporações tecnológicas conseguem se manter e prosperar. Isso acontece porque elas são as únicas com capacidade de coletar e processar uma quantidade colossal de informações dos usuários por meio de redes sociais, aplicativos e mecanismos de busca. Esse domínio gera um modelo de negócios altamente lucrativo, no qual os dados coletados são transformados em produtos diversos, como publicidade personalizada e serviços de inteligência de dados.
Além disso, as políticas de privacidade das big techs permitem o compartilhamento massivo de informações pessoais e institucionais. Essa interpenetração das redes sociais com a navegação na internet esvazia a soberania dos países sobre seus próprios dados nacionais. Como consequência, os sistemas estatísticos nacionais, que tradicionalmente serviam para embasar políticas públicas, passaram a enfrentar dificuldades para manter sua relevância e credibilidade.
Diante desse cenário, torna-se urgente a criação de um novo marco legal e regulatório para garantir que os dados sejam utilizados em benefício da sociedade. É essencial restaurar a confiança na economia de dados por meio de um sistema estatístico público robusto, liderado por uma autoridade nacional de dados.
Uma oportunidade para isso é fortalecer o papel do IBGE na coordenação nacional dos dados, função que exerceu entre 1936 e 1964. Hoje, a criação do Sistema Nacional de Geociências, Estatísticas e Dados surge como a melhor solução para o Brasil. Esse sistema permitiria ao país retomar o controle sobre suas informações estratégicas e utilizá-las para orientar políticas públicas eficazes.
A economia política neoliberal de dados transformou as informações em mercadoria e favoreceu a concentração de poder nas mãos de grandes corporações, enfraquecendo a esfera pública e comprometendo a soberania nacional. Para enfrentar esse desafio, é essencial que os países adotem medidas regulatórias que garantam que os dados sejam tratados como um bem público, a serviço do desenvolvimento social e econômico.