China acelera o desenvolvimento de robôs humanóides com apoio governamental.
Em um amplo centro de 4.000 metros quadrados nos arredores de Xangai, 102 robôs humanóides de 10 empresas diferentes foram reunidos para treinamento em tarefas como caminhar, arrumar camas, lavar louça, apertar parafusos e até soldar. O evento reflete a rápida evolução da China em direção a um futuro onde humanos e robôs coexistem de maneira integrada.
Este inédito “centro de treinamento para robôs”, construído em parceria entre autoridades nacionais e locais, não se limita a ensinar atividades básicas. Ele representa um passo estratégico dentro das ambições chinesas de liderança global em tecnologia, um setor onde o país busca superar os Estados Unidos.
O Ministério da Indústria e Tecnologia da Informação da China (MIIT) definiu os robôs humanóides como a próxima grande inovação após os computadores, smartphones e veículos elétricos. Seu impacto pode transformar profundamente a produção industrial e o modo de vida da população, ao mesmo tempo em que remodela o cenário global da indústria.
O avanço da robótica na China também tem um fator econômico crucial. Com a queda na taxa de natalidade e o envelhecimento populacional, a automação pode ajudar a compensar desafios demográficos e reduzir a escassez de mão de obra.
Xangai lidera o impulso da robótica humanóide
O centro de inovação de Xangai é resultado de uma parceria entre governos locais, empresas de tecnologia e indústrias que futuramente empregarão esses robôs. O objetivo é acelerar o desenvolvimento da tecnologia, reunir dados e promover sua comercialização.
De acordo com o Centro Chinês para o Desenvolvimento da Indústria da Informação, os robôs humanóides estão próximos de uma fase de crescimento explosivo e devem se tornar um motor essencial do crescimento econômico.
A China já estabeleceu um sistema de inovação robusto para o setor. O MIIT planeja atingir a produção em massa de robôs humanóides e sua integração em setores industriais e serviços públicos até o fim de 2025. Para isso, as cidades estão correndo para implementar políticas e incentivos que as tornem centros nacionais dessa indústria.
Desde 2022, oito centros nacionais e regionais de inovação em robótica humanóide foram inaugurados no país, superando a atuação de muitas empresas privadas do setor. Esse crescimento acelerado reflete o modelo chinês de inovação estatal, que busca transformar a economia por meio de investimentos direcionados e tecnologia de ponta.
A expectativa é que, com apoio governamental e investimentos estratégicos, o mercado chinês de robôs humanóides ultrapasse 20 bilhões de yuans (US$ 2,76 bilhões) até 2026. Em um estudo divulgado durante a Conferência Mundial de Inteligência Artificial, foi projetado que o mercado local dobrará de valor entre 2024 e 2025, atingindo 75 bilhões de yuans até 2029, o que representará quase um terço do mercado global.
Apoio estatal impulsiona indústria de robôs na China
Para viabilizar esse crescimento, a China está canalizando investimentos por meio de subsídios, incentivos fiscais, parcerias público-privadas e desenvolvimento de polos industriais. Esse modelo difere da abordagem americana, que prioriza o investimento privado e deu origem a gigantes como a Tesla, de Elon Musk.
Especialistas apontam que os centros de inovação financiados pelo governo chinês têm uma vantagem nos estágios iniciais do setor, pois permitem maior coleta de dados, treinamento e integração de recursos para acelerar avanços tecnológicos.
No entanto, o setor enfrenta desafios. A competição entre províncias, a duplicação de esforços em centros de inovação e a necessidade de adaptação ao mercado podem dificultar o crescimento sustentável.
A cidade de Pequim, por exemplo, está focada na redução de custos e na aceleração da comercialização de robôs humanóides, com destaque para componentes críticos e desenvolvimento de produtos finais. Em abril, Pequim sediará a primeira meia-maratona mundial para robôs humanóides, evento que reunirá mais de 20 empresas do setor.
Xangai busca se tornar a capital global da robótica humanóide, estabelecendo metas ambiciosas para 2025: criar 10 marcas líderes de robôs, 100 cenários de aplicação e um setor avaliado em trilhões de yuans.
Na província de Zhejiang, conhecida como polo de startups de IA e robótica, cidades como Hangzhou estão investindo pesadamente no setor. Empresas como Unitree Robotics e Deep Robotics já estão desenvolvendo robôs humanóides altamente estáveis, enquanto a Game Science, criadora do jogo Black Myth: Wukong, também investe em inovação tecnológica.
Zhejiang pretende fabricar 20.000 robôs humanóides por ano até 2027, gerando 20 bilhões de yuans em receita direta e 50 bilhões de yuans em setores relacionados.
Outras regiões, como Jiangsu, Shandong e Anhui, também implementaram políticas para atrair investimentos e desenvolver a robótica humanóide.
O futuro da robótica humanóide na China
Os esforços governamentais refletem o modelo chinês de desenvolvimento industrial, que já impulsionou setores como veículos elétricos, energia solar e redes 5G. Empresas como BYD e Nio cresceram com subsídios e incentivos estatais, mas a expansão acelerada gerou excesso de capacidade, guerras de preços e tensões comerciais com outros países.
No caso da robótica humanóide, os subsídios governamentais estão ajudando empresas focadas em IA e computação avançada a desenvolver tecnologia de ponta. Ainda assim, resta saber como essa abordagem afetará a indústria no longo prazo.
Além de financiamento, o governo chinês está incentivando a criação de fundos de investimento para robótica. Na cidade de Ganzhou, um fundo de 1 bilhão de yuans foi criado em parceria com a Huangpujiang Capital, atraindo empresas de robôs biónicos como a EXdoll, especializada em “sexbots”.
Apesar dos avanços, especialistas alertam que nem todos os centros de inovação terão sucesso. Há disparidades entre cidades, com capital registrado variando de alguns milhões a bilhões de yuans, o que cria diferenças na capacidade de desenvolvimento e impacto real.
“Enquanto Pequim e Xangai estão na liderança, alguns centros são apenas simbólicos, enquanto outros têm investimentos sólidos”, explicou Lu Hancheng, diretor do Instituto Gaogong de Pesquisa em Robótica.
No longo prazo, os principais desafios serão a sustentabilidade financeira dos centros, a adaptação ao mercado e a criação de um ecossistema de inovação robusto.
A corrida pela robótica humanóide está apenas começando, e a China acredita que dominar essa tecnologia pode garantir uma posição de liderança global no século XXI.
Fonte: South China Morning Post, 6 de fevereiro de 2025.