Na medida em que nos aproximamos da realização da COP 30 – Conferência das Nações Unidas sobre Clima – vai se formando na sociedade brasileira um espaço de debate público sobre o significado e as expectativas em relação ao evento. Com exceção dos segmentos negacionistas minoritários, para os quais as alterações do clima não passam de invenção de esquerdistas comunistas, prevalece na população, nos meios de comunicação, no meio acadêmico e cultural, no judiciário, no parlamento, nos movimentos sociais, no setor empresarial e nas organizações não governamentais, uma clara percepção dos problemas e riscos associados ao clima e ao meio ambiente. Devemos aproveitar o processo preparatório da COP para ampliar esse debate, buscando dar o salto da percepção difusa para formas críticas de organização, solidariedade e luta em prol das transformações necessárias para reverter as causas e consequências da crise climática-ambiental, fazendo avançar projetos alternativos de desenvolvimento.
Para o campo democrático e popular, o caminho do enfrentamento da crise climática é inseparável da luta pela justiça social e por uma sociedade igualitária, digna, ética e próspera. Esse entendimento é essencial para superar os tempos de incertezas e ceticismos sobre o futuro da humanidade, contrapondo um projeto renovado e esperançoso de emancipação fundado na defesa da vida, do bem comum e da natureza resgatada como fundamento e fim da existência individual e coletiva.
A possibilidade histórica desse futuro desejado depende, antes de tudo, de imaginação e vontade, mas ao mesmo tempo de crítica ao existente e capacidade de propor o novo. Um novo aderente à realidade, necessidades e demandas do conjunto da sociedade, notadamente das amplas camadas populares excluídas do proclamado progresso do capitalismo. Para essas, a crise climática-ambiental ganha concretude nas lutas por trabalho, moradia, saúde, transporte, educação, alimento, terra e território, condições sem as quais nem o presente está assegurado e o futuro perde sentido.
Nessa perspectiva, a COP 30 se reveste de grande significado. Primeiro, porque é o espaço mais importante a nível global que busca alinhar as nações em torno do objetivo comum de enfrentar a mudança do clima e suas consequências, o maior imperativo da atualidade. Uma missão necessária mais do que nunca frente ao ascenso de governos negacionistas, como o de Donald Trump, nos EUA, e o crescimento da extrema direita em todas as partes. E segundo, porque a liderança da COP 30 pelo Brasil representa a possibilidade de retomar o tempo perdido desde a celebração do Acordo de Paris, de forma mais pragmática.
A possibilidade dessa retomada repousa na credibilidade e capacidade de negociação e construção de convergências do governo brasileiro, reforçada agora com a designação pelo Presidente Lula do embaixador André Aranha Corrêa do Lago, atual Secretário de Clima, Energia e Meio Ambiente do Ministério das Relações Exteriores, como Presidente da COP 30. O embaixador terá ao seu lado Ana Toni, Secretária Nacional de Mudança do Clima do Ministério do Meio Ambiente e Mudança do Clima (MMA), como diretora-executiva (CEO) da Conferência, também escolhida pelo Presidente Lula. Ambos desfrutam de reconhecida reputação no plano interno e a nível internacional, razão pela qual seus nomes foram celebrados pelos interlocutores das Nações Unidas.
Contudo, a maior força do Brasil na COP reside no compromisso e nos resultados que o país vem alcançando na implementação do Acordo de Paris, malgrado os quatro anos de retrocesso e negacionismo do governo bolsonarista. Não se trata apenas da retomada do protagonismo do governo no âmbito da agenda global, da reconstrução das instituições ambientais do país e da posta em marcha de um Plano de Transformação Ecológica. A força vem também da sociedade civil organizada, dos movimentos socioambientalistas e de uma vanguarda do setor empresarial que se opõe ao obscurantismo climático de parte do agronegócio e de outras frações reacionárias da sociedade brasileira.
Tanto no governo como entre os atores da sociedade comprometidos com os objetivos da COP existem contradições, e ainda não formamos um bloco democrático, progressista e hegemônico com unidade suficiente para sustentar um projeto de transformações alinhadas com os desafios da crise climática-ambiental; mas é inegável que o país avança nessa direção.
É esse contexto – de resgate da democracia, de conquistas ambientais e da busca de um projeto de país justo e sustentável – que credencia o Brasil para cumprir um papel histórico na condução da COP 30.
Isolados os sabotadores do clima e do meio ambiente e reconhecidas criticamente as mazelas históricas do colonialismo ainda vigentes, o país é um campo aberto de inovação em todas as áreas, megadiverso, multiétnico, e plural em modos de vida e projetos de sociedade. As formas de relação dos povos indígenas e das comunidades tradicionais com a natureza, as agriculturas sustentáveis praticadas em diferentes escalas, a produção de energias renováveis, a presença de movimentos populares que lutam por cidades verdes e acolhedoras, as universidades e os centros de pesquisa, as instituições consolidadas que não toleram retrocessos democráticos, a vitalidade cultural, tudo isso o país quer oferecer à COP e ao mundo como inspiração e abertura para um novo período de mobilização global pelo clima.
Tendo o que dizer e mostrar, o país também deve ter a clareza do legado que quer deixar. No atual conjuntura de baixa implementação do Acordo de Paris e de ameaças de retrocessos ainda maiores, talvez a maior ambição que se possa ter seja a manutenção do ímpeto e alinhamento das nações com a agenda climática. Para além dessa condição, não será possível uma transição justa sem que os países desenvolvidos façam a sua parte, principalmente aportado aos países em desenvolvimento os recursos necessários para as medidas de adaptação e mitigação das emissões.
Um resultado altamente desejável, considerando a importância da Amazônia continental para a agenda climática, seria a aprovação de um projeto unificado de desenvolvimento da Panamazônia, a ser executado de forma cooperada e soberana pelos países da OTCA, com participação e protagonismo da Coordenação das Organizações Indígenas da Bacia Amazônica (COICA) e demais movimentos sociais e populares da região.
Tanto a mobilização dos atores internos como a concertação entre os países representam um tremendo desafio para o embaixador André Lago e sua equipe. Uma jornada que demanda apoio e engajamento da sociedade e do poder público. De nossa parte, na condição de parlamentar do Partido dos Trabalhadores e coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, faremos o que estiver ao alcance para mobilizar e trazer as contribuições para a agenda da COP 30.
De imediato, além de propormos a criação de uma Comissão Externa de acompanhamento e participação na COP 30, iremos atualizar a pauta da Frente Parlamentar Ambientalista – que expressa demandas e propostas construídas em diálogo com a sociedade, promove a transição ecológica do país e contribui para o alcance das metas do Acordo de Paris e dos demais tratados e convenções relacionadas ao desenvolvimento sustentável. Ao mesmo tempo, nos mobilizarmos para evitar que prospere no Congresso Nacional a pauta de retrocessos ambientais e dos direitos humanos conquistados pela sociedade brasileira.
Como escreveu Gramsci, há momentos na história em que “o velho está morrendo e o novo não pode nascer; nesse interregno, uma grande variedade de sintomas mórbidos aparece”. As crises que assolam a humanidade indicam esse interregno histórico. Façamos da COP 30 um sopro para espantar o desalento, revigorar a esperança e fortalecer as lutas que emergem em todas as partes trazendo o novo.
*Nilto Tatto é deputado federal (PT-SP). É o presidente da Frente Parlamentar Ambientalista da Câmara dos Deputados e vice-líder da bancada do PT. É um ambientalista, administrador e político brasileiro, filiado ao Partido dos Trabalhadores desde o início dos anos 1980.