O seu regresso ao poder foi alimentado pela crença de muitos americanos de que o seu sistema político falhou
Às 14h24, sentado sozinho, Trump publicou um tweet atacando Mike Pence e inflamando o motim… Um minuto depois, o Serviço Secreto dos Estados Unidos foi forçado a evacuar Pence para um local seguro no Capitólio. Quando um assessor na Casa Branca soube disso, correu para a sala de jantar e informou Trump, que respondeu: ‘E daí?'”
Esse é um trecho do relatório recentemente divulgado pelo conselheiro especial Jack Smith sobre a invasão ao Capitólio dos EUA em 6 de janeiro de 2021. Muitos apoiadores de Donald Trump consideram irrelevante revisitar esse relatório justo quando ele assume seu segundo mandato. Eles argumentam que o povo americano já deu seu veredicto nas urnas em novembro. Os democratas fizeram campanha com a ideia de que Trump ameaça a democracia, mas ele venceu com uma vitória clara mesmo assim.
Isso levanta uma questão interessante: por que o argumento de que “a democracia está em perigo” não foi suficiente para vencer?
Uma teoria é que os eleitores simplesmente não se importam tanto. Uma pesquisa realizada antes da eleição presidencial mostrou que 76% dos americanos acreditavam que a democracia dos EUA estava em perigo. No entanto, apenas 7% consideraram a democracia a questão mais importante na eleição.
Embora a maioria dos republicanos e democratas concorde que a democracia dos EUA está sob ameaça, eles parecem ter visões muito diferentes sobre de onde vem esse perigo. Para os democratas, a ameaça é Trump; para os republicanos, é a censura de uma elite “woke”.
Esse desacordo destaca uma distinção importante mencionada pelo acadêmico indiano Pratap Bhanu Mehta, em uma palestra na London School of Economics. Mehta argumenta que existem duas compreensões concorrentes da palavra “democracia” na política contemporânea. A primeira vê a democracia como um método — uma forma de resolver disputas ou confrontos de valores. A segunda a vê como um meio de empoderar os cidadãos — a vontade do povo.
De acordo com Mehta, “a democracia precisa de valores e empoderamento”. Mas quando os eleitores se sentem frustrados, e não empoderados, pelo sistema político, eles podem abandonar valores liberais em favor de um líder forte que prometa agir. Uma versão iliberal da “democracia” então emerge, atacando em nome do povo os freios e contrapesos cruciais para a democracia liberal.
Nos EUA, isso parece estar acontecendo. Uma pesquisa recente mostrou que dois terços dos democratas e 80% dos republicanos acreditam que o governo serve a si mesmo e aos poderosos, em vez do povo comum. Grandes maiorias desconfiam tanto do Congresso quanto da mídia.
Trump ascendeu ao poder prometendo ser o líder forte que quebrará o poder da elite corrupta e “fará a América grande novamente”. Ele frequentemente afirmou que o sistema dos EUA é “manipulado” e controlado por um “Estado profundo” que atormenta os americanos comuns.
Em certos contextos, o governo de homens fortes e a democracia iliberal podem ser populares. No caso de El Salvador, por exemplo, o presidente Nayib Bukele suspendeu direitos básicos e prendeu 83 mil pessoas sob leis de emergência. Embora amplamente criticado por violações de direitos humanos, Bukele foi reeleito com vitória esmagadora, impulsionado pela queda nas taxas de criminalidade.
Nos próximos meses e anos, os opositores de Trump terão que articular, sem cessar, quais são as consequências de uma concentração de poder oligárquico e de um governo de homens fortes para os americanos comuns. A democracia liberal ainda pode prevalecer, mas somente se seus defensores vencerem a batalha política e protegerem a integridade do sistema eleitoral.
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