Após desentendimentos com aliados, pressão de Donald Trump e queda nas pesquisas, Justin Trudeau anuncia sua renúncia, abrindo caminho para disputas no futuro do Canadá
O primeiro-ministro canadense, Justin Trudeau, anunciou que planeja renunciar como líder do Partido Liberal, em meio a crescentes dissidências internas.
O anúncio, feito na segunda-feira, ocorre após intensas especulações sobre seu futuro político, alimentadas por desentendimentos públicos com antigos aliados, uma moção de desconfiança marcada para o final de janeiro e uma queda nos índices de popularidade.
“Todas as manhãs em que acordei como primeiro-ministro, fui inspirado pela resiliência, generosidade e determinação dos canadenses”, disse Trudeau em um discurso feito de sua residência no Rideau Cottage, em Ottawa.
Ao anunciar sua intenção de renunciar como líder do partido, ele destacou os desafios que os liberais enfrentam à medida que se aproximam de uma temporada eleitoral federal. Ele explicou que deixará o cargo assim que um substituto for escolhido.
“Este país merece uma escolha real na próxima eleição, e ficou claro para mim que, se estou lutando batalhas internas, não posso ser a melhor opção nessa eleição.”
Trudeau comunicou seu plano antes da reunião nacional do Partido Liberal, marcada para quarta-feira.
Quem é Trudeau?
Trudeau, de 53 anos, chegou ao poder em 2015 e liderou os liberais em mais duas vitórias eleitorais, em 2019 e 2021.
Filho mais velho do carismático ex-primeiro-ministro Pierre Trudeau, que faleceu em 2000, Justin Trudeau iniciou sua trajetória política após trabalhar como instrutor de snowboard, bartender, segurança e professor.
Ele foi eleito pela primeira vez para a Câmara dos Comuns em 2008, representando um bairro operário de Montreal.
Trudeau reformou o Senado com o objetivo de torná-lo menos político e mais transparente, acabando com as nomeações partidárias e estabelecendo um processo de seleção independente baseado no mérito.
Durante seus dois primeiros mandatos como primeiro-ministro, ele assinou um novo acordo comercial com os Estados Unidos, introduziu um imposto sobre o carbono para reduzir as emissões de gases de efeito estufa no Canadá e legalizou a cannabis.
Além disso, ele conduziu uma investigação pública sobre mulheres indígenas desaparecidas e assassinadas e aprovou uma legislação permitindo o suicídio assistido.
Pai de três filhos, Trudeau refletiu sobre algumas de suas realizações durante seu discurso na segunda-feira.
“Fomos eleitos em 2015 para lutar pela classe média, e é exatamente isso que fizemos ao longo dos últimos anos”, disse ele. “Reduzimos os impostos, aumentamos os benefícios para as famílias e garantimos que a economia estivesse funcionando para todos, e não apenas para alguns.”
Como chegamos aqui?
A popularidade de Trudeau tem diminuído nos últimos meses. Seu governo sobreviveu por pouco a uma série de votos de desconfiança, enquanto críticos pediam abertamente sua renúncia.
Ele havia prometido permanecer no cargo para liderar os liberais nas próximas eleições, mas enfrentou ainda mais pressão do presidente eleito dos Estados Unidos, Donald Trump, que ameaçou impor uma tarifa de 25% sobre produtos canadenses.
A vice-primeira-ministra Chrystia Freeland renunciou em dezembro após discordar de Trudeau sobre como responder ao aparente plano de Trump, marcando o primeiro sinal público de dissidência dentro de seu gabinete.
Em uma publicação na plataforma X, Freeland afirmou que estava deixando o cargo após Trudeau pedir sua renúncia como ministra das Finanças. Ela citou divergências com o primeiro-ministro, incluindo como lidar com a ameaça tarifária de Trump e o nacionalismo econômico “América em primeiro lugar”.
Desde então, um número crescente de parlamentares liberais, alarmados com pesquisas desfavoráveis, pediu publicamente que Trudeau deixasse o cargo.
Depois que Trudeau cedeu a esses apelos na segunda-feira, muitos, incluindo Freeland, aplaudiram sua decisão.
“Agradeço a Justin Trudeau por seus anos de serviço ao Canadá e aos canadenses. Desejo a ele e sua família tudo de melhor”, escreveu Freeland nas redes sociais.
O que acontece agora?
Trudeau solicitou que o Parlamento canadense passe por um período de suspensão, pausando suas sessões até 24 de março. A governadora-geral Mary Simon aprovou o pedido.
Para os liberais, a saída de Trudeau desencadeará uma disputa para nomear seu sucessor como líder do partido.
Essa corrida acontece em um momento crucial para o partido, que enfrenta eleições federais programadas para ocorrer antes de 20 de outubro. Pesquisas sugerem que, sob a liderança de Trudeau, o Partido Liberal perderia significativamente para os conservadores rivais se a votação ocorresse agora.
“Pretendo renunciar como líder do partido, como primeiro-ministro, depois que o partido escolher seu próximo líder por meio de um processo robusto, nacional e competitivo”, disse Trudeau.
Agora que Trudeau anunciou sua intenção de sair, os liberais precisarão organizar uma convenção especial de liderança para escolher seu próximo chefe.
O desafio para o partido é que essas convenções geralmente levam meses para serem organizadas e, se uma eleição ocorrer antes disso, os liberais estariam nas mãos de um primeiro-ministro não escolhido pelos membros.
Isso nunca aconteceu no Canadá. Os liberais poderiam tentar organizar uma convenção mais curta que o normal, mas isso poderia gerar protestos de candidatos que se sentissem em desvantagem.
Quem são os possíveis candidatos à liderança do Partido Liberal?
Entre os políticos amplamente apontados como possíveis candidatos para a liderança do Partido Liberal estão:
- Mark Carney: Economista e banqueiro, ex-governador do Banco do Canadá, que tem assessorado o governo liberal em questões econômicas.
- Francois-Philippe Champagne: Ministro da Inovação, Ciência e Indústria desde 2021, foi ministro das Relações Exteriores anteriormente.
- Chrystia Freeland: Deputada por University-Rosedale, Ontário, e ex-vice-primeira-ministra. Visto como uma alternativa confiável e estável a Trudeau, Freeland tem forte desempenho em pesquisas.
- Melanie Joly: Atual ministra das Relações Exteriores, tem se destacado no cenário internacional e seria encarregada de lidar com questões relacionadas a Trump.
- Dominic LeBlanc: Considerado um aliado próximo de Trudeau, foi nomeado ministro das Finanças após a saída de Freeland.
Qual o papel de Trump nisso tudo?
O presidente eleito dos EUA, Donald Trump, ameaçou impor tarifas abrangentes a seus três maiores parceiros comerciais – Canadá, México e China – assim que assumir o cargo em 20 de janeiro.
Trump sugeriu que Canadá e México têm o “poder absoluto” para resolver o problema, mas, até que isso aconteça, “devem pagar um preço muito alto”.
Trudeau viajou à Flórida em novembro para se encontrar com Trump em sua propriedade Mar-a-Lago, na tentativa de evitar uma guerra comercial.
No entanto, Trump continuou a atacar Trudeau nas redes sociais, chamando-o repetidamente de “governador” do Canadá e sugerindo que o país se tornasse o 51º estado dos EUA.
Vários aliados de Trump, incluindo o bilionário e empreendedor de tecnologia Elon Musk, também têm atacado Trudeau em suas plataformas.
Musk, por exemplo, comemorou a notícia da renúncia de Trudeau com uma publicação em sua rede social X: “2025 está parecendo bom”.
Trump, por sua vez, celebrou o anúncio com uma publicação própria, na qual repetiu seu apelo para que o Canadá se torne o “51º estado” dos EUA.
“Se o Canadá se fundisse com os EUA, não haveria tarifas, os impostos cairiam drasticamente e eles estariam TOTALMENTE SEGUROS contra a ameaça dos navios russos e chineses que os cercam constantemente”, escreveu Trump. “Juntos, que grande nação seria!!!”
Quem é Pierre Poilievre?
Pierre Poilievre é amplamente visto como o provável próximo primeiro-ministro do Canadá após as próximas eleições.
Nos últimos dias, Trudeau tem estado 20 pontos atrás de Poilievre, líder do Partido Conservador, em pesquisas de opinião pública.
Poilievre é conhecido por seu estilo contundente e por não medir palavras. Ele já chamou a prefeita de Montreal, Valerie Plante, de “incompetente”, o líder do Novo Partido Democrático, Jagmeet Singh, de “traidor” e Trudeau de “fraco” e “maluco”.
O último insulto levou à sua expulsão temporária da Câmara dos Comuns por uso de “linguagem não parlamentar” em abril. Embora os debates no Parlamento canadense sejam geralmente moderados, têm se tornado mais tensos e animados recentemente.
Assim como Trump, Poilievre gosta de criar slogans curtos e impactantes para transmitir suas mensagens políticas.
Ele já pediu para “abolir o imposto”, referindo-se ao imposto federal sobre o carbono, e cunhou o termo “Justinflation” – uma junção do nome de Trudeau e da palavra inflação – para criticar as políticas econômicas do primeiro-ministro.
Semelhante a Trump, Poilievre também se descreve como uma vítima de maus-tratos pelas elites e pela mídia tradicional.
Ele também enfrenta baixa popularidade entre as mulheres, outra semelhança com Trump.
Em 2022, quando disputou a liderança do Partido Conservador, Poilievre, que tem 20 anos de experiência na política, foi visto como um outsider, mas atraiu grandes multidões em seus comícios.
Nascido em Calgary, Poilievre foi criado por uma família adotiva. Ele desenvolveu paixão pela política desde cedo e ganhou um prêmio durante seus estudos universitários por um ensaio sobre o que faria se fosse primeiro-ministro.
Com pesquisas indicando que ele provavelmente vencerá as próximas eleições, Poilievre prometeu colocar o “Canadá em primeiro lugar!” – um slogan semelhante ao “América em primeiro lugar!” de Trump.
Na segunda-feira, ele revisitou esse slogan em um vídeo publicado nas redes sociais para celebrar a decisão de Trudeau de renunciar.
“Canadá em primeiro lugar, Canadá em último, Canadá sempre”, disse Poilievre, conclamando os eleitores a se unirem em torno dele. “Vamos trazer isso para casa.”
Com informações de Al Jazeera*