O Brasil continua vivendo um momento dramaticamente difícil e complexo, pois estamos ficando para trás, a uma velocidade vertiginosa, em setores estratégicos na competição por um lugar melhor ao sol na geopolítica dos próximos anos.
Estamos cada vez mais atrasados em mobilidade urbana, tecnologia da informação, inteligência artificial, desenvolvimento de satélites e, de forma geral, em quase todas as áreas de ponta da pesquisa científica.
A educação – básica, média, superior – no país continua estagnada, ou mesmo em franco retrocesso, se a compararmos com o que os países mais desenvolvidos vem alcançando.
O softpower do Brasil é uma tristeza. As exceções, como o filme Ainda estamos aqui, que vem concorrendo a importantes prêmios, apenas confirmam a regra. A participação do Brasil na luta cultural e geopolítica em curso no mundo é quase insignificante. Quase não temos portais em idiomas estrageiros, ou pelo menos nada de impacto, e nem o governo e nem a iniciativa privada parecem preocupados com essa deficiência, que eventualmente pode ter consequências muito ruins para o futuro do Brasil.
Começo minha análise com essas asserções pessimistas, até mesmo um pouco exageradas, para que o internauta não confunda o otimismo dos próximos parágrafos com uma visão pouco realista sobre os imensos desafios que o Brasil, e a maior parte dos países do Sul Global, ainda precisam superar.
Sim, porque termino o ano bastante otimista com as conquistas de 2024 e com as perspectivas que se delineam para o ano que vem.
Mesmo considerando todos os problemas mencionados anteriormente, o ano termina com excelentes notícias para o Brasil e as perspectivas para os próximos anos são animadoras.
Se até o Banco Central, a instituição mais pessimista do país, reajustou para cima a estimativa do PIB de 2024 para 3,5%, é porque os fundamentos econômicos permanecem sólidos.
A inflação é particularmente perigosa para o governo em função das características do nosso regime político, ainda muito vulnerável a manobras parlamentares e midiáticas de cunho golpista. Um governo cuja aprovação (e, portanto, estabilidade política) é ancorada sobretudo em famílias de baixa renda, tem muito menos margem para equívocos.
Aliás, esse parece ser o maior desafio do governo Lula. Ele não pode errar.
Só que isso é virtualmente impossível. Um governo humano, tocado por humanos, necessariamente erra, de maneira que a única maneira realmente objetiva de manter a estabilidade política é investir numa gestão responsiva, inteligente e democrática, capaz de detectar rapidamente os erros e corrigi-los em tempo.
Neste final de ano, as principais pesquisas de avaliação foram boas para o governo Lula, revelando estabilidade num momento complicado, por causa da inflação de alimentos. Nada indica, porém, que este seja um problema estrutural, que não deva ser revertido nos próximos meses, até mesmo porque se espera um novo recorde na produção agropecuária de 2025.
Na média das pesquisas, Lula manteve uma avaliação estável. As primeiras sondagens eleitorais para 2026, por sua vez, mostram liderança razoável de Lula e mesmo de Haddad, diante dos principais adversários.
Entretanto, uma das grandes conquistas democráticas de 2024 foi o indiciamento do ex-presidente Jair Bolsonaro por tentativa de golpe, e de seus principais assessores, vários deles oficiais graduados das Forças Armadas. Um deles, o general Braga Netto, foi preso. Essas notícias parecem, finalmente, estar pesando na avaliação que a população faz do presidente Bolsonaro.
As comparações que o bolsonarismo provavelmente gostaria de fazer com Trump não fazem sentido, porque a quantidade de crimes, provas, delações, envolvendo a cúpula do governo Bolsonaro é muito superior à do americano. Não se encontrou nenhum indício, por exemplo, de que ajudantes de Trump tenham conspirado para assassinar o presidente Joe Biden, seu vice e algum ministro importante da corte suprema americana.
Lula também encerra o ano com importantes vitórias legislativas, como a reforma tributária e o corte de gastos, que prometem estabilizar as contas públicas nos dois anos finais de Lula, abrindo caminho para queda nos juros e mais investimentos produtivos, públicos e privados.
Quanto ao corte de gastos, ele produziu alguns ruidos dentro da base política do governo, inclusive com alguns deputados petistas rebelando-se contra a orientação do partido e votando contra o governo. Isso não é bom para a administração, mas ao mesmo tempo reflete um desgaste natural da direção partidária, hoje em final de mandato.
Com a chegada de uma nova direção, provavelmente sob a liderança de Edinho Silva, espera-se um alinhamento maior entre o governo e o partido dos trabalhadores, o que será naturalmente fundamental para a construção de uma estratégia de vitória em 2026.
Apesar das previsões ainda modestas sobre o crescimento econômico em 2025, de pouco mais de 2%, segundo o Banco Central, tenho impressão de que veremos, mais uma vez, o mercado se “surpreendendo” com a mesma frequência com que vimos este ano.
Vários fatores sinalizam um ano melhor. À diferença de 2024, quando vimos a extrema direita superando o trauma da derrota em 2022 e começando a se reorganizar para combater o governo, ela começará o novo ano com a perspectiva de prisão de seu principal líder, e ainda presa a um discurso irritantemente vitimista em defesa dos terroristas do 8 de janeiro.
Mas há também fatores internacionais que podem favorecer o Brasil.
A estreia de Trump na presidência, ironicamente, ajudará a unificar novamente a mesma frente ampla que deu vitoria a Lula, pois sua vulgaridade e truculência, ao mesmo tempo que despertarão aclamações subalternas da escória reacionária no Brasil, rasgando sua fantasia de “patriotas”, tende a despertar repúdio na maior parte da opinião pública braisleira.
O apoio acrítico, desumano e despolitizado da extrema direita brasileira ao genocídio em Israel, tende a isolá-la domesticamente, na medida em que, a cada dia, acumulam-se mais provas do que acontece por lá.
Quanto a algumas críticas despolitizadas de setores nefelibatas da ultra-esquerda, tentando pespegar em Lula e em seu ministro da Fazenda, Fernando Haddad, a pecha de neoliberais e inimigos do povo, elas também ajudam o governo, pois estabelecem os limites conceituais e ideológicos necessários para a administração construir novamente um programa amplo o suficiente para ser apoiado por setores progressistas da centro-direita, do centro e da esquerda.
As eleições de 2026 serão, em grande parte, decididas em 2025, ou seja, nos próximos 12 meses. Os índices econômicos e sociais são favoráveis, por enquanto. Pondo de lado a barulheira panfletária com que os operadores políticos e midiáticos, de todos os espectros, tratam a dinâmica do legislativo federal, a verdade é que o governo teve raros problemas sérios com o congresso nacional. Ao cabo de dois anos, Lula ganhou todas as batalhas realmente importantes e estratégicas no legislativo, culminando agora com a aprovação da reforma tributária e o corte de gastos.
O próximo presidente da Câmara, que deverá ser o deputado Hugo Motta (Republicanos – PB), até por ser um parlamentar menos experiente, e mais fraco politicamente, tende a ser menos agressivo e perigoso do que Lira. De qualquer forma, o governo já aprovou as reformas mais difíceis nesta primeira metade de seu mandato, como a tributária. Nessa segunda metade, o governo poderá investir mais em reformas progressistas, como a do imposto de renda, que será uma luta onde ganhará mesmo perdendo, pois a direita, caso se oponha a maior isenção à classe média, terá de arcar com esse ônus.
Há sinais de que 2025 poderá ser um ano relativamente calmo, portanto, o que será vantajoso para o governo e para a economia. O perigo disso justamente é fazer o governo baixar a guarda, sem investir na politização de sua base social, sem apoiar os setores progressistas que fazem a luta política contra as forças da reação, e sem oferecer um sonho de prosperidade e desenvolvimento capaz de mobilizar a classe média.
Encerro lhes desejando um Feliz Natal e próspero Novo, e indicando um poema de Li Po, considerado um dos maiores poetas chineses de todos os tempos.
Bebendo Sozinho
Levo meu jarro de vinho entre as flores
para beber sozinho, sem amigos.
Levanto minha taça para atrair a lua.
Ela, e minha sombra, somos três.
Mas a lua não bebe,
e minha sombra me segue em silêncio.
Viajarei com lua e sombra,
feliz até o fim da primavera.
Quando eu canto, a lua dança.
Quando eu danço, minha sombra dança também.
Compartilhamos as alegrias da vida quando sóbrios.
Bêbados, cada um segue seu caminho.
Amigos constantes, embora vagando,
nos encontraremos novamente entre as estrelas da Via Láctea.
Por Li Po (China, 761 – 762 AD)