O papel dos EUA no caos do mundo

Harris e Joe Biden juntos em campanha / ROBERTO SCHMIDT / AFP

“Se um líder imaturo lançar o mundo no caos, o mundo saberá a quem culpar.” Essa frase de Xi Jinping para Barack Obama em 2016, mencionada por Ben Rhodes, ex-Conselheiro Adjunto de Segurança Nacional de Obama, é lembrada por Arnaud Bertrand, empresário francês e analista de geopolítica especializado em China, numa análise sobre o papel dos EUA no atual momento da história mundial.

No texto, Bertrand analisa as críticas de Rhodes à política externa dos EUA, destacando que tanto Biden quanto Trump representam visões nostálgicas de uma ordem mundial que não existe mais. A abordagem de Biden para restaurar uma “ordem liberal baseada em regras” liderada pelos EUA é vista como inadequada para o mundo multipolar atual.

Bertrand contrasta a atuação da China e dos EUA na APEC: enquanto a China investe bilhões em infraestrutura, os EUA oferecem projetos menores, expondo uma visão antiquada de relações internacionais. Ele aponta que o Sul Global não está “se alinhando à China contra o Ocidente”, mas buscando estabilidade e desenvolvimento em vez de condescendência e caos.

Segundo Bertrand, o principal desafio dos EUA é aceitar o mundo multipolar e adotar uma postura de coexistência, reconhecendo-se como uma entre várias civilizações, em vez de insistir em modelos universais ou competir diretamente com a China.

Íntegra do comentário de Bertrand:

Este vídeo é imperdível [Bertrand se refere ao vídeo ao final, legendado em português pelo Cafezinho]. Raramente concordo com @brhodes, mas aqui ele está 100% certo.

Ele afirma que será “sempre assombrado” por um comentário de Xi Jinping a Obama em 2016, ao se referir a Trump: “Se um líder imaturo lançar o mundo no caos, o mundo saberá a quem culpar”.

Por que isso o assombra? Porque, em suas palavras, “estamos lidando com isso desde então”.

Rhodes ironiza a política externa de Biden, que tenta restaurar uma “ordem liberal baseada em regras com os EUA no centro” (ou seja, a primazia dos EUA), classificando-a como algo “projetado para um mundo que não existe mais”. Lembrando que Rhodes foi Conselheiro Adjunto de Segurança Nacional de Obama, o que torna essa crítica ainda mais significativa.

Ele ilustra isso com o contraste entre as atuações da China e dos EUA na APEC, no Peru: de um lado, a China investindo em um porto de bilhões de dólares; de outro, Blinken oferecendo “alguns milhões em motores a diesel”. Essa comparação reflete duas visões de mundo diferentes: uma presa ao passado paternalista de “ajuda” em pequena escala, e outra focada em parcerias sérias de desenvolvimento.

Na verdade, ao refletir sobre isso, percebe-se que Biden e Trump são dois lados da mesma moeda em política externa. Suas plataformas – “Make America Great Again” e “America is Back” – representam diferentes versões de nostalgia por um mundo que estruturalmente não pode mais existir. Estamos agora em um mundo multipolar. Como Rhodes destaca, isso deixa os EUA oscilando erraticamente entre duas visões obsoletas, enquanto o resto do mundo segue em frente.

O Sul Global não está “se alinhando à China contra o Ocidente”, mas optando por previsibilidade e desenvolvimento, em vez de caos e condescendência.

Rhodes está certo ao dizer que “há uma oportunidade em reconstruir” a política externa dos EUA. Na verdade, não há outra opção: é preciso lidar com o mundo como ele é. Essa “oportunidade” está em adaptar-se, em vez de insistir em negar a realidade e lutar contra moinhos de vento.

E o que significa adaptar-se? O aspecto mais importante é entender como uma civilização que se enxerga como universal há séculos pode aceitar ser apenas uma entre muitas, que é o que o mundo multipolar representa. Como ser “ocidental” sem insistir que todos os outros sigam seu modelo? Como coexistir com civilizações não ocidentais após tanto tempo tentando dominar o mundo?

Os EUA não precisam de uma nova estratégia para “competir com a China”. Precisam repensar fundamentalmente seu papel em um mundo onde são uma civilização entre várias. Isso implica abandonar tanto o nacionalismo agressivo de Trump quanto o liberalismo missionário de Biden, em favor de algo mais humilde e realista.

Esse é o verdadeiro desafio existencial enfrentado pelos EUA e pelo Ocidente em geral. Não é a “ameaça da China” ou o “autoritarismo”, como sempre ouvimos, mas se podemos aceitar a coexistência genuína com outras civilizações – não como alunos a serem ensinados ou ameaças a serem eliminadas, mas como potências iguais, seguindo seus próprios caminhos.

Redação:
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