Donald Trump intensificará o excepcionalismo americano, ampliando a liderança dos EUA e a distância em relação à estagnada Europa
O mercado de ações dos EUA reagiu às eleições com uma corrida otimista. Compartilho desse entusiasmo. Em quase todos os aspectos, a combinação de políticas emergentes favorece as ações americanas — desregulamentação, cortes de impostos e custos de energia mais baixos. O que há para não gostar? Além disso, essas medidas estão sendo implementadas em um contexto de taxas de juros em queda.
No entanto, há algumas ressalvas importantes a essa perspectiva otimista:
- Impacto inflacionário de tarifas e controle de imigração: Essas medidas são inflacionárias, o que deve limitar o ciclo de cortes nas taxas de juros. Antes das eleições, os mercados já ajustaram para cima a estimativa do nível final das taxas de juros, de 3,4% para 3,75%.
- Gastos financiados por déficit: Donald Trump, em seu segundo mandato, parece disposto a assumir mais riscos, promovendo gastos baseados em déficit, em algo semelhante à Reaganomics. Isso deve resultar em uma curva de rendimentos mais inclinada, o que traz preocupações de médio prazo.
- Força do dólar: A elevação das taxas de juros deve sustentar um dólar forte, o que impactará negativamente os lucros e receitas internacionais. No entanto, receitas estrangeiras representam apenas 28% do S&P 500 e 21% do Russell 2000, segundo o Goldman Sachs.
- Avaliações de mercado elevadas: O mercado de ações americano está caro, com múltiplos preço-lucro ajustados ciclicamente em níveis próximos aos picos de 20 anos. Essa avaliação premium reflete a confiança do mercado no “excepcionalismo americano”, com os EUA liderando indústrias do futuro, como inteligência artificial. Desde 2008, a economia dos EUA tem se distanciado das demais economias desenvolvidas, especialmente da Europa.
A vitória de Trump tende a amplificar essa divergência. Apesar de algumas economias, como Índia, Japão e certos mercados emergentes, apresentarem atrativos alternativos, os EUA continuam a liderar pela adesão à economia de livre mercado e pela promoção da inovação. A agenda de Trump reforçará essa tendência, ampliando ainda mais a disparidade com a Europa.
Desde 2009, o PIB per capita dos EUA quase dobrou, atingindo US$ 86.600, enquanto o da zona do euro cresceu apenas 17%, chegando a cerca de metade do nível americano, segundo o FMI. A UE optou por regulamentação em detrimento da inovação, resultando na ausência de lideranças em IA e tecnologia. Além disso, a adesão unilateral às metas de emissões líquidas zero está exportando a produção de energia para os EUA e Oriente Médio, e a produção industrial para os EUA e China.
Mario Draghi apontou essas questões em seu relatório recente sobre competitividade da UE, mas suas críticas foram atenuadas, especialmente em relação à política energética e às metas de zero líquido.
O Reino Unido, que poderia ter se desvinculado desse cenário por meio do Brexit, infelizmente seguiu um caminho similar ao da UE. Adotou prazos agressivos para alcançar o zero líquido e possui um governo com altos impostos e gastos. Trump indicou disposição para um acordo comercial separado com o Reino Unido, o que seria uma oportunidade estratégica. A pergunta é: com qual economia queremos nos alinhar nos próximos 50 anos? Com a locomotiva econômica ou com o museu do mundo? A resposta é clara. O Reino Unido deve buscar integrar-se ao modelo econômico superior dos EUA. O primeiro-ministro Sir Keir Starmer precisará priorizar o país acima de ideologias para alcançar esse objetivo, uma tarefa desafiadora.
Por outro lado, a Europa enfrentará desafios ainda maiores com as tarifas de Trump, que devem aumentar a pressão sobre a economia da zona do euro. Com apenas um crescimento modesto do PIB esperado para 2025, déficits crescentes e instabilidade política se tornam inevitáveis. Apesar das avaliações relativamente baixas, os mercados de ações europeus devem continuar a ter desempenho inferior. Embora haja empresas bem geridas na Europa, elas estão em jurisdições que enfrentarão impostos cada vez mais altos, afetando sua competitividade.
As oportunidades para investidores na Europa se concentrarão principalmente em private equity, aproveitando negócios bem administrados em meio à deterioração da região outrora próspera.
Por Paulo Marshall, presidente da Marshall Wace, uma gestora de investimentos multiestratégia, para o Financial Times*
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