Revista americana traz detalhes da reação da Casa Branca à tentativa de golpe por Bolsonaro

A resposta do governo Biden foi rápida e decisiva, com uma campanha de pressão direcionada às Forças Armadas brasileiras, articulada por diversas agências e lideranças, incluindo o Senado dos EUA e o Pentágono / Anna Moneymaker / Getty Images

Evidências reveladas pela Foreign Policy sugerem que Biden impediu que generais pró-Bolsonaro dessem um golpe


Duas semanas atrás, a Polícia Federal do Brasil desencadeou uma operação de alto perfil contra o ex-presidente Jair Bolsonaro e mais de dez de seus aliados próximos, incluindo ex-altos funcionários, como o ex-chefe da Marinha do Brasil, o conselheiro de segurança nacional, e os ministros da Defesa e da Justiça.

As autoridades brasileiras alegam que o grupo conspirou para planejar um golpe após a derrota eleitoral de Bolsonaro em 2022.

Documentos judiciais revelam que Bolsonaro teria editado pessoalmente um decreto para anular os resultados das eleições e prender um ministro da Suprema Corte, supostamente com o apoio de um general leal disposto a fornecer as tropas necessárias para a execução do golpe.

Além disso, Bolsonaro teria pressionado seu gabinete a compartilhar mais desinformação sobre supostas falhas no sistema eleitoral brasileiro. Atualmente, o ex-presidente é obrigado a entregar seu passaporte às autoridades e pode enfrentar penas de décadas na prisão.

Essas novas revelações indicam que a conspiração de golpe estava mais avançada do que se imaginava. Ainda assim, a trama não se concretizou – em grande parte devido a divisões internas nas Forças Armadas brasileiras e à pressão diplomática dos Estados Unidos, liderada pelo presidente Joe Biden.

Embora Biden seja frequentemente criticado por sua retórica em defesa da democracia, seus esforços para garantir uma transição pacífica no Brasil após a eleição de outubro de 2022 revelam um compromisso estratégico, ainda que pouco reconhecido, com a preservação democrática na América Latina.

Durante seus últimos meses de mandato, Bolsonaro recorreu frequentemente a discursos que sugeriam a possibilidade de um “cenário de 6 de janeiro” no Brasil, onde ele, assim como seu aliado Donald Trump nos Estados Unidos, rejeitaria os resultados eleitorais em um movimento violento e desorganizado.

De fato, em 8 de janeiro de 2023, apoiadores de Bolsonaro atacaram prédios governamentais em Brasília, uma semana após a posse de Luiz Inácio Lula da Silva como presidente.

O judiciário brasileiro rapidamente processou os envolvidos, e as primeiras sentenças, aplicadas em setembro, variam de 14 anos de prisão para réus considerados culpados. Até hoje, 73 pessoas continuam presas enquanto mais de 1.350 aguardam julgamento.

Bolsonaro, desde a campanha de 2022, adotou uma retórica que buscava minar a confiança nas urnas eletrônicas brasileiras, alegando fraudes sem evidências. Aproximadamente 25% dos eleitores do ex-presidente declararam que ele não deveria aceitar o resultado caso perdesse.

Em junho, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) proibiu Bolsonaro de ocupar qualquer cargo público por oito anos, devido à disseminação de informações falsas sobre o sistema de votação.

O presidente brasileiro Jair Bolsonaro e o presidente dos EUA Joe Biden conversam na nona Cúpula das Américas em Los Angeles, Califórnia, em 10 de junho de 2022 / CHANDAN KHANNA / AFP via Getty Images

Ao contrário da transição de poder relativamente rápida nos Estados Unidos em 2021, o Brasil enfrentou uma ameaça maior.

Diversos generais brasileiros aderiram às teorias conspiratórias de Bolsonaro, defendendo que as Forças Armadas deveriam supervisionar os resultados eleitorais, o que seria uma violação direta da lei brasileira.

Essa postura tinha motivação política e econômica, já que milhares de oficiais nomeados por Bolsonaro para cargos no governo poderiam perder suas posições com a vitória de Lula.

O então chefe da Marinha, Almir Garnier Santos, e o ministro da Defesa, Paulo Sérgio Nogueira, eram apoiadores de Bolsonaro, questionando publicamente a confiabilidade das eleições e referindo-se ao TSE como “inimigo”.

Contudo, nem todos os generais se alinhavam à retórica golpista. O vice-presidente de Bolsonaro, Hamilton Mourão, alertou discretamente os Estados Unidos sobre a ameaça, expressando suas preocupações com o clima antidemocrático crescente entre os militares brasileiros.

Mourão chegou a discutir a situação com Tom Shannon, ex-embaixador dos EUA no Brasil.

A resposta do governo Biden foi rápida e decisiva, com uma campanha de pressão direcionada às Forças Armadas brasileiras, articulada por diversas agências e lideranças, incluindo o Senado dos EUA e o Pentágono.

O secretário de Defesa, Lloyd Austin, foi designado como o emissário de Biden para dialogar com os militares brasileiros, mantendo conversas que reforçaram a importância da estabilidade democrática no Brasil.

Pouco antes da eleição, o Senado dos EUA aprovou uma resolução pedindo um processo eleitoral livre e pacífico no Brasil, enquanto Biden e outros líderes ocidentais parabenizaram Lula rapidamente após o anúncio dos resultados, enviando um sinal claro contra qualquer intervenção antidemocrática.

Mourão, em uma publicação no X (anteriormente Twitter), afirmou que um golpe militar teria colocado o Brasil em uma “situação difícil internacionalmente”, destacando a influência da pressão externa para impedir a ruptura democrática.

Essa colaboração incluiu apoio logístico, como a assistência para solucionar a escassez global de chips nas urnas eletrônicas brasileiras, garantindo um processo eleitoral sem contratempos que Bolsonaro poderia explorar para alimentar teorias de fraude.

Esse esforço do governo Biden foi arriscado, dado o histórico de interferência dos EUA na América Latina, que ainda ressoa fortemente na região.

Desde o apoio ao golpe militar de 1964 até as recentes denúncias de espionagem, o envolvimento dos EUA levanta suspeitas.

No entanto, apesar das críticas, a intervenção diplomática de 2022 foi crucial para impedir um golpe de estado que teria provocado uma crise democrática de proporções globais.

A pressão internacional não foi a única força que segurou o golpe; no Brasil, a mobilização de setores pró-democracia, como o TSE, a escolha de Lula em incluir Geraldo Alckmin como vice, e o apoio de figuras históricas como Marina Silva e Fernando Henrique Cardoso foram essenciais.

Contudo, o papel dos Estados Unidos foi particularmente decisivo em um contexto onde Lula, com uma histórica relação conflituosa com o país, era o grande beneficiado.

Em retrospecto, a estratégia de Biden no Brasil permanece um raro sucesso de política externa em um período de instabilidade democrática global.

Um golpe militar teria abalado a democracia em toda a América Latina, mas a colaboração entre Washington e Brasília fortaleceu o processo eleitoral e impediu o que poderia ter sido uma das maiores ameaças ao sistema democrático no Brasil desde o fim da ditadura.

Com a aproximação da eleição presidencial dos EUA, possivelmente entre Biden e Trump novamente, o resultado será importante não apenas para os americanos, mas para democracias frágeis ao redor do mundo.

A continuidade ou mudança na Casa Branca pode ter impacto significativo em futuras crises, como a enfrentada pelo Brasil, onde a pressão diplomática foi um fator-chave para garantir uma transição pacífica.

Por Oliver Stuenkel, para o Foreign Policy. Ele é professor associado de relações internacionais na Fundação Getúlio Vargas em São Paulo e pesquisador visitante no Carnegie Endowment for International Peace em Washington, DC;

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