Enquanto Harris e Trump se enfrentam, a política de Biden para o Oriente Médio – e especialmente para Israel – é uma questão eleitoral com implicações pouco claras. Todos, exceto o atual governo, previram isso
Pela 11ª vez em 12 meses, o Secretário de Estado dos EUA, Antony Blinken, visitou Israel e outros países da região para pressionar, até mesmo implorar, que aceitem um cessar-fogo. Blinken tem boas intenções, e a política dos EUA, fundamentada no plano “pós-guerra Gaza” do presidente Joe Biden, de dezembro passado, é sensata e viável.
No entanto, no Oriente Médio – e, em particular, com Benjamin Netanyahu – boas intenções, políticas racionais e interesses americanos nem sempre são suficientes.
De dezembro a abril ou maio, todas as tentativas de Washington fracassaram.
Foram esforços para obter um cessar-fogo e um acordo de reféns, mudar a condução da guerra por Israel, influenciar o uso de munições de alto rendimento, garantir mais ajuda humanitária para Gaza e extrair de Israel algum tipo de cenário pós-guerra.
Durante esse período, Netanyahu procurou ativamente um confronto aberto com a administração Biden.
Ouvimos de tudo, desde “Estão nos impondo um Estado palestino”, o que nunca foi cogitado e, de qualquer forma, é inviável, até “Não estamos recebendo toda a ajuda militar necessária”, apesar dos EUA terem fornecido US$ 14,3 bilhões e diversos complementos.
Desde abril, com a intensificação da guerra no Líbano e o início do perigoso jogo de mísseis entre Israel e Irã, uma nova dimensão surgiu: a eleição presidencial dos EUA.
Não é segredo que Netanyahu gostaria de ver os EUA envolvidos em um conflito com o Irã, transformando o desastre de 7 de outubro de 2023, ocorrido sob sua responsabilidade, em um triunfo estratégico.
Quando isso não aconteceu e a eleição americana se aproximou, Netanyahu recorreu a uma velha tática: intervir nas eleições dos EUA.
Nos últimos meses, ele manteve a guerra em Gaza sem objetivos militares claros e intensificou os conflitos nos outros principais teatros, contra o Hezbollah e o Irã.
Seu raciocínio pode ser legítimo, mas também há outra motivação: manter a guerra como uma questão ativa, rejeitar qualquer cessar-fogo ou iniciativa diplomática e esperar que essa abordagem atrapalhe a vice-presidente Kamala Harris e beneficie Donald Trump, sua “alma gêmea” em Mar-a-Lago.
Será que isso funcionará? É duvidoso, mas não impossível. É improvável que o conflito no Oriente Médio, em particular Israel, tenha um impacto significativo nas eleições dos EUA.
Dos 161,5 milhões de eleitores elegíveis, poucos se importam com política externa. Os americanos votam baseados em temas como economia, saúde, aborto, imigração, lei e ordem e democracia, não no Oriente Médio ou Israel.
Raramente uma eleição presidencial americana é dominada por política externa. Exceções foram 1968, com a Guerra do Vietnã em expansão, e 2004, em meio aos efeitos do 11 de setembro e das invasões no Afeganistão e Iraque. Nessas ocasiões, os EUA estavam profundamente envolvidos em conflitos. Hoje, no Oriente Médio, esse não é o caso – pelo menos, ainda não.
Ainda assim, o Oriente Médio e Israel são questões polêmicas e importantes para muitos eleitores mais jovens.
Milhões de outros americanos assistiram a cenas de guerra violenta na TV. Mesmo que o impacto seja limitado, a eleição pode ser decidida por essas margens.
Em uma pesquisa de setembro, o Data For Progress, um think tank progressista, perguntou aos eleitores de 18 a 29 anos: “Você apoia ou se opõe à imposição de um embargo de armas a Israel pelos EUA?”.
O resultado – 55% apoiam e 29% se opõem – reflete mudanças na opinião pública americana, especialmente entre jovens, desde o ataque do Hamas em outubro de 2023 e a subsequente guerra em Gaza.
Entre os republicanos mais jovens, 52% apoiam um embargo de armas, enquanto 36% se opõem. Essa tendência reflete mudanças na visão sobre Israel, com apoio crescente a restrições. Entre os jovens democratas, o apoio ao embargo é de 62%, contra 21% que se opõem.
Essas pesquisas não significam que eleitores descontentes com a política Biden-Harris em relação a Israel vão deixar de votar em Harris, mas indicam que a política para o Oriente Médio – e Israel, em particular – é uma questão eleitoral de impacto incerto.
Meses após o início da guerra, a destruição de Gaza ficou evidente, com imagens de ruína e milhares de civis mortos ocupando TVs e redes sociais. A questão se tornou especialmente relevante em Michigan, um estado decisivo.
Nos EUA, há cerca de 3,5 milhões de árabes americanos, muitos cristãos ou muçulmanos de origem palestina, libanesa ou egípcia. A área metropolitana de Detroit abriga mais de 400.000, enquanto cidades como Nova York e Los Angeles, com grandes populações árabes, ficam em estados onde seu impacto eleitoral é menor.
Em Michigan, onde a disputa é acirrada, o voto árabe-americano pode fazer diferença.
Em 2016, Trump venceu Michigan por uma margem de apenas 0,2%, ou 10.700 votos, enquanto Biden recuperou o estado em 2020 com 2,8% de vantagem. Se árabes americanos em Dearborn decidirem não votar em Harris, Michigan pode ser perdido.
Uma pesquisa Arab News/YouGov mostrou Trump à frente de Harris entre árabes-americanos, com 45% a 43%. Em 2020, o voto árabe-americano favoreceu Biden com 64% contra 35%, alcançando 70% em Michigan.
Harris pode superar essa diferença com uma forte participação em Detroit, mas os sinais são alarmantes, dada a importância de Michigan para a vitória eleitoral.
Com a guerra em andamento, a destruição em Gaza piora, e o apoio militar e diplomático de Biden-Harris a Israel segue firme. A questão se tornou mais ampla, passando de um foco em Michigan para um movimento entre jovens, visto nos campi universitários e refletido em pesquisas.
Faltando 11 dias para a eleição, os três conflitos principais estão entrelaçados. Nem Harris nem Trump querem herdar a guerra, mas ambos terão que lidar com as consequências em 20 de janeiro.
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