Em 28 de outubro de 2024, no programa “Con Maduro Más”, o presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, em conversa com Miguel Pérez Pirela e Luis Guillermo García, relatou detalhes da cúpula dos Brics em Kazan, Rússia. Maduro afirmou que o chanceler Mauro Vieira lhe garantiu pessoalmente que o Brasil não vetaria a Venezuela, mas posteriormente o embaixador Eduardo Paes Saboia, representante do Brasil na cúpula, ordenou o veto. Maduro destacou que Saboia é um funcionário da era Bolsonaro e afirmou que aguardará um pronunciamento público de Luiz Inácio Lula da Silva sobre o caso.
Em um discurso inflamado, o presidente da Venezuela abordou o veto imposto pelo Brasil à entrada do país nos Brics. Maduro expressou sua indignação com a decisão, que atribuiu a um funcionário do Itamaraty ligado ao bolsonarismo, acusando-o de agir contra os interesses do presidente Lula e da integração latino-americana.
Maduro iniciou seu discurso contextualizando a busca da Venezuela por um mundo multipolar, um objetivo de longa data que remonta ao início da trajetória política de Hugo Chávez. Segundo Maduro, Chávez, já em 1997, defendia a necessidade de superar a unipolaridade imposta pelos Estados Unidos após a queda da União Soviética. Ele relembrou uma viagem com Chávez em 2006, na qual o líder venezuelano teria reformulado essa ideia, propondo a construção de um mundo “pluripolar e multicêntrico”.
O presidente venezuelano afirmou ter sido convidado para a cúpula dos Brics pelo próprio Vladimir Putin, o que demonstra, segundo ele, a importância da Venezuela no cenário geopolítico global. Maduro enfatizou a relevância do bloco, que representa 46% da população mundial e 40% da economia global. Ele descreveu em detalhes seus encontros com líderes de diversos países durante a cúpula, incluindo Rússia, China, Índia, Irã, Etiópia, Palestina, Turquia, Vietnã, Bolívia, África do Sul, Mauritânia, Arábia Saudita, Emirados Árabes Unidos, Congo, Cuba, Egito, Nicarágua e Uzbequistão.
Maduro afirmou que a Venezuela tinha o apoio garantido de nove dos dez membros do bloco, faltando apenas a aprovação do Brasil. Segundo ele, o Brasil era o único país da região a se opor à entrada da Venezuela, utilizando uma espécie de “poder de veto”. Maduro dirigiu sua crítica diretamente a um funcionário do Itamaraty, Eduardo Paes Saboya, a quem chamou de “fascista bolsonarista intransigente” e acusou de ter “apunhalado pelas costas” a Venezuela. Ele relatou que o chanceler brasileiro, Mauro Vieira, havia lhe garantido pessoalmente que a entrada da Venezuela nos Brics não seria um problema. No entanto, Saboya teria atuado nos bastidores para vetar a participação do país, contrariando a posição de Lula e os princípios da integração regional.
Maduro descreveu um encontro constrangedor com Vieira durante a cúpula, após a confirmação do veto brasileiro. Segundo ele, o chanceler teria ficado visivelmente desconfortável ao se deparar com Maduro na presença de Putin e Dilma Rousseff. Maduro afirmou ter confrontado Vieira, dizendo: “Você me disse que não ia ter problema nenhum, nem presidente, nem no Brasil, nem na Venezuela virtual, você não pode entrar”. Ele sugeriu que a atitude de Vieira refletia a subordinação do Itamaraty aos interesses dos Estados Unidos.
No vídeo, Maduro não acusa diretamente o presidente Lula de vetar a entrada da Venezuela nos Brics, mas sugere que a decisão do Itamaraty, comandada pelo chanceler Mauro Vieira, não reflete a verdadeira posição do presidente. Maduro afirma que Lula é “uma pessoa de palavras” e que discorda da posição do Brasil em relação à Venezuela.
Maduro expressa sua crença de que há um “poder dentro do poder” no Brasil, representado pelo Itamaraty, que historicamente tem agido contra os interesses da Venezuela e se alinhado aos Estados Unidos. Ele cita como exemplo a dificuldade que a Venezuela enfrentou para entrar no Mercosul, devido à resistência do Itamaraty.
O presidente venezuelano argumenta que a oposição do Brasil à Venezuela na questão dos Brics é mais uma evidência dessa política de sabotagem. Ele chega a especular que o veto brasileiro pode ter sido uma “tática de diversão” para proteger Lula de um confronto direto com os outros líderes do bloco, que supostamente estariam descontentes com sua postura em relação aos resultados das eleições.
Maduro adota uma postura cautelosa em relação a Lula, preferindo “esperar que Lula seja bem observado, informado sobre os acontecimentos e que ele, como chefe de Estado, esteja no momento certo para dizer o que tem a dizer”. Ele deixa claro que espera um posicionamento de Lula, como chefe de Estado, sobre o veto brasileiro à Venezuela.
Maduro também questionou se a oposição do Brasil à Venezuela seria um caso isolado, mencionando a suposta resistência do país à Rota da Seda, um projeto estratégico da China. Ele interpretou esses movimentos como um sinal de que o Brasil estaria se opondo à construção de um mundo multipolar, contrariando a tendência global em direção a uma nova ordem internacional baseada no respeito à soberania e na igualdade entre os Estados.
Maduro concluiu seu discurso afirmando que a Venezuela não se deixará intimidar e continuará a fortalecer seus laços com os países que apoiam a construção de um mundo multipolar. Ele destacou a importância da agenda bilateral da Venezuela com países como Rússia, China e Índia, e afirmou que o país continuará a buscar parcerias que promovam seu desenvolvimento e independência. Ele expressou confiança de que a Venezuela, assim como outros países do Sul Global, se consolidará como uma potência média no futuro, livre da influência hegemônica de potências imperialistas.
Essa fala de Maduro revela a complexidade da relação entre Brasil e Venezuela sob o governo Lula. Enquanto Maduro reconhece a importância de Lula para a integração latino-americana e a construção de um mundo multipolar, ele também demonstra desconfiança em relação ao Itamaraty e sua suposta subordinação aos Estados Unidos. A expectativa de Maduro é que Lula, eventualmente, se posicione contra o Itamaraty e defenda a entrada da Venezuela nos Brics.
O discurso de Maduro revela a frustração do líder venezuelano com o veto brasileiro à entrada do país nos Brics, mas também sua determinação em continuar a trilhar o caminho em direção a um mundo multipolar. Ele aponta para as contradições dentro do governo brasileiro, acusando o Itamaraty de agir contra os interesses de Lula e da integração latino-americana. O episódio também expõe as complexas relações geopolíticas em jogo, com a Venezuela buscando fortalecer seus laços com países como Rússia e China em um contexto de crescente polarização global.