Voltei a falar com o embaixador Celso Amorim, para pedir posição mais clara quanto à disposição do Brasil em aderir ou não à Rota da Seda.
Tanto na entrevista ao Globo quanto ao Cafezinho, Amorim defendeu uma “sinergia” dos investimentos chineses envelopados no projeto “Cinturão e Rota da Seda”, e afirmou, categoricamente, que o Brasil quer elevar a parceria com a China para “outro patamar”, significando um patamar superior.
Disse ainda que a parceria entre Brasil e China não deve ser apenas de comprar e vender, mas evoluir para relações econômicas mais complexas e vantajosas para o Brasil e China.
Mas o termo “sinergia” produziu desconfiança. Alguns entenderam a expressão como uma forma sutil, diplomática, de repudiar a entrada do Brasil na Rota da Seda.
Disse isso ao embaixador, e pedi que respondesse diretamente à pergunta: o Brasil está repudiando a adesão à Rota da Seda chinesa?
A resposta de Amorim foi categórica: “Claro que não!”
O embaixador até mostrou uma certa irritação com as interpretações enviesadas, tentando associar a sua entrevista e suas palavras como um jogo de palavras ambíguo, que esconderia um realinhamento político do governo brasileiro com os Estados Unidos. Chamou isso de teoria da conspiração.
Amorim voltou a afirmar ao Cafezinho que o Brasil tem interesse em receber investimentos em infra-estrutura e tecnologia da China, dentro do projeto chamado de “Cinturão e Rota da Seda”. Apenas enfatizou que esses investimentos deverão ser integrados aos projetos do Estado brasileiro.
A comunidade brasileira internacionalista está irritada com o governo Lula por conta do veto à Venezuela nos Brics.
É preciso não misturar as coisas, todavia.
A decisão do governo brasileiro sobre a Venezuela não foi um ato de subserviência à Casa Branca, e sim devido a divergências políticas outras, sobre as quais podemos discorrer depois. Tanto é isso que o governo brasileiro apoiou a entrada de Cuba, inimigo histórico do governo americano, nos Brics. E Lula fez em seu discurso na ONU, há algumas semanas, uma defesa contundente do fim dos embargos à Cuba, além de criticar duramente os EUA (embora sem fazer referência direta ao país) por manter o mundo refém da mentalidade de “blocos antagônicos”. Fez ainda a denúncia do genocídio em Gaza. Não foi um discurso de um governo subserviente à Casa Branca.
Recentemente, diversos ministros do Brasil, além do próprio Celso Amorim, estiveram na China para negociar a melhor maneira do Brasil participar do projeto chinês do Cinturão e da Rota.
A maneira mais inteligente, do ponto-de-vista diplomático, geopolítico e da politica interna, segundo Amorim, é tratar da entrada do Brasil na Rota como uma “sinergia” de projetos. Isso não é eufemismo para repudiar. Ou pelo menos não é isso que Celso Amorim quis dizer.
O cuidado diplomático de Celso é muito evidente, e talvez isso seja o que provoque ruído em setores da comunidade brasileira pró-China. Ao falar em “sinergia”, ele procura mostrar ao público interno, e ao mundo, que o Brasil deseja estabelecer uma relação equilibrada e soberana com a China, até mesmo para não prejudicar ou provocar intrigas na relação do Brasil com países que, no momento, antagonizam a China. E que são países cujos investimentos o Brasil não quer perder.
Amorim é um diplomata, o melhor de sua geração, que lutará para atrair investimentos chineses sem que isso crie atrito com outros países.
A recíproca, naturalmente, é verdadeira: Amorim procura construir boas relações com os países do Norte Global sem que isso prejudique nossas parcerias com o Sul Global, incluindo a China.
De qualquer forma, Amorim não é o presidente Lula.
Qualquer anúncio de parceria mais estratégica entre Brasil e China, envolvendo investimentos rotulados ou não como da Rota da Seda, será feito pelo presidente da república, e não pelo assessor internacional.
A entrevista de Amorim sinaliza que essa parceria irá evoluir, que o Brasil tem interesse nos investimentos chineses, e que trabalha para isso se materializar da maneira mais inteligente e objetiva possível.