Celso Amorim, assessor especial de Lula para assuntos internacionais, deu entrevista hoje ao Globo, em que fala dos planos do governo Lula em relação a famosa Rota do Cinturão e da Seda, projeto chinês de infra-estrutura, de enorme alcance geopolítico.
A manchete do Jornal deu ênfase a uma parte da entrevista, em que Amorim teria “sinalizado” que o Brasil não estaria disposto a “assinar” o tratado oficial dos paises que fazem parte da Rota do Cinturão e da Seda.
Trechos da reportagem do Globo:
“— A palavra-chave é sinergia. Não é assinar embaixo, como uma apólice de seguro. Não estamos entrando em um tratado de adesão. É uma negociação de sinergias — disse ao GLOBO o principal assessor de Lula para assuntos internacionais.
Com isso, Amorim sinalizou que o Brasil não deve aderir formalmente ao programa chinês. Criado há mais de uma década, cerca de 150 países em desenvolvimento tiveram de assinar memorando de entendimento para se juntar à iniciativa.”
— Eles (os chineses) falam sobre cinturão, mas não é uma questão de aderir. Eles dão os nomes que eles quiserem para o lado deles, mas o que interessa é que são projetos que o Brasil definiu e que serão aceitos ou não — completou.
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A entrevista de Amorim causou imediatamente mal estar na comunidade brasileira que defende o aprofundamento das relações do Brasil com a China, e entende que a adesão do Brasil a algum tipo de tratado com o gigante asiático seria muito vantajosa para o Brasil.
A decisão, naturalmente, tem implicações geopolíticas importantes, tanto que uma autoridade americana de passagem para o Brasil, Katherine Tai, representante do Departamento de Comércio do governo americano, alertou que o Brasil “deveria ter cautela com uma possível adesão à Nova Rota da Seda”. A declaração da americana gerou reações fortes de Pequim, incluindo a divulgação de uma nota da Embaixada da China em Brasília, dizendo que a fala de Tai seria um falta de respeito com a soberania brasileira.
O Cafezinho procurou Amorim, para perguntar se a interpretação da Globo estaria correta. Pois se trata apenas de uma interpretação, por enquanto. Aí que mora a falácia. Para receber investimentos do projeto chinês chamado Rota do Cintuarão e da Seda, os países naturalmente assinam memorandos e entendimentos, mas não existe um tratado jurídico oficial. Cada país participa à sua maneira, de acordo com os procedimentos legais e as condições políticas próprios. Não é preciso, portanto, “assinar” nada, ou nenhum tratado “Quero fazer parte da Rota da Seda”, além dos memorandos obviamente necessários.
A reportagem, ao dizer que Amorim “sinalizou” a não assinatura de um tratado com a China que formalizasse a adesão do Brasil a Rota da Seda, gerou a impressão de que o governo Lula estivesse repudiando, de alguma maneira, a participação no projeto.
A resposta de Amorim “sinaliza” que essa interpretação da Globo foi apressada, e reflete antes o wishful thinkg do jornal, notoriamente inclinado aos EUA, do que os verdadeiros planos do governo brasileiro.
Amorim nos respondeu que não é bem isso. O Brasil quer e precisa receber investimentos da China, e tem todo o interesse em participar do projeto chinês conhecido como “Rota do Cinturão e da Seda”, mas que a intenção é estabelecer uma relação equilibrada entre Brasil e China:
“Vamos trabalhar nas sinergias entre o projeto chinês “um cinturão, uma rota” e os projetos brasileiros (PAC, etc)” .
Eu insisti, perguntando se a resposta dele significava que o Brasil estaria, categoricamente, dentro do projeto chinês da Rota da Seda.
Ele rebateu: “Ou a China estará nos nossos projetos…”
Ou seja, o Brasil quer participar da Rota da Seda, e para isso, naturalmente, terá de assinar memorandos e acordos, mas a decisão do governo brasileiro é, como disse Amorim, integrar o projeto chinês aos projetos de infra-estrutura já existentes, ou em vias de formulação, do Estado brasileiro.
Na entrevista ao Globo, Amorim lembra que Brasil e China já tem vários projetos ambiciosos em conjunto, em andamento ou em fase de estudo, desde infra-estrutura até energia solar e carros híbridos.
“A ideia é passar para outro patamar e isso faz parte de uma visão do Brasil, de ter suas relações diversificadas e não ficar dependendo de um único fornecedor, ou um único parceiro. A parceria não é só comprar e vender, mas investir com insumos feitos no Brasil , por exemplo”, afirmou Amorim à Globo.
Amorim está preocupado em passar a mensagem, para o público interno e para o mundo, de que o governo tem sim interesse em aprofundar a parceria estratégica com a China, mas que essa parceria, no que tange às obras no Brasil, será coordenada pelo governo brasileiro, e estarão em “sinergia” com obras idealizadas de acordo com o interesse nacional.
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Curiosidade: em outubro de 2017, recebi o embaixador Celso Amorim em minha residência, no Leme, para uma entrevista, que você pode assistir aqui. Amorim é uma pessoa modesta e acessível.