Pesquisadores da Escola Médica de Harvard desenvolveram um novo modelo de inteligência artificial (IA) que pode executar uma ampla variedade de tarefas relacionadas ao diagnóstico de câncer, tratamento e previsão de resultados de sobrevivência.
O sistema, descrito em um artigo publicado em 4 de setembro na revista Nature, foi testado em 19 tipos diferentes de câncer e demonstrou um desempenho superior em comparação com outras ferramentas de IA disponíveis atualmente.
De acordo com a equipe de pesquisa, a maioria dos sistemas de IA existentes para diagnóstico de câncer são programados para realizar tarefas específicas, como identificar a presença de células cancerígenas ou prever o perfil genético de um tumor.
Em contraste, o novo modelo desenvolvido pela equipe de Harvard, chamado CHIEF (Clinical Histopathology Imaging Evaluation Foundation), foi projetado para ser mais versátil, realizando múltiplas tarefas com base em uma variedade de imagens de câncer, além de prever a resposta do paciente a tratamentos e os resultados de sobrevivência.
Diferenças em Relação a Modelos de IA Anteriores
O modelo CHIEF se destaca por sua capacidade de analisar imagens histopatológicas de tumores, detectando células cancerígenas com alta precisão e prevendo perfis moleculares com base em características celulares.
Segundo Kun-Hsing Yu, professor assistente de informática biomédica no Blavatnik Institute da Harvard Medical School e autor sênior do estudo, a ambição da equipe era criar uma plataforma de IA semelhante a grandes modelos de linguagem, como o ChatGPT, mas focada no diagnóstico e tratamento de câncer.
“A ideia era desenvolver uma plataforma ágil e capaz de realizar várias tarefas ao mesmo tempo, algo que faltava nos modelos atuais”, disse Yu. Ele acrescenta que o modelo pode ser particularmente útil para médicos, ao prever a resposta de pacientes a tratamentos como quimioterapia, cirurgia e imunoterapia.
A flexibilidade do CHIEF permitiu que ele fosse testado em 19 tipos diferentes de câncer, incluindo pulmão, mama, próstata, colorretal e estômago.
O sistema mostrou-se capaz de realizar previsões sobre a sobrevivência dos pacientes, bem como identificar características específicas do microambiente tumoral, um fator importante na resposta ao tratamento.
Treinamento Extenso e Resultados Precisos
O CHIEF foi treinado com uma base de dados que incluiu 15 milhões de imagens não rotuladas e mais de 60.000 lâminas inteiras de tecidos tumorais.
O treinamento incluiu uma ampla gama de cânceres, como os de pulmão, fígado, pâncreas e pele, permitindo que o modelo fosse capaz de realizar análises mais abrangentes do que as ferramentas atuais.
Durante os testes, o modelo foi comparado a outros métodos de IA em tarefas como a detecção de células cancerígenas, identificação da origem do tumor e previsão de resultados dos pacientes. Em todas as comparações, o CHIEF obteve uma precisão superior, com uma margem de até 36%.
Ele também se mostrou adaptável a diferentes métodos de obtenção de amostras de tecidos tumorais, sejam elas provenientes de biópsias ou de excisão cirúrgica.
A adaptabilidade do modelo também foi destacada pela equipe como um diferencial importante. De acordo com os pesquisadores, o CHIEF foi projetado para funcionar de maneira eficiente, independentemente da técnica de digitalização usada nas amostras de tecido, tornando-o aplicável em diferentes contextos clínicos.
Desempenho em Detecção e Previsão Genômica
Um dos principais avanços oferecidos pelo CHIEF foi sua capacidade de prever perfis moleculares dos tumores, uma tarefa que normalmente requer técnicas caras e demoradas, como o sequenciamento genômico de DNA.
O modelo identificou padrões celulares que estão relacionados a variações genômicas importantes, o que pode ajudar oncologistas a selecionar terapias mais eficazes para pacientes com base nas características genéticas de seus tumores.
Nos testes realizados, o modelo previu mutações genéticas em 54 genes frequentemente relacionados ao câncer com uma precisão superior a 70%, superando os métodos de IA disponíveis.
Entre os genes identificados pelo CHIEF, estão aqueles associados ao crescimento e supressão de tumores, além de mutações relacionadas à resposta a tratamentos, como a imunoterapia.
Em um estudo específico, o CHIEF atingiu uma precisão de 96% na detecção de mutações no gene EZH2, comum em casos de linfoma difuso de grandes células B, um tipo de câncer de sangue.
O modelo também alcançou 89% de precisão na detecção de mutações no gene BRAF em câncer de tireoide e 91% no gene NTRK1, relacionado a cânceres de cabeça e pescoço.
Previsão de Sobrevivência dos Pacientes
Além de diagnosticar e prever perfis moleculares, o CHIEF demonstrou ser eficaz na previsão de resultados de sobrevivência de pacientes.
Usando imagens histopatológicas obtidas durante o diagnóstico inicial, o modelo foi capaz de prever com precisão a sobrevivência de curto e longo prazo, distinguindo pacientes com prognósticos diferentes.
Em pacientes com cânceres mais avançados, o CHIEF superou outros modelos de IA em até 10%, e sua precisão foi testada em grupos de pacientes de 17 instituições diferentes. No geral, a capacidade do CHIEF de prever o risco de morte foi considerada um passo significativo em relação aos modelos atuais.
Perspectivas Futuras
Os pesquisadores afirmam que, com validações adicionais e uma implementação mais ampla, o modelo CHIEF e outros sistemas semelhantes poderão revolucionar o tratamento de câncer em escala global.
A equipe de Harvard destacou que esse tipo de IA pode ajudar a identificar pacientes que não respondem bem às terapias convencionais, oferecendo a possibilidade de tratamentos experimentais direcionados.
O modelo também pode ser uma ferramenta útil em regiões com poucos recursos, onde o acesso a tecnologias avançadas, como o sequenciamento genômico, pode ser limitado.
A rápida identificação de padrões moleculares e perfis genéticos a partir de imagens de tecido pode oferecer uma solução mais acessível e rápida para médicos em todo o mundo.
Em resumo, o desenvolvimento do CHIEF representa um avanço significativo no uso da IA no campo da oncologia, com potencial para melhorar a precisão dos diagnósticos, prever melhor os resultados dos pacientes e personalizar os tratamentos, aumentando as chances de sucesso no combate ao câncer.