O Cafezinho teve a oportunidade de entrevistar, no último sábado, 19 de outubro, uma das principais lideranças políticas do México: o senador Alejandro Moreno Cárdenas. Ele faz oposição ao governo López Obrador, que acabou de eleger sua sucessora, a presidenta Claudia Sheinbaum.
Conhecido como “Alito”, ele é presidente nacional do Partido Revolucionário Institucional (PRI), presidente da Conferência Permanente de Partidos Políticos de América Latina e o Caribe (COPPPAL) e vice-presidente mundial da Internacional Socialista (IS).
O PRI governou o México por cerca de 80 anos, e até hoje é um partido importante no México, com 15 senadores, 30 deputados, e milhares de prefeitos. Na última eleição presidencial, o PRI se aliou a legendas mais conservadoras, por razões pragmáticas, mas foram derrotados.
Alejandro faz questão de afirmar que o PRI é um partido progressista, de centro-esquerda, e tem planos ambiciosos de reformar a legenda e torná-la mais moderna, com lideranças jovens.
A entrevista foi feita num restaurante, na zona sul do Rio de Janeiro, onde Cárdenas almoçava em companhia de assessores e correligionários de seu partido.
A articulação da entrevista foi feita com ajuda de Everton Gomes, um amigo do PDT do Rio de Janeiro, que hoje também é secretário do Trabalho da prefeitura. PDT e PRI tem boas relações institucionais, e atuam juntos na Coppal e na Internacional Socialista.
Nascido em 25 de abril de 1975, Alejandro Cárdenas ingressou no PRI aos 16 anos e desde então construiu uma longa carreira política. Ele já foi governador do Estado de Campeche, senador da República e deputado federal em quatro mandatos. Atualmente, é uma das vozes mais influentes da oposição ao governo mexicano.
Durante a entrevista, Cárdenas fez duras críticas ao governo de López Obrador, acusando-o de atacar sistematicamente a imprensa, os partidos e as instituições democráticas. Ele afirmou que o governo interferiu diretamente nas eleições e desestabilizou o equilíbrio de poderes com reformas constitucionais graves. O senador também comentou sobre a importância de fortalecer as instituições democráticas, ressaltando a necessidade de coligações políticas para enfrentar os desafios atuais. Além disso, Cárdenas criticou o populismo, que, segundo ele, polariza e enfraquece as democracias. Por fim, ele destacou a relação comercial entre México e Brasil e a relevância dos BRICS no cenário geopolítico.
Leia a íntegra da entrevista abaixo:
O Cafezinho: Como você avalia a situação democrática no México após os últimos seis anos de governo?
Alejandro Cárdenas: Democracia hoje no México não temos, digamos, depois de seis anos da última administração, 2018-2024, tivemos um governo que, como nunca antes nos últimos 30 anos, organizou sistematicamente um ataque brutal aos meios de comunicação, aos partidos políticos, aos políticos, ao tribunal eleitoral, ao supremo tribunal, a qualquer pessoa que pensasse de forma diferente do governo. Quando vos digo que não há normalidade democrática, é porque há um governo que participou abertamente nas eleições, e não sou eu que o digo, é dito em sentenças de órgãos jurisdicionais eleitorais no México.
O Cafezinho: Como se deu a atuação do governo nas eleições e quais foram as consequências dessa interferência?
Alejandro Cárdenas: O governo implementou programas sociais para obter o voto dos beneficiários, e funcionários públicos participaram permanentemente em campanhas a favor do partido no poder. Bem, tivemos uma competição desigual durante os seis anos, que aconteceu todos os dias. Fizemos uma coligação de três partidos que ideologicamente éramos diferentes, mas porque não havia normalidade democrática e equidade, a única forma de competir com o governo era juntar forças. No final, o controlo que o partido do governo tinha permitiu-lhes ganhar a presidência da República em 2020, e com decisões de órgãos jurisdicionais, deram-lhes a maioria nas duas casas, tanto na Câmara dos Deputados como no Senado da República.
O Cafezinho: Quais foram as reformas promovidas pelo governo e como elas afetaram o equilíbrio de poderes no país?
Alejandro Cárdenas: Enviaram um pacote de 18 reformas constitucionais às câmaras, e essas reformas constitucionais são graves, ameaçam o equilíbrio de poderes. A reforma visa praticamente destruir a carreira judicial, o sistema judicial. Sabemos que quando se quebra um dos três poderes do Estado, geram-se desequilíbrios. Portanto, se eles têm a presidência, cooptaram o poder legislativo e têm o poder judicial, como pode haver equilíbrio de poderes no México?
O Cafezinho: Como está a situação atual do sistema judiciário no México após essas reformas?
Alejandro Cárdenas: Hoje, os juízes, magistrados e magistradas estão em greve, não trabalham há mais de um mês. Há um problema de conflito com o tribunal e ações de inconstitucionalidade. O que eles querem é controlar o tribunal. Não houve um único sector no México e a nível internacional que não tenha assinalado que esta reforma é prejudicial para a segurança jurídica, para o Estado de direito, e isso gerou condições de desigualdade no México.
O Cafezinho: Como você avalia a política externa do México nos últimos seis anos?
Alejandro Cárdenas: Vimos que o México não teve qualquer política externa, praticamente a Presidência da República nos últimos seis anos fez três viagens internacionais, duas aos EUA e uma à Colômbia, praticamente não houve qualquer reunião de chefes de Estado com a presença do México. E creio que esta foi uma política externa errónea, isolada, não global, quando o México é uma potência e perdemos muitas questões de competitividade e de presença na região.
O Cafezinho: Qual a importância dos acordos comerciais do México, especialmente com os Estados Unidos, Canadá e Brasil?
Alejandro Cárdenas: Para o México, temos o Teme, que é o tratado com a América do Norte, os Estados Unidos e o Canadá, um tratado comercial. Entre os muitos acordos comerciais que temos, digamos que é o mais importante. O Brasil e o México têm uma relação comercial importante, o sétimo maior investidor no México é o Brasil. No México há pouco mais de 600 empresas brasileiras, um investimento de 7 bilhões de dólares por ano. O México é o oitavo maior investidor no Brasil; no ano passado foram investidos aqui cerca de 8 bilhões de dólares durante o governo do Presidente Lula.
O Cafezinho: Quais são as condições necessárias para que os empresários brasileiros invistam no México?
Alejandro Cárdenas: O que os empresários brasileiros precisam no México? Respeito à lei, ao estado de direito, confiança, certeza, segurança, instituições sólidas para poder trazer investimentos. Isso também significa um regime democrático, respeito às instituições, respeito ao Tribunal.
O Cafezinho: Qual é o papel dos BRICS e a importância dos processos democráticos na América Latina?
Alejandro Cárdenas: Os BRICS têm um papel importante, com países como Índia, Rússia, China e Brasil desempenhando um papel geopolítico no desenvolvimento da América do Sul. Na América Latina, o que temos de reforçar são os processos democráticos, as instituições, os órgãos eleitorais que proporcionam segurança. Temos o caso da Venezuela e da Nicarágua, onde o Presidente Lula tem transmitido uma mensagem de responsabilidade, prudência e moderação para que as eleições sejam transparentes, com base no princípio de auto-organização e determinação dos povos, não intervenção e solução pacífica dos conflitos.
O Cafezinho: Quais são os planos de renovação e reforma do PRI para o futuro?
Alejandro Cárdenas: Nós somos um partido político que construiu o sistema político mexicano. O PRI construiu as instituições do México. Um exemplo importante foi a reforma eleitoral de 1976, que deu representação à oposição e iniciou a transição democrática. O que devemos fazer agora é misturar gerações, promover oportunidades para os jovens. Vamos nomear 14 cargos da Comissão Executiva Nacional, todos ocupados por mulheres e homens com menos de 40 anos. Também temos deputados e senadores jovens no partido. Precisamos de uma nova geração para impulsionar o partido com entusiasmo. Em 2014, promovemos na Constituição que 50% dos espaços em cargos de eleição popular fossem para mulheres, e na última assembleia do PRI, aprovamos que esse número fosse de 60%, pois são as mulheres que mais votam no partido.
O Cafezinho: Como você vê a relação do PRI com o PDT e a importância dos governos de coalizão?
Alejandro Cárdenas: O PDT é um partido irmão do PRI há muitos anos, e queremos intercâmbio, formação e capacitação para estarmos próximos do povo. O PDT tem se consolidado e fortalecido nesses governos de coalizão, que são importantes. Hoje temos Carlos Lupi, presidente do PDT e Ministro da Previdência Social, que tem sido uma voz na América Latina por muitos anos. Os governos de coalizão são fundamentais, pois hoje nenhum partido político vence sozinho. Precisamos de coligações para promover boas propostas e organizar os partidos políticos.
O Cafezinho: Qual é a sua visão sobre o avanço do populismo no Brasil e no mundo?
Alejandro Cárdenas: O populismo não tem ideologia, pode ser de esquerda, centro ou direita. O que ocorre é que, em uma democracia incompleta, onde partidos já governaram e as pessoas não se sentem representadas, surgem candidaturas populistas, como Bolsonaro no Brasil e Milei na Argentina. Temos que combater o populismo com bons governos, boas propostas e sendo congruentes. O populismo repete mentiras, polariza e divide os países, destruindo economias e gerando incerteza. A resposta está em partidos políticos fortes, que cumprem o que prometem.
O Cafezinho: Como você avalia a importância das coligações e alianças políticas no cenário atual?
Alejandro Cárdenas: As coligações são cada vez mais necessárias, não só no México, mas no mundo inteiro. Nenhum partido vence sozinho. Uma aliança eleitoral traz a plataforma política, e cada partido, com seus legisladores, pode propor suas ideias em uma coalizão. O governo de coalizão é importante para garantir bons governos. Na Frente Ampla no Uruguai, 52 partidos se uniram para formar uma ampla coalizão. O que importa é ter segurança, visão, programas organizados e propostas que beneficiem a sociedade, mantendo a estabilidade econômica e a transparência.
Fotos: Everton Gomes.
Andrius
22/10/2024 - 09h09
Tá virando globonews agora? Desde quando PRI tem alguma moral pra falar em democracia quando ficou no poder por 70 anos de forma fraudulenta (a famosa ditadura perfeita)? E dando espaço pra este tipo de gente! E cortaram meu comentário por te criticar de forma enfática(nem fui ofensivo)! Estão muito sensíveis! Estás te revelando dá turma da democracia em abstrato contra o “populiamo” e vassalo das grades potências. Tu me dá nojo!
José Gomes
22/10/2024 - 05h39
Considero o Sr. Miguel do Rosário homem muito inteligente e o admiro. Mas não sei se por razões mercadológicas às vezes prioriza coisas que são incompreensíveis. Já foi porta-voz de um ser abjeto como Ciro Gomes. Agora dá mais um testemunho de sua imprevisibilidade: acolhe em seu site o Ciro Gomes do México.