A China possui a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo, com uma extensão de 45.000 km, construída em apenas duas décadas. Esse impressionante desenvolvimento foi apelidado de “monstro da infraestrutura” devido à sua escala e velocidade de execução. O projeto é visto como um símbolo do planejamento centralizado e da capacidade do governo chinês de mobilizar recursos de forma rápida e eficiente. Além de atender à demanda interna, a China exporta sua tecnologia ferroviária como parte essencial da Iniciativa Cinturão e Rota, lançada em 2013 para fortalecer as conexões econômicas com o sul global.
A história do desenvolvimento ferroviário de alta velocidade na China começa em 2004, quando o país ainda não tinha um único trilho instalado para esse tipo de transporte. Havia um longo caminho pela frente, mas o objetivo de competir com outras potências globais era claro. Apenas 20 anos depois, o país não só alcançou seu objetivo, como agora abriga a maior ferrovia de alta velocidade do mundo.
O Japão e a Europa levaram quase três vezes mais tempo para construir suas redes ferroviárias de alta velocidade, e essas redes são uma fração do tamanho da chinesa. Os Estados Unidos, por exemplo, possuem menos de 100 ferrovias que podem ser classificadas como de alta velocidade, o que destaca ainda mais a rapidez e a abrangência do avanço chinês.
Hoje, os trens chineses não operam apenas dentro do país, mas também cruzam fronteiras, como no Laos e na Indonésia, com novas ferrovias em construção na Tailândia, Vietnã e Quênia. Grande parte dessa expansão internacional é financiada pela Belt and Road Initiative, uma estratégia chinesa para conectar economias globais. Esse movimento é muitas vezes descrito como “diplomacia do trem de alta velocidade”, ampliando a influência de Pequim em diversas regiões.
O início do planejamento de uma rede ferroviária de alta velocidade na China remonta ao início dos anos 1990, durante a liderança de Deng Xiaoping. Ele foi fortemente influenciado pelo sistema ferroviário do Japão após uma visita ao país em 1978. No entanto, foi apenas em 2008, com as Olimpíadas de Pequim, que o governo chinês deu início à construção da primeira ferrovia de alta velocidade, que ligava Pequim a Tianjin. A partir desse momento, a expansão tornou-se uma prioridade e a rede cresceu de forma exponencial.
Em 2009, a China lançou a linha Wuhan-Guangzhou, seguida pela linha Xangai-Hangzhou em 2010 e pela linha Pequim-Xangai em 2011. Em apenas três anos, o país já possuía a maior rede ferroviária de alta velocidade do mundo. O sucesso dessa rápida construção é frequentemente atribuído ao sistema político e econômico do país, que permite a mobilização eficiente de recursos e capital em grande escala.
A capacidade do governo de contornar barreiras burocráticas, que muitas vezes atrasam o desenvolvimento em democracias, foi crucial para a realização desse ambicioso projeto. O partido comunista da China desempenha um papel central em decisões nacionais, e isso se refletiu na maneira como a infraestrutura foi rapidamente construída. Materiais e mão de obra foram rapidamente mobilizados, permitindo que as ferrovias fossem construídas de maneira eficiente. No entanto, essa rapidez também teve suas consequências.
Em 2011, dois trens de alta velocidade colidiram na linha Ningbo-Wenzhou, resultando na morte de 40 passageiros e levantando preocupações sobre a velocidade com que as linhas estavam sendo desenvolvidas. No mesmo ano, o ex-ministro das ferrovias, Liu Zhijun, foi demitido sob acusações de corrupção, com uma investigação revelando que ele aceitou subornos no valor de 1 bilhão de yuans relacionados a projetos ferroviários.
Apesar desses contratempos, o governo chinês continuou investindo na expansão da rede ferroviária. Novas linhas foram construídas, incluindo Taiyuan-Xi’an, Hangzhou-Changsha, e Lanzhou-Urumqi, entre outras. Ao final de 2020, a China já havia superado suas próprias metas de expansão, e as ferrovias trouxeram enormes benefícios econômicos para as áreas vizinhas. Novos setores surgiram ao longo das linhas, o turismo aumentou e as antigas linhas ferroviárias foram reaproveitadas para melhorar a cadeia de suprimentos do país.
O impacto econômico de um projeto dessa magnitude é significativo. As áreas onde são construídas grandes ferrovias veem bilhões de dólares em investimentos, gerando um crescimento econômico acelerado. Além disso, a construção de estações de trem de alta velocidade em cidades de segundo e terceiro nível, muitas vezes localizadas em áreas suburbanas, promove a urbanização e o desenvolvimento dessas regiões. Essas áreas, anteriormente rurais, se transformam em centros urbanos, com complexos residenciais, centros comerciais e parques industriais sendo desenvolvidos ao redor das estações.
No entanto, o ritmo acelerado de construção também apresenta desafios. Estima-se que pelo menos 26 estações ferroviárias de alta velocidade estejam abandonadas, apenas alguns anos após sua conclusão, devido à sua localização remota. A construção em ritmo mais rápido do que a demanda populacional é uma das preocupações, assim como o ruído causado pelos trens, que viajam a velocidades de até 350 km/h. Esse problema tem alimentado movimentos locais de resistência, como o movimento NIMBY (“not in my backyard”, ou “não no meu quintal”).
Um exemplo disso ocorreu na linha Pequim-Shenyang, que foi adiada por quatro anos devido à resistência dos moradores locais. Eventualmente, a linha foi redirecionada, e o sistema ferroviário continuou a se expandir. Pequim declarou que, até 2035, qualquer cidade com uma população superior a 500 mil habitantes terá uma estação de trem de alta velocidade, o que significa que a rede atual dobrará de tamanho em cerca de uma década.
Esse ritmo de crescimento coloca a China muito à frente de outros países que buscam competir no campo das ferrovias de alta velocidade. Enquanto a China continua a expandir sua rede e a exportar sua tecnologia para outros países, o impacto econômico e geopolítico dessa infraestrutura massiva será sentido por muitos anos.
Vídeo e texto com base em reportagem do South China Morning Post.
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!