A recente eleição municipal em São Paulo oferece um fascinante retrato do cenário político brasileiro, especialmente no que se refere à esquerda e seu aparente descompasso com as expectativas e necessidades de seu eleitorado.
Nas eleições da capital paulista, onde a lógica sugeriria um segundo turno entre Guilherme Boulos e o coach Pablo Marçal, foi o atual prefeito Ricardo Nunes quem surpreendeu ao avançar, apesar de uma gestão considerada medíocre.
A ironia do fracasso de Marçal, eliminado do segundo turno por suas próprias estratégias exageradas e arrogantes, marca uma reflexão profunda sobre como a extrema-direita também pode “errar a mão” e perder a chance de disputar uma eleição.
Durante praticamente toda a campanha, Marçal tentou minar a reputação de Boulos com acusações falsas, o que lhe custou não apenas a credibilidade mas, possivelmente, a própria vaga no segundo turno.
Para Boulos, o caminho para o segundo turno parece árduo. Seu desafio não se limita a captar os votos de outros candidatos como Tábata Amaral (PSB), mas também precisa convencer parte do eleitorado de Marçal e até mesmo usurpar votos de Nunes.
A ambiguidade e a generalidade de suas propostas no primeiro turno criaram uma campanha pouco inspiradora, o que enfatiza a necessidade de uma estratégia mais clara e mobilizadora para superar Nunes, que vai usar a máquina e toda sua coligação para jogar pesado contra o psolista.
O cenário nacional também traz lições importantes. A ascensão dos partidos da direita tradicional, como o PSD e o MDB, que ampliaram ferozmente suas prefeituras, contrasta com o desempenho modesto do PT, que, apesar de ter aumentado o número de prefeituras que governa, ainda parece perder terreno em áreas historicamente petistas.
Não há como ignorar que esse fenômeno sugere uma desconexão crescente entre as propostas da esquerda e as expectativas do eleitorado.
O PSOL, por exemplo, não conseguiu eleger nenhum prefeito no primeiro turno das eleições, e apenas a vitória de Boulos poderia salvar o partido de um desempenho considerado desastroso.
Isso destaca um problema mais amplo enfrentado pelas esquerdas no Brasil: a falta de uma estratégia eficaz e a ausência de uma narrativa convincente que responda aos problemas do nosso tempo, como as mudanças tecnológicas e a transição ecológica.
As esquerdas brasileiras, historicamente portadoras de bandeiras de programas sociais, parecem ter perdido a exclusividade e, talvez, a competência em administrar esses programas de forma que ressoem com as bases mais necessitadas.
Não é à toa que, por exemplo, o candidato bolsonarista André Fernandes (PL) obteve sucesso ao capturar votos no eleitorado de baixa renda, tradicionalmente lulista, na disputa em Fortaleza contra o candidato do PT, Evandro Leitão.
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A chamada teologia da prosperidade dos evangélicos e o discurso do empreendedorismo nas periferias são exemplos de narrativas que têm atraído esses eleitores, preenchendo um espaço outrora dominado pela esquerda e seus satélites.
Além disso, as esquerdas parecem não compreender plenamente o potencial das tecnologias digitais na transformação dos serviços públicos e na articulação das economias locais, especialmente na cadeia que gira na parte de baixo da pirâmide.
Sendo assim, a chamada tecnopolítica, uma abordagem que utiliza a tecnologia para repaginar o modo de fazer política, oferece oportunidades únicas para as esquerdas reinventarem sua interação com o eleitorado e formularem políticas que sejam relevantes para as novas realidades do trabalho e da vida nos grandes centros urbanos.
Conclusão
As eleições municipais de 2024 não apenas refletem uma crise aguda para as esquerdas no Brasil, mas também oferecem uma oportunidade crítica para repensar e revitalizar suas abordagens.
A desconexão entre as políticas propostas e as necessidades do eleitorado não é apenas uma falha estratégica, mas também um chamado para uma profunda introspecção e possivelmente uma completa reformulação das estratégias e narrativas políticas. A capacidade de se adaptar e responder de maneira inovadora pode muito bem determinar o futuro da esquerda no Brasil.
Crédito/Foto: Aurélio Alves/O Povo