É cedo para as análises mais profundas e abrangentes sobre as consequências das eleições municipais para essa grande luta política e ideológica em curso no país, entre extrema-direita, de um lado, e a centro-esquerda, de outro.
Ainda precisamos aguardar o resultado do segundo turno em dezenas de cidades importantes, como São Paulo, Natal e Fortaleza.
Entretanto, podemos já arriscar alguns palpites – que terão de ser atualizados, naturalmente, após o eleitor se manifestar novamente ao fim do mês.
O que podemos dizer, em resumo, é que: as coisas permanecem difíceis, mas até aqui, tudo está sob controle. Não se realizou nenhuma catástrofe, e os resultados vieram dentro do previsto.
Com Marçal fora do segundo turno, o movimento mais perigoso da extrema direita foi detido em São Paulo. Isso é um alívio para a democracia, porque já se viu que é bem mais eficiente barrar o fascismo pelo voto do que por ações judiciais.
O resultado em São Paulo não mais ameaça a democracia. Podemos falar de outra coisa.
A contabilidade geral dos partidos ainda está incompleta, por que falta o segundo turno, mas já temos alguns números objetivos nos que permitem sair do universo da especulação e fazer análises mais científicas.
Por exemplo, vamos conferir os votos somados para prefeito por partido. Esse é o dado mais preocupante, porque o PL, partido de Bolsonaro, ficou em primeiro lugar, no país, com 15,7 milhões de votos, alta de 236% sobre 2020.
Por outro lado, isso era esperado, porque é uma característica do bolsonarismo, e reflete a estratégia da legenda, de lançar uma quantidade muito grande de candidatos a prefeito.
Esses dados, é importante destacar, refletem também os votos para prefeitos que foram derrotados já no primeiro turno. Ou seja, eles são vistosos, mas iludem um pouco.
De qualquer forma, ainda em número de votos, PT e PSB registraram um crescimento significativo de 28% e 25% respectivamente, em relação a 2020, e somados tiveram a mesma votação que o PL.
As votações do PSD, MDB, União, e PP, também cresceram, e essas legendas foram as grandes vencedoras em número de prefeitos e vereadores eleitos. Mas será preciso avaliar caso a caso para identificar que candidatos se inclinam mais à direita e quais mais ao centro.
Por exemplo, Eduardo Paes, eleito no primeiro turno com uma votação esmagadora – humilhando um candidato bolsonarista raíz, Alexandre Ramagem – é do PSD, e no imaginário político da cidade, ou pelo menos da sua parte mais politizada, é um quadro do campo progressista, aliado de Lula.
Aliás, o termo progressista foi cunhado exatamente com esse objetivo, para evitar uma certa restrição exagerada que o conceito de esquerda às vezes traz. É para ser usado exatamente nesses casos: Eduardo Paes pode não ser de esquerda (apesar do esforço de Ramagem e do bolsonarismo carioca, de pintá-lo como tal), mas certamente é um progressista. E certamente, da mesma forma, será um aliado de Lula e da esquerda em 2026. Quantos mais prefeitos do PSD, do MDB, do União Brasil, poderão ser aliados da esquerda nas próximas eleições nacionais? Não serão todos, seguramente, mas serão muitos.
Ou seja, as análises que olham exclusivamente para o PT não enxergam a conjuntura completa.
O PT interrompeu o movimento de declínio, iniciado em 2016 e acentuado em 2020, e cresceu quase 40% para 248 prefeituras, (eram 178 em 2020), ou 70 prefeituras a mais.
O PL de Bolsonaro, por sua vez, cresceu 49% e hoje tem 510 prefeituras.
Em relação ao número de vereadores, os movimentos foram parecidos. PT e PSB cresceram, mas o PL cresceu mais, e centrão, sobretudo, saiu como principal vencedor.
Conclusão
O Brasil que emerge das eleições municipais parece um país conservador, de centro-direita, mas é o mesmo país que tínhamos antes, o mesmo país que deu cinco presidências da república ao PT, incluindo a atual, e sobretudo é o país que nós temos.
As eleições nos dão elementos objetivos para entender a cabeça do eleitor brasileiro, e para a esquerda avaliar seus desafios, fazer suas autocríticas e desenvolver planos para continuar avançando.
A performance desastrosa das legendas de ultra-esquerda, por sua vez, deve ser lida com muita humildade por todo o campo progressista. A esquerda que vence eleições é aquela com maior capacidade de diálogo, menos obcecada em demonstrar sua pureza ideológica e mais comprometida em construir, no curto prazo, estratégias concretas para melhorar a vida do povo.