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A saturação do voto útil e a antipolítica

O excesso de pedidos por voto útil reflete o cansaço do eleitorado e alimenta a negação da política, abrindo espaço para a antipolítica e comprometendo a qualidade do debate público. O reflexo do cansaço do eleitor na política Nos últimos ciclos eleitorais, o pedido de voto útil se tornou uma constante na disputa política brasileira. […]

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Imagem: Agência Câmara

O excesso de pedidos por voto útil reflete o cansaço do eleitorado e alimenta a negação da política, abrindo espaço para a antipolítica e comprometendo a qualidade do debate público.


O reflexo do cansaço do eleitor na política

Nos últimos ciclos eleitorais, o pedido de voto útil se tornou uma constante na disputa política brasileira. Em um ambiente onde a polarização se acentua cada vez mais, candidatos e partidos apelam ao voto útil como uma forma de evitar o “pior cenário”. Contudo, essa estratégia tem se tornado exaustiva para o eleitorado. O constante apelo para que o eleitor não vote em quem realmente o representa, mas sim em quem “tem mais chance” ou “é menos perigoso”, reflete um desgaste profundo em relação à política e à falta de novas perspectivas.

Esse cansaço não é injustificado. Ele surge da longa trajetória de promessas não cumpridas, escândalos de corrupção e da sensação de que o sistema político está desconectado das necessidades da população. Quando um candidato, em vez de conquistar o eleitor com suas propostas, opta por pressioná-lo a votar para evitar uma suposta tragédia política, o efeito é um desgaste ainda maior da relação entre política e sociedade. O eleitor começa a ver o voto não como uma ferramenta de transformação, mas como uma obrigação imposta por cálculos estratégicos que ele não controla.

O impacto do voto útil no debate público

Historicamente, o voto útil foi utilizado em cenários eleitorais como uma maneira de barrar candidatos vistos como extremistas ou nocivos à democracia. Contudo, o uso exagerado dessa estratégia esgota o eleitor e empobrece o debate público. Quando se espera que o eleitor vote “pelo menos pior”, os candidatos deixam de apresentar propostas sólidas e acabam não sendo cobrados por soluções para os problemas do cotidiano, como saúde, educação, transporte e segurança pública.

Essa dinâmica é prejudicial para a qualidade da democracia. O debate público se transforma em um jogo de medos, e não de ideias. Em vez de um confronto de projetos para o futuro, o que se vê é uma disputa sobre qual candidato representa menos risco para a população. Essa lógica é especialmente perceptível nas eleições municipais de São Paulo, onde as principais lideranças políticas tentam polarizar a disputa entre “bons” e “maus”, desviando o foco dos problemas reais da cidade, como mobilidade urbana, segurança e saneamento.

O resultado é um tipo de campanha que aliena o eleitor, que não se vê representado em nenhuma das opções e muitas vezes desiste de participar do processo eleitoral. O excesso de apelos ao voto útil cria um ambiente de descrença, em que o eleitor passa a ver as eleições como um processo de escolha entre dois males, não como uma oportunidade de promover mudanças positivas.

O voto útil, a antipolítica e a negação da política

O cenário criado pelo voto útil favorece diretamente o crescimento da antipolítica e da negação da política. Esses movimentos são caracterizados pela rejeição aos políticos tradicionais e ao sistema político como um todo. Eles geralmente surgem como resposta ao sentimento de que nada muda, independente de quem está no poder. Ao perpetuar a ideia de que as eleições são uma escolha entre o “menos ruim” e o “pior”, os partidos tradicionais reforçam a narrativa de que são incapazes de gerar verdadeiras alternativas.

Esse cansaço político é terreno fértil para figuras que se apresentam como “outsiders”, ou seja, aqueles que não pertencem ao “sistema” e prometem mudar tudo. Eles surfam na onda da antipolítica, apresentando soluções simplistas para problemas complexos e atacando diretamente o sistema político, visto como ineficaz e corrupto. Esse fenômeno não é novo na política brasileira – figuras como Jair Bolsonaro ascenderam com base em um discurso antipolítico, focado em criticar a política tradicional e em prometer uma ruptura com o passado.

Ao serem pressionados repetidamente a escolher candidatos que não representam verdadeiramente seus interesses, muitos eleitores começam a se afastar do processo eleitoral. Esse afastamento se traduz no aumento das abstenções, dos votos nulos e dos votos em branco — sinais claros de que uma parcela significativa da população não acredita que qualquer um dos candidatos seja capaz de trazer mudanças. Essa negação da política enfraquece a legitimidade do sistema democrático, pois mina a confiança de que a política é um meio viável para melhorar a vida das pessoas.

A ideia de que “todos os políticos são iguais” e que “nenhum deles presta” é a base de movimentos que pregam a substituição da política por uma “gestão técnica” ou por soluções de caráter autoritário, que no fim apenas agravam a situação democrática. Esse sentimento é explorado por movimentos de antipolítica que prometem “varrer o sistema” e substituir a política por um modelo que ignora a importância do diálogo e do compromisso com o bem comum.

Recuperar a confiança do eleitor é fundamental

Para romper com esse ciclo de cansaço, antipolítica e negação da política, é fundamental que os candidatos e partidos recuperem a confiança do eleitor. Isso exige uma mudança profunda na forma como as campanhas são conduzidas. Em vez de se apoiar no medo e no apelo ao voto útil, é necessário que os candidatos apresentem propostas claras e viáveis, que dialoguem com as necessidades reais dos cidadãos. O eleitor precisa sentir que sua participação faz a diferença, que seu voto é uma ferramenta de transformação e não apenas um mecanismo para evitar um cenário pior.

É necessário que os partidos e candidatos abandonem a lógica de campanhas baseadas em ataques pessoais e foquem na construção de narrativas que deem ao eleitor uma razão positiva para votar. Um eleitor que se sente ouvido e representado é um eleitor engajado, disposto a participar do processo democrático e a contribuir para o fortalecimento das instituições.

A recuperação da confiança na política passa por um esforço conjunto de candidatos, partidos e da sociedade civil. Não se trata apenas de convencer o eleitor de que votar é importante, mas de mostrar que há, de fato, opções que merecem ser apoiadas. Restabelecer a conexão entre política e sociedade é crucial para que o eleitor se sinta protagonista e não apenas um espectador passivo. Só assim poderemos superar o ciclo de cansaço e descrença, construindo uma democracia mais robusta, onde o voto útil não seja uma imposição, mas uma escolha consciente e fundamentada.

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Cleber Lourenço

Defensor intransigente da política, do Estado Democrático de Direito e Constituição. | Colunista n'O Cafézinho com passagens pelo Congresso em Foco, Brasil de Fato e Revista Fórum | Nas redes: @ocolunista_

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