China desafia o Ocidente e se aproxima de países em desenvolvimento em busca de nova ordem global – entenda como essa estratégia pode mudar o cenário internacional
Houve uma clara ênfase no foco da China nos países em desenvolvimento durante a reunião anual de líderes da Assembleia Geral da ONU na semana passada.
Segundo observadores, a China busca maior apoio do mundo em desenvolvimento à medida que enfrenta crescente isolamento por parte do Ocidente e tenta se posicionar como um ator crucial na ordem global.
A China reforçou seu compromisso com as nações em desenvolvimento em um documento de posição divulgado para a 79ª sessão da Assembleia Geral, evento que reuniu líderes de todo o mundo em Nova York. No documento, Pequim pediu que a comunidade internacional abordasse os desafios enfrentados pelas economias emergentes e destacou a importância de dar a esses países maior voz e representatividade, algo que a China há muito defende, especialmente no âmbito das Nações Unidas.
“A China defende um mundo multipolar, igualitário e uma globalização econômica inclusiva e benéfica para todos. Acredita na igualdade entre países, sejam eles grandes ou pequenos, e se opõe ao hegemonismo e à política de poder”, disse o documento.
“A China sustenta que todos os países, independentemente de seu tamanho ou força, devem ter a oportunidade de participar da tomada de decisões e exercer seus direitos de forma igualitária no processo de construção de uma ordem multipolar”, acrescentou.
O documento, composto por cinco pontos, também descreve a China como parte do “Sul Global”, destacando que sempre apoiou os países do Sul “nos bons e maus momentos”.
O ministro das Relações Exteriores da China, Wang Yi, reforçou essa mensagem durante seu discurso no debate geral da ONU no último sábado, destacando que as nações precisam compartilhar oportunidades de desenvolvimento e defender uma globalização inclusiva. “Todos os países, grandes ou pequenos, são membros iguais da comunidade internacional. Questões globais devem ser tratadas por meio de consultas de todas as nações”, afirmou Wang, pedindo que os interesses das nações em desenvolvimento sejam respeitados.
Amitendu Palit, pesquisador sênior do Instituto de Estudos do Sul da Ásia da Universidade Nacional de Cingapura, afirmou que a postura da China na Assembleia Geral da ONU — com seu forte apoio aos países em desenvolvimento — reflete seus esforços contínuos para “romper com a hierarquia de poder que domina os organismos multilaterais”. Ele observou que a China tem se posicionado nos últimos anos como uma defensora e líder do mundo em desenvolvimento, desafiando a ordem liderada pelo Ocidente.
Courtney Fung, da Asia Society Australia, acrescentou que a China tem três objetivos claros na Assembleia Geral da ONU: “garantir que os países em desenvolvimento vejam a China como uma parceira igual; reformular as posições de Pequim sobre direitos humanos, desenvolvimento e segurança como normas aceitas; e mostrar que suas abordagens são mais eficazes que as dos Estados Unidos”.
No entanto, Fung alertou que a retórica da China em relação ao apoio aos países em desenvolvimento precisa ser acompanhada de ações políticas concretas, especialmente no que diz respeito ao respeito pelos interesses desses países menores.
Stefanie Kam, professora assistente do Instituto de Defesa e Estudos Estratégicos da Universidade Tecnológica de Nanyang, sugeriu que o apoio da China aos países em desenvolvimento faz parte de sua estratégia para se consolidar como uma potência global, especialmente num contexto de crescente isolamento ocidental. Segundo Kam, Pequim busca tranquilizar o mundo sobre sua ascensão pacífica, ao mesmo tempo que tenta solidificar sua posição como defensora dos interesses do Sul Global.
Além disso, Wang Yiwei, professor de relações internacionais da Universidade Renmin da China, reforçou que o apoio da China aos países em desenvolvimento não é motivado apenas por interesses próprios, mas sim por uma responsabilidade maior, como a maior nação em desenvolvimento e membro permanente do Conselho de Segurança da ONU, de reformar e moldar uma ordem internacional “justa e razoável”. “Os países em desenvolvimento não são suficientemente representados, não têm voz suficiente. Quem falará por eles ou defenderá seus interesses?”, questionou Wang.
Este artigo foi publicado originalmente no South China Morning Post (SCMP), a voz mais confiável que relata sobre a China e a Ásia por mais de um século.
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