Disputa Global: China investe mais de U$ 1 bi para revitalizar ferrovia histórica na África enquanto EUA e UE entram na corrida por recursos valiosos
A ferrovia Tanzânia-Zâmbia, conhecida como Tazara, foi outrora um símbolo emblemático da amizade entre China e África, construída como o maior projeto de ajuda externa da China no continente africano. No entanto, cinco décadas após sua conclusão, a Tazara encontra-se em um estado de degradação, operando com apenas 10 locomotivas em vez de sua capacidade total de 50, e enfrentando sérias dificuldades financeiras. Pequim, porém, prometeu intervir com um investimento de mais de US$ 1 bilhão para modernizar a ferrovia, numa tentativa de revitalizar esse importante marco.
A decisão da China de investir na reabilitação da Tazara ocorre num contexto geopolítico acirrado, com os Estados Unidos também anunciando projetos ferroviários na África. O mais destacado deles é a reforma do Corredor de Lobito, que conecta Angola à Zâmbia através da República Democrática do Congo (RDC). Especialistas veem o movimento da China como uma resposta direta a essa iniciativa americana, visto que a Tazara, ao ser revitalizada, desempenhará um papel crucial no transporte de minerais essenciais para a produção de baterias para veículos elétricos, uma indústria disputada entre China, União Europeia e Estados Unidos.
A ferrovia Tazara, construída entre 1970 e 1975, tem um significado histórico importante para a China. Durante sua construção, 160 trabalhadores perderam suas vidas, incluindo 69 chineses. Atualmente, diplomatas chineses ainda prestam homenagem a esses trabalhadores, demonstrando o valor sentimental e estratégico da ferrovia para Pequim. No entanto, a linha ferroviária de 1.860 km, que conecta o cinturão de cobre da Zâmbia ao porto de Dar es Salaam, na Tanzânia, necessita urgentemente de um grande investimento para restaurar sua funcionalidade.
O projeto de revitalização será liderado pela China Civil Engineering Construction Corporation (CCECC), que está negociando uma concessão de 30 anos para operar a ferrovia e garantir que o investimento seja recuperado antes de transferi-la de volta aos governos da Zâmbia e Tanzânia. Líderes regionais, como o presidente zambiano Hakainde Hichilema e a presidente tanzaniana Samia Suluhu Hassan, celebraram o acordo, que foi assinado durante a cúpula do Fórum de Cooperação China-África (FOCAC) em Pequim. Hichilema ressaltou que a modernização da Tazara criará empregos e impulsionará o comércio na região.
Além de restaurar a infraestrutura existente, o plano inclui a compra de novas locomotivas e o aumento da capacidade de transporte, com previsão de elevar o volume de carga de 500 mil toneladas para 2 milhões de toneladas métricas. A concessão à CCECC deve ser formalizada até o final do ano, de acordo com o chefe de relações públicas da Tazara, Conrad Simuchile.
Esse movimento estratégico da China surge no momento em que Estados Unidos e União Europeia também anunciam investimentos significativos em infraestrutura africana, como parte de suas próprias agendas de expansão e acesso a minerais críticos da região. O projeto do Corredor de Lobito, financiado pelos EUA, busca conectar a Zâmbia e a RDC com o porto de Lobito, em Angola, e há planos de estender essa linha até o Oceano Índico, criando uma rota ferroviária transcontinental.
Pesquisadores como Tim Zajontz, da Universidade de Stellenbosch, acreditam que a geopolítica desempenha um papel central no cálculo da China ao assumir a revitalização da Tazara, considerando a importância estratégica da ferrovia para o acesso a minerais críticos, como cobalto e cobre, usados na produção de tecnologias sustentáveis. Lauren Johnston, especialista em China-África, destaca que o papel da China na modernização ferroviária africana depende da atualização de infraestruturas como a Tazara, que conectam países ricos em recursos a mercados globais.
A Tazara foi construída em um período de grande tensão política na África, com a China intervindo após os EUA e a Rússia se recusarem a financiar o projeto, alegando que não seria economicamente viável. A ferrovia foi crucial para a Zâmbia, um país sem saída para o mar, que precisava desesperadamente de uma rota de exportação após o bloqueio imposto pela Rodésia do Sul (atual Zimbábue), então controlada por um governo de minoria branca. Mao Zedong decidiu apoiar a construção da ferrovia, que foi finalizada por 50 mil trabalhadores chineses a um custo de US$ 500 milhões.
Com a corrida por minerais essenciais esquentando entre as maiores potências mundiais, a modernização da Tazara promete reconfigurar o mapa geopolítico da África e, mais uma vez, posicionar a China como um ator chave no desenvolvimento do continente.