A pauta econômica da mídia tradicional, e de todo o seu ecossistema de portais de notícias é incrivelmente medíocre e obsessiva.
Todo mês sai a notícia do déficit nominal, e todo mês temos de escutar o ruflar dos tambores do terrorismo fiscal, falando em rombo. A nova onda é falar que chegou a R$ 1 trilhão, como se isso significasse, em si alguma coisa.
Ontem o Banco Central divulgou que o déficit nominal em agosto ficou em R$ 1,1 trilhão. Um desses portais que faz o serviço sujo da Faria Lima, voltou a martelar sobre o “rombo fiscal”, que teria ficado “mais uma vez”, acima de R$ 1 trilhão.
A notícia é uma falácia, o que é uma forma particularmente perniciosa de fake news.
Dados fiscais devem ser colocados sempre em perspectiva com o PIB, o que é óbvio. Um déficit nominal de 1 trilhão (que soma o déficit primário mais os juros da dívida pública) diante de um PIB de 1 trilhão de reais seria preocupante, porque corresponderia a 100% do PIB.
Mas um déficit nominal de 1 trilhão diante de um PIB de 11,3 trilhões de reais corresponde a 9,8% do PIB.
É o menor déficit em três meses, e a perspectiva do governo e dos mercados é de que deve continuar a cair ao longo dos próximos meses.
Quer dizer, isso se o Banco Central não voltar a fazer a loucura de subir os juros, como fez na última reunião.
Em agosto último, a despesa acumulada em 12 meses do governo federal com juros da dívida pública foi de R$ 855 bilhões, ou 7,5% do PIB brasileiro.
Quando se compara o peso da dívida brasileira com o de outros países, nossa situação é estarrecedora. A média dos países da OCDE tem ficado em torno de 3% desde 2006, e experimentou uma alta para cerca de 3,5% em 2023, em virtude da explosão das dívidas públicas durante a pandemia da Covid, que obrigou governos a elevarem suas dívidas para ajudarem cidadãos e empresas. Ou seja, os governos membros da OCDE gastaram cerca de 3,5% de seu PIB, no ano de 2024, para rolarem suas dívidas públicas. O Brasil está gastando – repitamos – 7,5% do PIB com juros da dívida!
O Brasil nunca pagou tanta dívida. Mesmo na pandemia, quando o déficit nominal chegou a quase 14% do PIB (hoje é um pouco menos de 10%), o governo brasileiro comprometia menos recursos do que acontece hoje. Aliás, pelo fato do Banco Central ter reduzido drasticamente os juros em 2020 e 2021, os gastos do governo federal para rolar a dívida pública também caíram fortemente, mesmo que a dívida tenha explodido, para pagar o Auxílio Brasil e outras ajudas a pessoas e empresas.
Por aí a gente entende porque tantos economistas acusam o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, de agente sabotador do governo Lula.
Mesmo assim, é importante reiterar que o déficit nominal está sob controle. É o menor em três meses, como já disse, e o próprio mercado prevê continuidade desse declínio ao longo dos próximos dois anos.
O governo brasileiro, obrigado a lidar com uma pressão violentíssima vinda não apenas da Faria Lima, mas de todo o sistema financeiro mundial, que também lucra com nossa dívida, vem conseguindo tocar o barco da melhor maneira possível.
A grande imprensa fala do custo Brasil e da competitividade, mas não fala da necessidade de grandes obras de infraestrutura para que estes índices possam ser aprimorados.
Aliás, nos últimos tempos, nem isso a “imprensa livre” fala mais.
Agora ela apenas pratica o terrorismo fiscal, e da maneira mais cínica que existe, que é tratar questões fiscais sob um ótica fanática e desconectada da realidade econômica e social do país.
Mas o que temos aqui não é o neoliberalismo na acepção do Norte Global, em particular dos Estados Unidos, naturalmente, que é bem especial, porque lá a preocupação não é com déficit fiscal, e sim com a hegemonia planetária.
O aspecto mais característico do neoliberalismo à brasileira não é a sua preocupação com a solidez fiscal do setor público, mas o ódio que ele alimenta contra o desenvolvimento.
Testemunhamos a prova disso nos últimos meses. É impressionante o desprezo com que os chamados “mercados”, ou a Faria Lima, tratam as notícias sobre crescimento econômico, queda no desemprego e redução dos índices de miséria no país.
Toda a sua atenção, adrenalina, libido, se volta para números absolutos, descontextualizados, como o déficit nominal, que é visto de maneira absoluta, sem compará-lo ao PIB.
Há uma outra esperteza do mercado financeiro contra a qual devemos ficar atentos. Alguns especialistas dizem que esses juros nominais da dívida não são efetivamente pagos, mas apenas rolados de um mês para outro, ou de um ano para outro.
Não é bem assim. Primeiramente a liquidez da dívida pública brasileira é uma de suas virtudes. Qualquer um que tenha investido nisso, sabe que você pode vender com facilidade o seu título do Tesouro, e esse dinheiro vem, naturalmente, do Banco Central, que é um órgão do governo federal.
O problema maior dos juros estratosféricos pagos pelo governo é justamente porque eles comprometem a capacidade do governo se endividar. Ao invés de investir em obras de infra-estrutura, como faz a China e como fizeram os EUA, Europa e Japão durante os últimos cem anos, o governo brasileiro amarra a sua capacidade de endividamento ao pagamento de uma dívida cuja maior parte está em mãos de alguns barões do sistema financeiro.
Ou seja, esses valores correspondentes aos juros nominais saem sim do bolso do contribuinte, e atrasam terrivelmente o nosso desenvolvimento!
Abaixo, a nota divulgada ontem pelo Banco Central:
1. Déficit nominal e dívida acumulados em 12 meses
Nos últimos 12 meses até agosto de 2024, o déficit nominal do setor público consolidado (que inclui o déficit primário e os juros) atingiu R$1,111 trilhão, o que representa 9,81% do PIB. Esse valor é ligeiramente inferior ao déficit nominal acumulado até julho de 2024, que foi de R$1,127 trilhão (10,01% do PIB).
A Dívida Líquida do Setor Público (DLSP) acumulou 62% do PIB (R$7 trilhões) no período de 12 meses até agosto. Esse aumento de 1,1 pontos percentuais (p.p.) no ano foi causado principalmente pelos juros nominais (+5,3 p.p.) e pelo déficit primário (+0,8 p.p.), parcialmente compensados pelo crescimento do PIB nominal (-2,5 p.p.) e pela desvalorização cambial de 16,8% no ano (-1,8 p.p.).
A Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), que abrange o Governo Federal, o INSS e os governos estaduais e municipais, chegou a 78,5% do PIB (R$8,9 trilhões) em agosto de 2024, um aumento de 4,1 p.p. no ano. Esse crescimento foi impulsionado pelos juros nominais (+5,1 p.p.), pela emissão líquida de dívida (+1,3 p.p.) e pela desvalorização cambial (+0,7 p.p.), com o efeito positivo do crescimento do PIB nominal (-3,1 p.p.) ajudando a conter o aumento.
2. Déficit e dívidas em agosto de 2024
Em agosto de 2024, o setor público consolidado registrou um déficit primário de R$21,4 bilhões, uma melhora em relação ao déficit de R$22,8 bilhões observado no mesmo mês de 2023. O Governo Central teve um déficit de R$22,3 bilhões, enquanto os governos regionais e as estatais apresentaram pequenos superávits de R$435 milhões e R$469 milhões, respectivamente.
Os juros nominais pagos pelo setor público somaram R$69 bilhões em agosto de 2024, uma redução significativa em comparação aos R$83,7 bilhões pagos em agosto de 2023. Essa melhora foi influenciada pelas operações de swap cambial, que geraram um ganho de R$1,7 bilhão em agosto de 2024, em contraste com a perda de R$10,5 bilhões em agosto de 2023.