O governo federal planeja criar um centro integrado de informações para as forças policiais regionais, com o objetivo de facilitar o intercâmbio de dados entre estados, Receita Federal e o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf), conforme anunciado pelo secretário nacional de Segurança Pública, Mário Sarrubbo, em um seminário na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), nesta sexta-feira (20).
De acordo com Sarrubbo, a proposta busca tratar a segurança pública de forma mais integrada e horizontal, visando maior transparência e eficácia nas ações policiais em nível nacional. “Sem inteligência, não teremos sucesso. Precisamos encarecer e dificultar a atividade criminosa, unindo as forças policiais com sistemas integrados e governança segura”, declarou o secretário.
O seminário Segurança Pública e Democracia, organizado pela Comissão de Direitos Humanos D. Paulo Evaristo Arns e pelo Instituto Vladimir Herzog, reuniu autoridades, especialistas e pesquisadores para discutir o tema da segurança pública no contexto democrático.
Em outra mesa de discussão, o professor de Direito, jurista e escritor Gabriel Chalita refletiu sobre o assunto à luz do populismo autoritário, citando uma frase comum no Brasil, “bandido bom é bandido morto”, e explicando como declarações desse tipo são rapidamente absorvidas.
“E as pessoas continuam repetindo isso, alegando que estão defendendo suas vidas, suas famílias, suas condições. Mas quando tratamos da segurança pública de uma forma mais democrática e correta, a frase deixa de ser simples, porque o ser humano não é simples. Precisamos ir às raízes do que provoca a violência, examinar as estruturas da sociedade. A neurociência nos ajuda a entender como uma pessoa se desenvolve desde cedo, seus processos educacionais, influências, e como isso leva a atitudes mais ou menos violentas, mais ou menos ligadas ao respeito pelo próximo”, disse Chalita.
Para ele, o combate eficaz à violência e uma verdadeira política de segurança pública envolvem não só as forças policiais, mas também educação, com escolas em tempo integral e cuidados com a gestante, ou seja, cuidados desde o início da vida. Chalita ressaltou que essa visão de sociedade leva tempo para produzir resultados, mas que os benefícios vêm.
“Imaginar que uma política baseada apenas na atuação policial vai resolver os problemas de segurança pública é desconsiderar a literatura internacional, que mostra como países com altos níveis de violência conseguiram reverter a situação por meio de políticas integradas e diversificadas”, afirmou.
Chalita também chamou atenção para os perigos do populismo autoritário, especialmente nos dias atuais, quando “muitas informações não informativas são disseminadas junto com um bombardeio de mentiras vindas de todos os lados”.
“É preocupante que as pessoas não reflitam mais profundamente sobre os fatos, sobre o ser humano em sua complexidade. Não basta pensar de forma simplista, dividindo tudo entre bom e mau, ou bandido e não bandido. Ou acreditamos no ser humano e em políticas formativas, ou as ações de segurança servirão apenas para atender às expectativas imediatas da população”, afirmou o jurista.
Benedito Mariano, ex-ouvidor das Polícias, ex-secretário de Segurança Pública de Diadema e coordenador do Núcleo de Segurança Pública na Democracia do IREE, afirmou que, nos mais de 40 anos de transição democrática no Brasil, não houve uma prioridade em desenvolver uma segurança pública dentro dos princípios democráticos. Segundo ele, a transição democrática brasileira ainda tem uma dívida com a população, que só poderá ser paga com amplas reformas constitucionais e infraconstitucionais no sistema de segurança pública, que ainda carrega resquícios autoritários de períodos anteriores, incluindo o Brasil Império.
“A transição democrática no Brasil não demonstrou vontade política para implementar uma segurança pública democrática. Houve momentos importantes, e São Paulo é um exemplo marcante. O governo de Mário Covas foi um divisor de águas, tendo implementado a primeira ouvidoria da polícia no país, o que ajudou a reduzir índices de letalidade policial. No entanto, não fizemos reformas estruturais significativas no sistema de segurança pública e nas polícias”, observou.
Mariano concorda que não é possível pensar em segurança pública democrática sem transversalidade, nem sem ampliar o debate para incluir secretarias sociais, como esporte, cultura e lazer, além de envolver diretamente os profissionais de segurança.
“A transição democrática e a esquerda, em geral, dialogaram muito pouco com os policiais, e essa falta de diálogo contribuiu para o fortalecimento da extrema-direita. Agora vemos a extrema-direita ganhando mais espaço. É hora de abrir essa discussão de maneira mais ampla, com foco em combater narrativas absurdas, como a ideia de que ser linha dura significa ser complacente com as organizações criminosas e opressor dos pobres e negros”, concluiu Mariano.