Falsa ordem circulou no Comando Militar do Leste e incita revolta entre militares graduados; cúpula do Exército nega a emissão e vê o episódio como mais um aceno à indisciplina dentro das Forças Armadas.
Uma mensagem falsa, que circulou no Comando Militar do Leste no dia 20 de agosto, citando ordens para as celebrações de 7 de setembro, tem gerado desconforto e estranheza entre a cúpula do Exército. A nota, desmentida oficialmente pelo próprio Comando, ordenava que militares deveriam comparecer ao expediente no dia 7 de setembro, sob pena de sanções disciplinares para aqueles que faltassem. No entanto, fontes do Exército consultadas pela coluna indicam que ordens para eventos desse tipo normalmente são emitidas dois ou três dias antes da data em questão, e não com tanta antecedência, como ocorreu neste caso.
Além disso, a mensagem é repleta de erros gramaticais, sugerindo que não foi redigida por um oficial de alta patente. Um dos erros mais evidentes é o trecho: “não puderem comparecer o expediênte”, onde o verbo “comparecer” deveria ser seguido pela preposição “ao”, e a palavra “expediênte” contém um acento incorreto. Isso levanta ainda mais suspeitas sobre a autenticidade da ordem e o possível propósito de insuflar a revolta entre os militares graduados, aqueles de menor patente. Além disso, nem Marinha, nem Exército Brasileiro, como de costume, tiveram experiente no feriado.
A íntegra do texto da ordem falsa pode ser conferida conforme segue:
“Por determinação do Cmt CML, no dia 07/09/24 haverá expediente integral. Os militares que por motivo pessoal não puderem comparecer o expediênte deverão solicitar desconto em férias. Como alternativa, poderão optar por assistir o desfile no dia da independência acompanhado de seus familiares. Nessa opção será obrigatória registrar no momento como um todo de onde partiu o CmT. O não cumprimento dessa exigência poderá resultar na abertura de um procedimento de apuração de transgressão disciplinar (FATD).”
A coluna também conversou com Robson Augusto, sociólogo, militar da reserva e editor da Revista Sociedade Militar, que destacou a raridade de ordens assim serem dadas com tanta antecedência, além de mencionar que a solicitação de desconto em férias também é incomum. Ele explica: “Essa coisa de descontar em férias não é tão simples assim nas Forças Armadas, precisa passar pelo comando, tem que apresentar uma justificativa plausível… Na minha opinião foi um documento criado por alguém que quer gerar mal estar e fazer parecer que os militares estão sendo subjugados pelo governo… Coisa que os bolsonaristas fazem com frequência.”. O sociólogo também reforçou que episódios como este não são novidade e que isto também ocorreu no feriado do ano passado, ele também enxerga que o objetivo seria fazer parecer que quem assiste o desfile são apenas famílias de militares que seriam obrigados a ir ao evento. Uma forma de dizer que o Lula é desprestigiado pelos militares.
Esse não é um evento isolado. No inicio, outro caso semelhante ganhou destaque com um artigo chamado “Ordem da Noite”, um texto que circulou em grupos militares no WhatsApp, evocando retórica anticomunista e inflamatória, com o objetivo de gerar descontentamento entre as tropas.
No caso atual, a primeira publicação sobre o documento foi feita pelo portal Metrópoles, que logo após a divulgação recebeu um desmentido oficial do Comando Militar do Leste, negando a emissão de qualquer ordem com este teor. No entanto, o episódio gerou grande desconforto entre os oficiais superiores, que têm observado um crescente número de casos semelhantes, onde materiais apócrifos e falsos documentos circulam entre os militares graduados, sempre com o intuito de enfraquecer a hierarquia e gerar instabilidade.
Esses episódios de quebra de hierarquia são vistos com extrema preocupação, já que questionam diretamente a disciplina militar e abrem espaço para potenciais rupturas dentro das Forças Armadas, um cenário perigoso para a coesão interna. A tentativa de fragilizar a hierarquia militar não é algo novo. Durante as investigações sobre a tentativa de golpe de estado no 8 de janeiro, ficou claro que uma das frentes de atuação dos conspiradores era justamente a quebra da hierarquia. Quando o celular do tenente-coronel Mauro Cid foi apreendido, uma série de mensagens revelaram articulações para desmoralizar generais e comandantes que não se engajaram diretamente na conspiração golpista, evidenciando mais um elemento da tentativa de desestabilização institucional.