China desafia o Ocidente e fortalece laços com Putin em meio à guerra na Europa

Os EUA e seus aliados estão avaliando se devem permitir que a Ucrânia use mísseis ocidentais de longo alcance para atingir alvos bem no interior da Rússia / Foto: Reprodução / SCMP

O frágil equilíbrio entre o apoio à Rússia e a pressão dos aliados ocidentais da Ucrânia colocou a China no centro de um dilema geopolítico crescente.

Com a guerra na Ucrânia atingindo um estágio crítico, há sinais cada vez mais evidentes de que China e Estados Unidos podem estar se preparando para entrar em confronto no maior conflito armado da Europa desde a Segunda Guerra Mundial.

Os EUA e seus aliados estão debatendo se devem permitir que a Ucrânia utilize mísseis ocidentais de longo alcance para atingir alvos profundamente dentro do território russo. Tal movimento poderia ser um divisor de águas na guerra, que já dura quase 31 meses. De acordo com o presidente russo, Vladimir Putin, isso alteraria substancialmente a natureza e o escopo do conflito.

Ao mesmo tempo, a campanha de pressão dos EUA e da OTAN contra a China, com sanções e alegações de que o apoio de Pequim à Rússia é “muito substancial”, qualificando a China como um “facilitador decisivo” do esforço de guerra de Putin, parece ter aproximado ainda mais os dois países. A China aumentou seu apoio diplomático à Rússia, e o presidente Xi Jinping está previsto para se reunir com Putin no próximo mês, durante uma cúpula das economias emergentes do Brics em Kazan. Será o terceiro encontro entre Xi e Putin desde maio.

Além de Xi, Pequim já enviou à Rússia, desde julho, o primeiro-ministro Li Qiang, o presidente do Legislativo Nacional, Zhao Leji, o vice-presidente Han Zheng e o principal diplomata chinês, Wang Yi, para encontros com Putin. No entanto, o caminho para uma aliança geoestratégica e militar entre China e Rússia, impulsionado pela desconfiança comum em relação aos EUA e pelas visões de mundo alinhadas de Xi e Putin, não está isento de obstáculos.

Na semana passada, o embaixador chinês em Moscou, Zhang Hanhui, teve que desmentir publicamente rumores que circulavam na Rússia, segundo os quais “a China assumiria o controle da Sibéria e do Extremo Oriente”. Ao longo dos anos, apesar das repetidas garantias de Pequim, os russos têm ficado desconfiados com os comentários de internautas chineses questionando a legitimidade histórica da posse russa sobre o Extremo Oriente, citando os tratados “desiguais” assinados no século XIX.

Em uma entrevista de TV no início deste mês, o líder taiwanês William Lai Ching-te também desafiou as reivindicações de soberania da China sobre a ilha de Taiwan, sugerindo que o país deveria primeiro reconquistar os vastos territórios cedidos à Rússia czarista, especialmente agora que Moscou está enfraquecida pela guerra na Ucrânia. Embora não tenha mencionado diretamente Lai, o embaixador Zhang rejeitou a sugestão como uma nova versão da “teoria da ameaça da China” e acusou aqueles que promovem tais ideias de terem “motivos ocultos”. Ele afirmou que “qualquer um que queira causar tumulto sobre essa questão e semear discórdia nas relações sino-russas está delirando”.

Zhang também enfatizou que nenhum dos dois países tem reivindicações territoriais sobre o outro, citando os acordos de 2004 e 2008, que encerraram 40 anos de negociações e estabeleceram a fronteira sino-russa de 4.300 km (2.670 milhas). Segundo ele, esses acordos “eliminaram completamente os perigos ocultos que poderiam ter comprometido o desenvolvimento saudável das relações entre os dois países”, de acordo com a mídia estatal chinesa.

Maria Zakharova, porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, também abordou a questão em um briefing em 3 de setembro, reafirmando que os dois países já haviam resolvido suas fronteiras e criticando William Lai como um dos “políticos marginais obcecados com o revanchismo”. Entretanto, analistas afirmam que tais declarações oficiais não são suficientes para eliminar as tensões latentes em torno das terras anexadas, que há muito são fonte de discórdia entre China e Rússia, antigos rivais da Guerra Fria que quase entraram em guerra em 1969 pela ilha de Damansky, conhecida como Zhenbao Dao na China.

Mesmo nos últimos anos, apesar da aliança de fato entre China e Rússia, as celebrações na Rússia em homenagem à fundação de Vladivostok, uma cidade que historicamente era chinesa e conhecida como Haishenwai, e a ocupação anterior da ilha de Zhenbao, controlada por Pequim, continuam a provocar reações nacionalistas na China.

A China também sofreu um revés diplomático na semana passada, quando o presidente ucraniano Volodymyr Zelensky voltou a questionar a autodeclarada neutralidade de Pequim em relação à guerra na Ucrânia, classificando uma iniciativa de paz sino-brasileira como “destrutiva”. Zelensky declarou em uma entrevista ao canal brasileiro Metrópoles que “ou você apoia a guerra ou não apoia. Se você não apoia, então nos ajude a parar a Rússia”. Como uma estratégia paralela ao plano de 10 pontos de Zelensky, China e Brasil propuseram, em maio, uma iniciativa de paz de seis pontos, sugerindo a realização de uma conferência internacional de paz reconhecida tanto pela Rússia quanto pela Ucrânia, além de medidas para evitar a “escalada de hostilidades” e “provocações”.

Zelensky foi enfático em sua crítica à proposta sino-brasileira, descrevendo-a como “destrutiva” e afirmando que se tratava apenas de “uma declaração política”. Durante o Diálogo de Shangri-La, realizado em Cingapura em junho deste ano, Zelensky também fez duras críticas à China, acusando Pequim de ajudar Moscou a minar uma conferência de paz promovida por Kiev na Suíça no final daquele mês e chamando a China de “um instrumento nas mãos de Putin”.

Segundo observadores, as críticas diretas de Zelensky à postura da China na guerra indicam que Kiev já perdeu as esperanças de que Pequim possa desempenhar o papel de mediador de paz no conflito. A posição de Pequim revela o dilema cada vez mais delicado que enfrenta: equilibrar sua proximidade com Moscou, um dos seus maiores aliados, com os interesses da Ucrânia e de seus apoiadores ocidentais, onde os interesses estratégicos e a imagem global da China estão em jogo.

Analistas alertam que Pequim deve agir com cautela, pois, embora a aproximação com Moscou pareça útil para enfrentar os EUA, ela pode, no final das contas, se transformar em um problema, prendendo a China no conflito por procuração da Rússia contra o Ocidente liderado pelos Estados Unidos.

Via South China Morning Post

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