Brasil de Fato conversou com analistas russos, iranianos e venezuelanos sobre impacto das sanções e soluções para crises
Os Estados Unidos decidiram aplicar novas sanções unilaterais a mais 400 empresas e indivíduos por suposto envolvimento no conflito na Ucrânia. Na nova rodada de sanções contra a Rússia anunciada pelos EUA no último dia 24 de agosto, 123 empresas foram incluídas na chamada Lista de Entidades.
Quando os EUA determinam que uma empresa está envolvida em atividades contrárias à sua segurança nacional ou aos interesses da política externa estadunidense, decidem unilateralmente aplicar sanções. Essa é a definição presente na Lista de Entidades. As companhias incluídas nessa lista têm o comércio restrito e precisam solicitar autorizações especiais para poder comercializar normalmente.
Das empresas incluídas na nova rodada de sanções, 63 são russas e 42 são da China. Em comunicado, o Departamento de Estado norte-americano afirmou que estão preocupados com a magnitude das exportações de bens da China para a Rússia.
No escopo das sanções entram empresas de terceiros países que utilizam bens que contenham tecnologias dos EUA ou materiais controlados pelo país. O caso mais conhecido é o da holandesa ASML, fabricante de máquinas de litografia para produção de semicondutores.
O Ministério do Comércio chinês criticou as medidas, afirmando que são um exemplo típico de jurisdição de longo alcance e que a China tomará as medidas necessárias para proteger os direitos e interesses legítimos das empresas chinesas.
Em entrevista exclusiva ao Brasil de Fato, Oleg Barabanov, um dos diretores do think-tank russo Clube de Discussão Valdai, afirmou que as sanções contra a Rússia – hoje o país mais sancionado da história, com mais de 16 mil medidas – “são vistas como um exemplo marcante para muitos outros países de que estar vinculado aos Estados Unidos já não é mais seguro”.
Mais de 60% dos países de baixa renda de todo o mundo já sofreram algum tipo de sanção imposta pelos Estados Unidos, seja em suas empresas ou em indivíduos específicos, de acordo com um levantamento feito pelos jornalistas Jeff Stein e Federica Cocco, publicado no Washington Post.
Antes da Rússia, o Irã era o país com mais sanções. A economia e a subsistência da população iraniana têm sido impactadas desde 1979, quando os Estados Unidos impuseram as primeiras sanções ao país.
“Os iranianos têm tido muita dificuldade para importar suprimentos necessários para as fábricas produzirem remédios ou adquirir remédios que não são produzidos no Irã e precisam ser trazidos do exterior. É muito difícil comprá-los quando você está excluído do sistema bancário”, explica ao Brasil de Fato o analista político iraniano Mohammad Marandi.
O professor de Literatura Inglesa e Orientalismo na Universidade de Teerã afirma que a falta de acesso a insumos básicos é um problema que se soma à queda da renda do país, já que através das sanções “os estadunidenses forçam outros países a não comprar petróleo iraniano ou outros produtos iranianos”.
“Isso significa que o Irã tem menos dinheiro para comprar alimentos ou remédios, enfraquecendo a economia e fazendo cair o padrão de vida geral, então as pessoas morrem, perdem seus empregos. Ou seja, [as sanções] têm criado danos muito grandes”, diz.
Venezuela como ‘ameaça’
Outro exemplo de país sancionado é a Venezuela. Em 2015, o governo de Barack Obama declarou oficialmente o país sul-americano como uma ameaça para a segurança nacional dos Estados Unidos, intensificando boicotes e sanções ao país. Depois, o governo de Donald Trump implementou a campanha de “máxima pressão” que foi aplicada tanto no Irã quanto na Venezuela, levando inclusive a uma inusitada oferta de recompensa de 15 milhões de dólares pela captura de Nicolás Maduro.
De 2013 a 2018, as importações de alimentos na Venezuela despencaram, passando de mais de US$ 11 bilhões para pouco mais de US$ 2 bilhões. O embaixador da Venezuela na China, Giuseppe Yoffreda, conversou com o Brasil de Fato sobre os impactos das sanções e reforçou que o caráter de dependência das exportações do petróleo da economia venezuelana intensificou a crise.
“A Venezuela era um país de economia portuária, tudo era importado, um país petrolífero, tínhamos dinheiro e esquecemos da produção nacional. Estas sanções atingiram a qualidade dos serviços básicos como a água, a eletricidade e o sistema de telecomunicações”, explica o embaixador.
Contorno e superação de sanções
Com o tempo, e apesar dos enormes impactos, tanto Venezuela, como Rússia e Irã, parecem conseguir amortecer ou superar os impactos das sanções. Oleg Barabanov diz que a economia russa tem se saído surpreendentemente bem. “Algumas pessoas na Rússia até esperavam uma situação muito pior”, afirma.
No ano passado, a economia russa cresceu 2,3%. A razão, segundo Barabanov, é porque o governo começou um programa enorme de financiamento, “de colocar dinheiro em indústrias reais”.
“Durante quase 30 anos, a Rússia seguiu absolutamente as receitas neoliberais do FMI, do Banco Mundial, de Wall Street e nossa produção industrial ou o setor agrícola, até certo ponto, foram negligenciados”. Agora, a indústria militar puxou esse crescimento, mas está tendo efeitos sobre outras indústrias, segundo o especialista.
No caso da Venezuela, o FMI projetou que será a economia com maior crescimento da região este ano, com 4%. “Hoje podemos dizer que estas medidas coercitivas unilaterais foram um bumerangue para o governo norte-americano e para a União Europeia porque nos fortaleceram internamente”, diz o embaixador venezuelano na China Giuseppe Yoffreda.
Já no Irã, um dos exemplos da autonomia forçada pelas sanções é a indústria farmacêutica. O professor Marandi explica que hoje o Irã produz mais de 96% dos medicamentos usados no país.
“Isso é algo que talvez os estadunidenses não esperavam: que o Irã, em vez de entrar em colapso, se tornasse mais autossuficiente. Fomos uma espécie de pioneiros nas relações Sul-Sul”, diz.
Publicado originalmente pelo Brasil de Fato em 30/08/2024 – 12h29
Por Mauro Ramos – Brasil de Fato | Pequim (China)
Edição: Lucas Estanislau
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