Em meio às críticas sobre uma suposta falta de combatividade, campanhas petistas ajustam suas estratégias conforme pesquisas internas e contextos locais, sem orientação central do partido, mas com a cautela ditada por um ambiente eleitoral polarizado.
Durante o período eleitoral de 2024, campanhas do Partido dos Trabalhadores (PT) em várias capitais brasileiras têm sido alvo de críticas por uma suposta passividade e falta de combatividade. O que alguns apoiadores e analistas têm interpretado como inércia ou cautela excessiva, outros apontam como uma estratégia deliberada, adaptada às peculiaridades de cada disputa local. No entanto, ao contrário do que se especula, essa postura não é fruto de uma orientação centralizada do Diretório Nacional do PT, mas sim de decisões tomadas com base em pesquisas internas e na leitura do ambiente político de cada região.
Fontes ligadas a diferentes campanhas do PT confirmam que, embora não tenha havido uma diretriz oficial do partido para que os candidatos “pegassem leve”, houve, em algumas conversas informais, menções de Lula sobre a importância de deixar adversários mais agressivos “falando sozinhos”. Essas recomendações, contudo, não se formalizaram em instruções, mas foram interpretadas por algumas campanhas como um conselho a ser seguido em contextos específicos.
A disputa em São Paulo: Boulos e a resposta às críticas
Um dos casos mais emblemáticos dessa estratégia é o de Guilherme Boulos, que disputa a prefeitura de São Paulo. A campanha de Boulos tem sido criticada por apoiadores e observadores por uma suposta falta de intensidade nos ataques aos seus principais adversários, Pablo Marçal e Ricardo Nunes. Esses críticos apontam que a campanha de 2024, comparada à de 2020, tem sido mais amena e menos combativa.
Fontes próximas à campanha de Boulos confirmam que as críticas sobre a postura adotada pelo candidato não passaram despercebidas. Na tarde da última sexta-feira, em resposta direta aos apoiadores e ao público mais à esquerda, Boulos lançou um vídeo que, segundo membros de sua equipe, visava justamente responder àqueles que cobram uma postura mais assertiva.
“Passamos a semana inteira falando do [Pablo] Marçal. Guilherme [Boulos] tem batido nele nas falas na rua. Não vejo passividade (neste ponto ele ressalta a maneira como Boulos enfrentou o coach e ex-membro de quadrilha durante o debate do Jornal O Estado de São Paulo). Outro ponto: [Ricardo] Nunes e Marçal tem um problema que é deles, de votos na direita. Como o vídeo de hoje mostra, vamos combater o bolsonarismo, não importa se do Nunes ou do Marçal. são dois lados da mesma moeda. Raiz e Nutella”, concluiu uma das fontes ouvidas pela coluna e próxima da campanha de Boulos.
A estratégia, no entanto, não é de ataques diretos e agressivos, mas sim de uma abordagem propositiva, focada em apresentar soluções e confrontar os adversários de maneira construtiva. “Vamos enfrentar os dois, mas sem cair no jogo do ataque pelo ataque”, resumiu uma outra fonte próxima à campanha.
Além disso, uma crítica recorrente que está sendo feita à campanha de Boulos é a de que ele pode estar repetindo os erros cometidos por Marcelo Freixo nas eleições de 2020 para a prefeitura do Rio de Janeiro e na disputa para o governo do estado em 2022. Freixo, ao tentar se posicionar como um candidato de centro, buscando ampliar sua base eleitoral para além dos eleitores de esquerda, acabou perdendo sua identidade política, o que prejudicou significativamente sua campanha.
Observadores e militantes temem que Boulos esteja trilhando um caminho semelhante, diluindo suas convicções políticas em nome de uma suposta ampliação do eleitorado. Esse movimento, considerado arriscado e delicado tanto à esquerda quanto à direita, já prejudicou Ricardo Nunes, que também tentou se afastar de sua imagem de bolsonarista moderado, e agora corre o risco de ficar fora do segundo turno, segundo apontam as pesquisas mais recentes. Assim, cresce a pressão para que Boulos abandone essa estratégia e reassuma sua identidade política com mais força e clareza.
Belo Horizonte: cautela orientada por pesquisas internas
Em Belo Horizonte, a situação é semelhante, mas com uma nuance que merece destaque. A campanha de Rogério Correia, outro nome forte do PT, também tem adotado uma postura mais contida, evitando confrontos diretos com seus adversários. Diferente de São Paulo, onde a estratégia é em parte uma resposta ao contexto local e à dinâmica da disputa, em Belo Horizonte, essa abordagem é diretamente influenciada por pesquisas internas.
Segundo fontes da campanha, essas pesquisas indicam que o eleitorado belo-horizontino tem uma aversão a candidatos que adotam um tom mais agressivo. A rejeição aos ataques diretos foi uma descoberta crucial para a equipe de Correia, que, ciente dos riscos, optou por uma estratégia mais conciliadora e propositiva. “Nossa campanha está focada em apresentar soluções, não em aumentar a polarização. Os dados mostram que quem bate mais, perde mais”, afirmou uma fonte ligada à campanha.
Essa postura mais cautelosa não é uma exclusividade de Belo Horizonte, mas tem ressonância em outras capitais, onde o PT disputa cargos importantes. A ideia de evitar o confronto frontal se alinha à recomendação informal mencionada por Lula, de que, em um cenário político tão polarizado, pode ser mais eficaz manter o foco em propostas do que engajar em embates desgastantes.
Porto Alegre: combatividade nas redes e a ansiedade dos apoiadores
Em Porto Alegre, a deputada federal Maria do Rosário, que disputa a prefeitura, tem enfrentado críticas semelhantes, tanto da mídia quanto de seus próprios apoiadores. A campanha de Rosário, que muitos esperavam ser mais agressiva, foi criticada por uma suposta falta de combatividade contra o atual prefeito Sebastião Mello, que tenta a reeleição. No entanto, membros da campanha esclarecem que essa percepção pode estar distorcida pela ansiedade dos apoiadores, que temem uma disputa acirrada e veem a falta de ataques diretos como um sinal de fraqueza.
“Essas críticas são mais fruto da ansiedade de quem está preocupado com o resultado das eleições. Na prática, a campanha tem sido muito incisiva, especialmente nas redes sociais”, afirmou uma fonte da campanha. A peça mais recente divulgada no Instagram de Maria do Rosário, por exemplo, é uma crítica contundente à gestão de Mello, apontando falhas na administração da cidade e cobrando respostas. A equipe de Rosário acredita que essa estratégia, de combinar críticas diretas com uma abordagem propositiva, é a melhor forma de equilibrar a necessidade de ataque com a construção de uma imagem positiva junto ao eleitorado.
Natal: alianças e a influência de Lula na estratégia de campanha
No contexto de Natal, a campanha de Natália Bonavides também tem enfrentado desafios únicos, que influenciam diretamente a estratégia adotada. De acordo com uma fonte ligada à campanha, embora não tenha havido uma orientação oficial para evitar ataques aos concorrentes, a realidade local impõe um cuidado extra.
A campanha de Natália, descrita como “pé no chão”, tem se concentrado em visitar bairros e apresentar propostas de forma direta ao eleitorado, sem mencionar ou atacar os adversários. A fonte aponta que essa postura é, em parte, influenciada pelas complexas alianças políticas na cidade. Lula, por exemplo, apoiou Carlos Eduardo Alves para o Senado, um dos concorrentes de Natália, o que torna difícil para ela adotar uma postura de confronto direto. Além disso, a relação de Lula com outros aliados locais, como o vice-governador, primo de Carlos Eduardo, contribui para uma campanha mais cuidadosa e menos polarizadora.
“Temos uma situação delicada em Natal. Lula apoiou Carlos Eduardo, e há vídeos dele elogiando o candidato. Isso complica a possibilidade de ataques frontais”, explicou a fonte. Esse contexto político tem levado a campanha de Natália a focar em se posicionar como parte do “Time de Lula”, sem atacar os outros concorrentes diretamente, numa tentativa de evitar conflitos dentro do próprio campo político aliado.
Kamila Bossato: o cenário em Fortaleza e a campanha de Evandro Leitão
No Nordeste, a jornalista e professora da Universidade Federal do Ceará, Kamila Bossato, uma das apresentadoras do podcast “As Cunhãs”, ofereceu uma análise detalhada do cenário eleitoral em Fortaleza. Segundo Kamila, a disputa na capital cearense também reflete essa estratégia de evitar confrontos diretos, especialmente no caso de Evandro Leitão, candidato do PT que, embora tenha se mostrado cauteloso em relação aos adversários, enfrenta uma situação mais complexa.
A complexidade das estratégias petistas nas eleições de 2024
As críticas à suposta passividade das campanhas petistas nas eleições de 2024 são mais complexas do que aparentam. Longe de serem fruto de uma orientação centralizada do Diretório Nacional, as estratégias adotadas por candidatos como Guilherme Boulos, Rogério Correia e Maria do Rosário refletem decisões locais, baseadas em pesquisas e no contexto político específico de cada cidade.
O que emerge dessas eleições é uma tentativa de equilibrar a combatividade necessária para enfrentar adversários fortes, com a necessidade de evitar uma rejeição que pode ser fatal em um cenário eleitoral tão polarizado. No caso de Boulos, especificamente, a crítica de que ele pode estar repetindo os erros de Marcelo Freixo ao diluir sua identidade política na busca por um eleitorado mais amplo é um ponto de preocupação para muitos apoiadores. Esse movimento, considerado arriscado tanto para a esquerda quanto para a direita, pode ser decisivo no resultado final das urnas.
As campanhas petistas estão navegando em águas turbulentas, e a maneira como cada uma escolhe abordar seus adversários será, sem dúvida, um fator decisivo nas urnas. Resta saber se a estratégia de evitar o confronto direto será suficiente para conquistar o eleitorado ou se as críticas de passividade continuarão a reverberar até o dia da votação.