Apesar das reclamações sobre as dificuldades da carreira, generais e oficiais de alta patente usufruem de privilégios e benefícios que pesam sobre os cofres públicos, revelando uma realidade bem distante da alegada falta de oportunidades de acumular patrimônio.
O Comandante do Exército, general Tomás Paiva, em um discurso durante as celebrações do Dia do Soldado nesta quinta-feira (22), afirmou que a carreira militar é marcada por dificuldades, incluindo a “pouca possibilidade de acumular patrimônio”. Tal declaração, proferida diante do presidente Lula e de outras altas autoridades, soa profundamente irônica quando confrontada com a realidade das benesses e privilégios que os oficiais superiores, como ele próprio, usufruem ao longo de suas carreiras.
A narrativa de sacrifício apresentada pelo general Paiva contrasta fortemente com as condições reais que marcam a trajetória dos militares ao alcançarem o topo da hierarquia. Generais e outros oficiais de alta patente recebem salários elevados, moradias subsidiadas, transporte, assistência médica de excelência e, sobretudo, uma aposentadoria especial que os coloca em uma posição de privilégio frente ao restante da população brasileira. Esses benefícios, longe de representarem uma carreira de dificuldades, configuram um sistema que pesa significativamente sobre os cofres públicos.
Dados recentes demonstram como os militares se tornaram um fardo crescente para as finanças do país. Entre 2019 e 2022, por exemplo, o Exército gastou valores exorbitantes na construção de moradias para militares, com custos até sete vezes superiores ao valor gasto em programas de moradia popular destinados à população civil. Além disso, os altos gastos com itens como Viagra e próteses penianas para os militares, que vieram à tona em 2022, durante o governo Bolsonaro, ilustram uma gestão financeira desconectada das reais necessidades do país.
Um exemplo disso foi durante a intervenção federal no Rio de Janeiro, comandada pelo então general Braga Netto, quando o Tribunal de Contas da União (TCU) apontou que os militares, de maneira irregular, gastaram mais de R$ 300 mil reais com itens “urgentes” como caju, camarão, torta holandesa, cream-cheese, salgados (coxinha, kibe e afins) e mais R$ 361.999,72 para “podas de árvores”. Em outro episódio, também apontado pelo TCU, os militares superfaturaram a compra de Viagra e próteses penianas. Só em próteses penianas, nos pregões de 2020 e 2021, gastaram quase R$ 3,5 milhões na aquisição. Uma verdadeira festa.
Em mais uma apuração do TCU, os militares gastaram R$ 535 mil em itens considerados “não essenciais ou de luxo” como filé mignon, picanha, bacalhau, salmão, camarão e bebidas alcoólicas. Esses recursos deveriam ter sido utilizados para enfrentar a pandemia, mas foram direcionados para consumo próprio das Forças Armadas.
Essas despesas levantam questões fundamentais sobre a eficiência e a justiça da aplicação de recursos públicos. Enquanto o Brasil enfrenta desafios econômicos severos, com cortes em áreas essenciais como saúde e educação, o volume de recursos destinado ao bem-estar dos militares parece desproporcional. A comparação entre os investimentos feitos para beneficiar uma pequena elite militar e as necessidades básicas da maioria da população revela uma distorção nas prioridades governamentais.
O discurso do general Tomás Paiva sobre as dificuldades de acumular patrimônio dentro da carreira militar desconsidera essas vantagens substanciais. Ele ignora que, enquanto uma parte significativa da população luta para sobreviver com salários baixos e sem perspectivas de ascensão social, os oficiais de alta patente continuam a receber salários generosos, aposentadorias privilegiadas e outros benefícios que são, em última instância, custeados pelo contribuinte.
Assim, ao invés de reforçar a imagem de sacrifício que busca projetar, o discurso do Comandante do Exército apenas sublinha o quanto os militares de alta patente se beneficiam de um sistema de privilégios mantido à custa do erário. Em um país marcado por desigualdades profundas, a postura de reclamar de uma “pouca possibilidade de acumular patrimônio” não só soa descolada da realidade, mas também destaca uma contradição inaceitável: a de que aqueles que já gozam de tantos privilégios ainda se vejam como vítimas de um sistema que, na verdade, continua a lhes oferecer muito mais do que a grande maioria dos brasileiros jamais terá acesso.
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