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Avança a privatização no ensino

O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), sancionou na última semana a Lei nº 22.006/24, que prevê a gestão de 204 das 2.090 escolas públicas estaduais por empresas privadas. O Programa Parceiro da Escola surpreendeu profissionais da educação do estado, sendo aprovado em menos de 10 dias pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e sem […]

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No Paraná, quase 10% dos colégios do Estado serão geridos por empresas privadas a partir do início de 2025. Três escolas já vivem essa realidade em Minas Gerais e, em São Paulo, um leilão será realizado até o fim de 2024 / Foto: Eduardo Matysiak

O governador do Paraná, Ratinho Júnior (PSD), sancionou na última semana a Lei nº 22.006/24, que prevê a gestão de 204 das 2.090 escolas públicas estaduais por empresas privadas. O Programa Parceiro da Escola surpreendeu profissionais da educação do estado, sendo aprovado em menos de 10 dias pela Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) e sem debate prévio com a categoria

No estado de São Paulo, o governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) já anunciou que, em novembro de 2024, vai lançar um leilão para a construção e gestão de 33 escolas estaduais por empresas privadas. Em 2022, o estado de Minas Gerais entregou tanto a gestão administrativa e pedagógica de três escolas a uma entidade sem fins lucrativos. 

A professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e coordenadora do Observatório do Ensino Médio, Monica Ribeiro, considera que a ampliação do setor privado empresarial nas escolas públicas é uma tendência no âmbito nacional. “Nos últimos 20 anos, observamos um crescimento da presença do setor empresarial para fazer assessorias e programas educacionais”. No entanto, para Monica, agora há uma nova modalidade. “Se antes as empresas buscavam apenas recursos públicos para exercer o seu trabalho de forma privada, inclusive, lucrando com isso, agora não fazem apenas programas ou assessorias esporádicas, mas a gestão propriamente dita da escola”.

“Plataformização” do ensino

O livro “Educação para o futuro: o passo a passo para construir uma gestão educacional focada em resultados” lançado pelo ex-secretário da Educação do Paraná (2019 a 2022) e atual de São Paulo, Renato Feder, promete levar o leitor ao modelo de educação que fez o Paraná chegar ao primeiro lugar no Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb), em 2021. No Instagram do secretário, uma postagem sobre o livro reúne comentários de indignação entre paulistanos e paranaenses: “Livro? Papel? Tato? Não é em tablet?”, comenta um internauta, outro diz: “o cara está destruindo a educação no estado, destruiu no Paraná e agora a de São Paulo”.

Foto: Secretaria de Educação de São Paulo

Feder é acionista e ex-CEO, sigla em inglês equivalente a Diretor Executivo, da Multilaser (empresa do setor de eletrônicos e informática). Sua gestão no Paraná foi marcada pela implementação de recursos digitais em sala de aula e pela controvérsia sobre os métodos utilizados para alavancar o estado do sétimo ao primeiro lugar no Ideb. O secretário de Comunicação do Sindicato dos Trabalhadores em Educação Pública do Paraná (APP Sindicato), Daniel Matoso, considera duas medidas que podem ter elevado o ranking da educação. “Por exemplo, uma das coisas que influencia no índice do Ideb é a evasão escolar. A secretaria tem forçado pedagogos e diretores a mascararem esses números, excluindo da chamada as matrículas de alunos que evadiram. Então, isso não vai computar como número e, é claro, que o índice do vai subir”. A outra manobra estaria, segundo Daniel, na aprovação automática de alunos.

A “plataformização” do ensino também foi de autoria de Feder no Paraná. “O Feder e o Ratinho Júnior criaram vários outros mecanismos de “plataformização”, como os “quizzes”, que são questionários para os alunos responderem pelo celular, para contar como nota na prova, por exemplo”, relata Monica. A professora alerta que esses aplicativos roubam a autonomia dos professores no planejamento e tentam padronizar as aulas, não considerando as diversidades e desigualdades entre as escolas. “Existem muitas plataformas digitais, tanto para fazer controle de frequência, quanto para produzir materiais. Hoje, por exemplo, no Paraná, os professores utilizam os materiais que a secretaria os obriga a utilizar”, afirma ela.

Já em seu atual mandato em São Paulo, o ex-secretário do Paraná decidiu elevar a “plataformização” a outro patamar: abolindo livros didáticos. Renato Feder anunciou. em julho de 2023, que as escolas estaduais paulistas contariam apenas com livros digitais a partir do 5º ano do Ensino Fundamental. Isso levou o Estado a não participar do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD), recusando R$ 120 milhões em recursos federais para a compra de livros. O governador Tarcísio recuou depois de uma série de críticas sobre a inviabilidade de utilizar apenas o material digital e das denúncias de diversos erros encontrados, como informar que existem praias na capital paulista. 

Apesar de o Paraná não ter anunciado o fim dos livros didáticos, as plataformas de ensino digitais são amplamente utilizadas nas escolas estaduais. “A cobrança pela utilização dessas plataformas têm adoecido nossos professores. Primeiro, porque os conteúdos já vêm prontos, inclusive, vêm informações erradas e erros gramaticais”, alerta Daniel. Além disso, ele também aponta que os professores precisam cumprir metas, tendo uma mensuração de seu trabalho pelo Microsoft Power BI, que observa em tempo real, qual é o nível de frequência dos alunos e o índice de utilização dessas plataformas.

A melhora do aprendizado dos alunos pela utilização do material digital não é observada por Monica e Daniel. “Em relação às plataformas, nós fizemos uma pesquisa, em 2023, sobre o uso das plataformas e constatamos que não há acréscimo de aprendizado pelo uso das plataformas”, informa Daniel. A professora acrescenta: “Pedagogicamente, é um equívoco enorme, mas têm outras consequências, porque esse material é criado, implementado, controlado e monitorado pelo setor privado. E não é de graça que o setor privado faz isso”.

Prejuízos para a educação

O governo do Paraná espera que a lei seja colocada em prática no início do ano que vem. No entanto, desde 2023, duas escolas já participam de um projeto-piloto. Monica alerta que esse novo modelo de gestão pode crescer em todo país, se não for feito algo para impedir isso. Uma das inquietações da professora e do secretário de comunicação da APP é sobre a obtenção de lucro que essas parcerias entre público-privado promovem.

A entrega da gestão de uma escola para a iniciativa privada pode permitir o lucro, de acordo com a lei aprovada no Paraná, que prevê o pagamento de R$ 800,00 por aluno para a empresa. “Então, o que ele [o governador] está organizando nesse projeto? Pagar pelo menos 800 reais por matrícula para as escolas. Por exemplo, uma empresa que pega uma escola com aproximadamente 1.000 alunos matriculados, estaria arrecadando do Governo do Estado do Paraná 800.000 reais por mês. Isso, sem colocar um tijolo, sem organizar uma pintura de sala de aula, sem cortar um mato ao redor da escola”, destaca Daniel.

Outra questão colocada por Monica sobre o pagamento às empresas é que o governo vai retirar os recursos dos 25% constitucionais (de suas receitas) que é obrigado a investir em Educação. “Ou seja, a escola vai ficar no prejuízo, porque o dinheiro que seria destinado a ela, vai para uma empresa”. Ela também ressalta que os recursos do Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação (Fundeb) não poderão ser dirigidos para essas entidades.

No artigo “Projeto Somar e a privatização da gestão da educação pública no estado de Minas Gerais, Brasil”, publicado na Revista Paradigma, em 2023, pelas pesquisadoras da Universidade Federal de Uberlândia, Lara Rodrigues e Vilma Aparecida, esse modelo de gestão compartilhada entre público-privado desresponsabiliza o governo estadual sobre a educação. Além disso, também ataca a carreira docente, tanto pelo remanejamento de servidores quanto pelo contrato temporário de professores pelo regime CLT (Consolidação das Leis do Trabalho). “Em todos os casos, a categoria se torna refém dos interesses da reforma empresarial”, conclui o trabalho.

Para Monica, esse é um dos grandes problemas, mesmo que o texto da lei paranaense permita apenas a contratação de professores temporários pela via da CLT.  “O estado do Paraná tem quase 50% dos professores em contrato temporário, o que é chamado de Processo Seletivo Simplificado (PSS). Esses professores, às vezes, passam 20 anos sendo temporários porque, a cada ano, renovam esse contrato provisório, mas ainda assim, o vínculo deles é com o Estado, ou seja, com a gestão administrativa das empresas, esses profissionais passam a ser contratados pela CLT e deixam de ter vínculo com o Estado e outras garantias”, conclui.

Além dos professores, outros trabalhadores das escolas podem ser afetados. Daniel entende que “como o projeto permite que a empresa assuma a escola, ela pode contratar da maneira que bem entender. Então, vai terceirizar o serviço”. Por isso, ele projeta que todos os profissionais seriam afetados de imediato, pois não teriam a entrada pela via do concurso público e nem pelo PSS. “E, entendendo isso, a partir do momento em que essa empresa assume a escola para poder ter o seu lucro, os professores acabarão tendo os seus salários diminuídos”, completa.

Resistência aos projetos

Em Minas Gerais, a deputada estadual Beatriz Cerqueira (PT), à época do anúncio de transição da gestão pública para privada em três colégios estaduais, em junho de 2021, pediu a impugnação dos editais de privatização e agendou uma audiência na Assembleia Legislativa para discutir a legalidade do processo. No pedido, ela defendia que o processo era “inconstitucional, uma vez que o acesso à educação é um dever do Estado”.

Assim como o caso mineiro, no Paraná, a oposição ao governo tentou estabelecer um diálogo para o recuo do projeto. No dia 3 de junho, cerca de 20 mil pessoas foram à Assembleia Legislativa em ato público para se manifestar e algumas pessoas passaram a noite ocupando o local. Além disso, o APP Sindicato deflagrou greve.
O ato e a greve não foram bem recebidos pelo governador Ratinho Júnior que, mesmo após a aprovação do projeto, solicitou à Procuradoria Geral do Estado (PGE-PR) a prisão da presidente do Sindicato, Walkiria Mazeto. A Secretaria de Educação do Paraná (Seed) também determinou o afastamento de diretores das escolas que aderiram à greve.

A justificativa para tamanha truculência, como Daniel aponta, é que a greve seria ilegal. Tendo a liminar pela suspensão da greve aprovada pela PGE-PR, o governo exigiu uma multa diária de R$10 mil. Mesmo assim, Daniel conta que o sindicato apresentou um plano de trabalho para que, pelo menos, 30% das escolas estivessem funcionando, pois, a educação é considerada um serviço essencial na Constituição Estadual do Paraná. A greve foi finalizada no terceiro dia, em 5 de junho, um dia após a aprovação da lei.

Por Giulia Escuri – EPSJV/Fiocruz

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