Estatuto da Igualdade Racial e a ODS 18: desafios e perspectivas da luta antirracista
Por Tainá de Paula*
A Lei Federal 12.288, de 20 de julho de 2010, que institui o Estatuto da Igualdade Racial, hoje completa 14 anos de sua vigência. Em março deste ano, o Ministério da Igualdade Racial (MIR) apresentou ao Grupo de Trabalho e Desenvolvimento do G20 o novo Objetivo de Desenvolvimento Sustentável (ODS) de número 18, focado na igualdade étnico-racial.
O racismo é tema central na história do Brasil, assim como o movimento negro por liberdade, autonomia e bem viver. Apesar da abolição formal da escravatura em 1888, a população negra continuou enfrentando discriminação, violência e desigualdades no acesso a educação, trabalho, saúde e justiça. A luta antirracista ganhou novos contornos com o desenvolvimento de políticas públicas voltadas para a promoção da igualdade racial. O Estatuto da Igualdade Racial e a ODS 18 são dois importantes marcos, um legislativo e outro institucional.
O Estatuto da Igualdade Racial foi promulgado para promover a igualdade e combater a discriminação racista em todas as suas formas. Ele reconhece e assegura direitos fundamentais, estabelece diretrizes para a formulação e implementação de políticas públicas, incentiva o ensino da história e cultura afro-brasileira e indígena nas escolas, e reforça medidas de combate à violência e discriminação racial, bem como de proteção dos direitos das vítimas.
Desde sua implementação, houve avanços significativos na conscientização e na promoção da igualdade racial no Brasil. A criação de cotas raciais em universidades públicas, por exemplo, contribuiu para o aumento da representatividade negra no ensino superior, e programas e políticas de inclusão têm buscado reduzir estas desigualdades históricas.
Persistem a violência policial contra jovens negros, a disparidade salarial e a sub-representação política – questões urgentes que demandam atenção contínua. A implementação efetiva das políticas previstas no estatuto, e o fortalecimento das estruturas de combate ao racismo, são fundamentais para garantir seus objetivos.
Por falar em objetivos, a Agenda 2030 da ONU estabelece 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) para orientar o progresso global. No Brasil, a implementação dos ODS é supervisionada pela Comissão Nacional dos ODS (CNODS), com participação igualitária entre governo e sociedade civil.
Em outubro de 2023, durante a 78ª Assembleia Geral da ONU, o Presidente Lula anunciou a proposta de um ODS adicional focado na promoção da igualdade étnico-racial, refletindo um compromisso renovado com a inclusão e a equidade. A iniciativa do ODS 18 foi articulada pelo MIR em conjunto com outros ministérios, incluindo o dos Povos Indígenas, dos Direitos Humanos e Cidadania, além de instituições como o BNDES e o IPEA.
A discussão sobre um ODS para igualdade racial ganhou impulso dentro da Agenda 2030, evidenciando um esforço global para enfrentar desigualdades persistentes. No contexto brasileiro, diversas instituições começaram a desenvolver propostas para este novo ODS, incluindo organizações como BNDES, Fiocruz e IBGE, buscando integrar a igualdade racial de maneira sistemática aos esforços nacionais de desenvolvimento sustentável.
Com a criação da Câmara Temática dedicada ao ODS 18 na CNODS, o Brasil avança rumo à implementação concreta dessa iniciativa. A promoção da igualdade racial é parte essencial do desenvolvimento sustentável, e o novo ODS 18 visa eliminar a discriminação étnico-racial no trabalho, combater violências contra a população negra e os povos indígenas e, assegurar acesso à justiça, promover representatividade e reparação, entre outras metas.
Eu já escrevi aqui sobre racismo ambiental. Fui a primeira mulher negra à frente da Secretaria Municipal de Meio Ambiente e Clima, e na minha gestão ouvimos a sociedade civil e a população negra do Rio, e trabalhamos para criar uma plataforma de monitoramento e informação sobre as mudanças do clima. Elaboramos o primeiro protocolo de enfrentamento às ondas de calor, com plano de contingência para amenizar seus impactos na cidade. Lá também criei o programa Jovens Negociadores Pelo Clima, que capacitou jovens periféricos de maioria negra para negociações climáticas de alto escalão. Levamos esta juventude para espaços como a COP 28, em Dubai, onde foram ouvidos por especialistas e autoridades.
Como vereadora, protocolei e aprovei projetos de lei relevantes para a população negra. Nosso mandato realizou o congresso “Rio, Uma Cidade Antirracista”, no Museu do Amanhã em 2022, que envolveu todo o município na preparação para o desenvolvimento social e econômico da cidade. Também aprovei as Leis 7333/2022 (que penaliza estabelecimentos comerciais por práticas racistas), 7.419/2022 (que inclui o dia do Imigrante e Refugiado Africano no calendário oficial da cidade), 7390/2022 (com o Programa Municipal das Casas Ancestrais), e o Programa Municipal de Saúde Integral para a População Negra, para identificar necessidades específicas da população negra, garantindo igualdade nos tratamentos de saúde.
Iniciativas como estas, a ODS 18 e o Estatuto – que hoje está de aniversário – refletem o compromisso do Brasil, e reforçam nosso papel na luta contra o racismo e na promoção de uma sociedade mais equitativa e sustentável. Para o futuro, é essencial fortalecer a educação antirracista, promover o empreendedorismo negro, e ampliar o acesso da nossa população aos serviços públicos. Além disso, é necessário um compromisso contínuo com a conscientização e a valorização do legado histórico e cultural, e da contribuição do nosso povo preto na produção das riquezas e sucessos do Brasil.
*Tainá de Paula é Vereadora do Rio de Janeiro, arquiteta e urbanista, e ativista das lutas urbanas. Especialista em Patrimônio Cultural pela Fundação Oswaldo Cruz e Mestre em Urbanismo pela UFRJ, foi Secretária Municipal de Meio Ambiente e Clima.
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!