O novo Regime Fiscal Sustentável (RFS), conhecido como novo Teto de Gastos, foi aprovado na Câmara dos Deputados em 24 de maio de 2023 e confirmado pelo Senado em 21 de junho sem grandes modificações.
Este regime substituiu a Lei do Teto de Gastos, aprovada e sancionada pelo governo de Michel Temer (MDB), mantendo a ênfase em limitações rígidas ao gasto público, apesar de críticas quanto à sua eficácia e impacto social.
O novo teto de gastos pretende “estabilizar a razão” entre a dívida pública bruta e o Produto Interno Bruto (PIB), focando no controle das despesas públicas, independentemente do contexto econômico.
O método escolhido não prioriza o aumento do PIB, mas busca gerar superávits fiscais primários ao conter gastos primários, sem restringir as despesas com juros da dívida.
LEIA: Haddad anuncia congelamento bilionário para cumprir o novo teto de gastos em 2024
A estratégia, apesar de visar a redução dos juros básicos e estimular a economia via investimentos privados, é criticada por sacrificar o crescimento econômico e as demandas sociais atendidas pelo gasto público.
“Adicionalmente, a adoção deste regime implica a minimização de políticas fiscais voltadas para o crescimento do PIB e a redução das desigualdades, prioridades antes defendidas por correntes keynesianas e socialdemocratas“, explica o professor de Economia da Unicamp, Pedro Paulo Bastos em seu artigo “Austeridade, política e ideologia do novo arcabouço fiscal“.
O debate sobre este regime fiscal reflete uma mudança no posicionamento do próprio PT, após a experiência de austeridade de Joaquim Levy no Governo Dilma em 2015, que adotou uma postura crítica à austeridade fiscal, apontando seus efeitos recessivos e acentuadores da desigualdade.
Estudos acadêmicos corroboram a visão de que medidas austeras tendem a reduzir o crescimento do PIB a longo prazo e aumentam as desigualdades econômicas.
A aprovação do Novo Teto de Gastos no Congresso, recomendada pelo relator e apoiada pela base parlamentar do governo, levanta questões sobre a continuidade das políticas de crescimento e investimento prometidas, em um contexto onde o governo enfrenta desafios para manter sua popularidade e coesão política, especialmente diante de uma economia que pode não compensar a queda da demanda privada com gastos públicos adequados, contribuindo para um ciclo de baixo crescimento econômico.
Governo Lula 3 e a política fiscal contracionista
No atual panorama econômico brasileiro, a austeridade fiscal tem sido o pilar das políticas implementadas pelo Ministro da Fazenda, Fernando Haddad.
Desde a sua primeira entrevista pós-eleitoral em dezembro de 2022, o atual ministro Haddad tem defendido a austeridade fiscal como pilar da política fiscal.
“Não estamos num momento em que a expansão fiscal vai ajudar a economia… Se houver espaço para estímulo, seria o monetário. Se a gente souber fazer a transição, tem espaço para uma taxa de juros menor. Você tem que dar segurança para a autoridade monetária”, declarou Haddad na época a GloboNews.
Outro ponto abordado pelo titular da pasta mais importante do governo é que o crescimento econômico do país deve ser impulsionado pelo setor privado, em vez de expansão fiscal, sustentando que a austeridade é essencial para a redução dos juros e para “restaurar a confiança empresarial”.
“Se a gente reestruturar esse passivo, sinalizar a sustentabilidade, você combina as duas políticas [fiscal e monetária], traz essa taxa de juros para um patamar que ela já poderia estar. E quanto mais cedo a gente fizer isso, mais cedo nós vamos colher os frutos da decisão correta”, disse.
Para economistas heterodoxos, a postura de Haddad está alinhada com a visão de que a política fiscal deve ser restritiva para facilitar a redução das taxas de juros pelo Banco Central.
Roberto Campos Neto, presidente do BC, compartilha desta visão, como evidenciado pelas atas do Comitê de Política Monetária (Copom), que afirmam a necessidade de uma política fiscal contracionista para ajudar no controle da inflação, que, segundo as atas, não é impulsionada pela demanda atualmente.
O atual diretor de política monetária do BC, Gabriel Galípolo, ecoou a mesma ideia em janeiro de 2023, argumentando que uma política fiscal expansiva poderia desestabilizar a economia, levando à “fuga de capitais” e à “depreciação cambial”.
Ele enfatizou que o Governo Lula 3 iria buscar uma política econômica integrada, que combine responsabilidade fiscal com a possibilidade de redução de juros, criando um “ambiente favorável ao crescimento econômico” sem comprometer a “estabilidade macroeconômica”.
Além disso, o próprio Ministério da Fazenda já colocou em prática planos que favoreçam o mercado, como um novo modelo para parcerias público-privadas (PPPs) e uma reforma tributária que visa simplificar os impostos sobre o consumo e reduzir a carga tributária sobre a indústria de transformação.
A estratégia econômica adotada por Haddad e sua equipe gera um debate – principalmente entre economistas heterodoxos – sobre a viabilidade e a eficácia de um crescimento econômico liderado pelo setor privado em um cenário de austeridade fiscal.
Enquanto o governo defende que não há alternativa viável, críticos questionam se esta abordagem pode realmente resultar em um crescimento sustentável e inclusivo.
A conjuntura política em torno do novo teto de gastos
O debate sobre políticas fiscais no Brasil se encontra no centro das atenções, refletindo divergências ideológicas entre correntes políticas e acadêmicas.
A expansão fiscal, frequentemente condenada por setores neoliberais como ineficaz para estimular a demanda, permanece um ponto de discórdia tanto acadêmica quanto politicamente, especialmente considerando o contexto ideológico atual no Brasil.
Desde o início do governo, evidências sugerem que o ministro Haddad, encarregado das finanças do país, apresentou resistência ideológica a políticas fiscais menos restritivas, preferindo promover e apresentar um arcabouço fiscal mais rigoroso ao Congresso.
Esta posição levanta, até hoje, questões sobre a existência de alternativas políticas viáveis à austeridade no curto prazo.
Vale lembrar que antes do início do terceiro mandato do presidente Lula, houve uma clara recusa em adotar medidas de austeridade previstas, como o Teto de Gastos e o orçamento de 2023.
Desde então, o atual chefe de estado utilizou seu pomposo capital político para impulsionar a aprovação da PEC da Transição, também conhecida como PEC do Bolsa Família, desafiando as previsões de austeridade e reforçando a importância do gasto social como investimento, não como desperdício.
O orçamento de 2023 proposto originalmente pelo governo Bolsonaro, previa uma redução do gasto primário e um espaço limitado para investimentos, o que provocou uma mobilização ainda maior do atual governo contra as políticas de austeridade.
A resposta de Lula foi orientada pela necessidade de proteger os programas sociais e por uma visão de que o investimento social deveria ser ampliado, não reduzido.
A postura de Lula resultou em mudanças essenciais: o Senado eliminou o teto de gastos aprovado na era Temer e a Emenda Constitucional 126.
Com a popularidade de Lula em alta pela recém vitória nas urnas, a Casa Alta autorizou um aumento substancial nas despesas públicas e no déficit primário, permitindo um maior investimento em áreas de alto impacto multiplicador.
Apesar das críticas e da pressão do mercado financeiro, Lula manteve uma posição firme contra políticas de juros altos, frequentemente defendidas por Campos Neto, que foi diversas vezes acusado de favorecer interesses rentistas.
Mas foi graças a essa postura firme de Lula que no primeiro ano do seu governo o país passou por uma recuperação econômica mais rápida e sustentável, contrariando as previsões de depreciação cambial e inflação.
Entretanto, a fase inicial de confronto político e ideológico sobre o orçamento público deu lugar a uma adesão mais ampla ao discurso neoliberal, especialmente após o ministro Haddad assumir uma postura que favorecia a responsabilidade fiscal combinada com a responsabilidade social.
Isso marcou uma transição extrema na abordagem fiscal do governo Lula 3, culminando na adoção de um novo teto de gastos que busca equilibrar crescimento econômico e estabilidade financeira.
Todo esse cenário comprova o poder substancial da presidência em definir a agenda política e fiscal no Brasil, especialmente após uma vitória eleitoral que rompeu os arroubos – pelo menos por ora – da extrema-direita no Brasil.
Conclusão
O ponto central desse artigo é como o novo teto de gastos pode se mostrar incompatível com promessas de campanha do presidente Lula, incluindo o aumento real do salário mínimo e expansões nas despesas de saúde e educação.
Sendo assim, a pergunta que fica é se no caso de incompatibilidade, como o governo Lula 3 poderá justificar possíveis mudanças no novo teto de gastos sem contradizer suas próprias políticas anteriores?
Desta forma, o próprio governo se encontra num dilema.
Se adotar de vez o Novo Teto de Gastos pode ter de abandonar compromissos eleitorais, arriscando uma derrota nas eleições de 2026, onde possivelmente vai enfrentar um dos nomes da extrema-direita.
Por outro lado, a mudança de direção na política fiscal – por uma desenvolvimentista e comprometida com o protagonismo do investimento público – , poderia exigir além de inúmeras e incansáveis negociações no Congresso, mas também uma mobilização popular robusta.
De qualquer forma, a situação que o próprio governo se colocou lhe deixa numa perspectiva de risco de insatisfações geradas pela austeridade da política fiscal.
Além disso, essa possível insatisfação popular poderá ser sequestrada por grupos de extrema-direita ativos nas redes sociais e até mesmo em setores da nossa mídia tradicional.
Por fim, diante das decisões fiscais e suas implicações de longo prazo, o governo Lula precisa refletir sobre uma possível fuga de soluções conservadoras e defender uma abordagem verdadeiramente progressista na política fiscal.
Esse artigo teve a colaboração do professor de Economia Pedro Paulo Bastos (Unicamp e Universidade da Califórnia)
Crédito/Foto: Getty Images
Nenhum comentário ainda, seja o primeiro!