Análise: os alertas da pesquisa Quaest

09.07.2024 - Presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, no encerramento do Foro Empresarial Bolívia.-Brasil no Estado Plurinacional da Bolívia. Santa Cruz de la Sierra, Bolívia. Foto: Ricardo Stuckert / PR

Os números são positivos, naturalmente.

Num país polarizado como o nosso, ter 54% de aprovação significa que o presidente mantém o apoio de praticamente todos os seus eleitores e voltou a ser olhado com simpatia por uma parte expressiva de quem votou em Bolsonaro em 2022.

Vale sempre lembrar que Lula ganhou as eleições com 50,9% dos votos válidos (contra 49,1% para Bolsonaro) no segundo turno de 2022.

Por outro lado, esses percentuais não correspondem aos votos totais. Se considerarmos que o eleitorado total em outubro de 2022 era de 156,45 milhões de pessoas, Lula ganhou as eleições com o voto de 38,57% do eleitorado total, ao passou que Bolsonaro recebeu 37,2% dos votos totais.

Somando nulos, brancos e abstenções, temos ainda 24,22% de brasileiros que não votaram em ninguém no segundo turno de 2022.

Pontuar 54% de aprovação sobre o eleitorado total, portanto, significa que Lula tem, grosso modo, aprovação de todos os seus eleitores, mas também conquistou a confiança de muitos dos que não votaram nele no segundo turno.

Entretanto, assim como é importante, para nós, que fazemos diariamente o bom combate ao extremismo ultraliberal e reacionário, mantermos a cautela e o sangue frio quando as pesquisas não são boas para um governo de esquerda, também não devemos nos entusiasmar, em excesso, quando os números parecem positivos.

O fascismo continua vivo, de olhos muito abertos, e tentando diariamente se infiltrar em todos os setores da sociedade brasileira. E hoje em dia, já está bem claro que o mais eficiente disfarce do fascismo é o ultraliberalismo, essa ideologia que consiste, em essência, em abandonar as pessoas à própria sorte e, se elas reclamarem ou tentarem se organizar para mudar as coisas, usar todo o poder do Estado e da mídia para impedi-las, criminalizá-las e reprimi-las

Voltemos à pesquisa.

Nem tudo nela é positivo. Há pelo menos um gráfico extremamente preocupante, e que revela uma certa fragilidade dessa melhora da avaliação do governo.

Perguntados sobre seu poder de compra, relativo a um ano, 63% dos entrevistados responderam que ele está menor. Tudo bem que esse mesmo índice melhorou, por assim dizer, em relação a maio, quando 67% disseram isso, mas mesmo assim ainda é um número muito ruim.

Esclarecimento importante: o eleitor respondeu que seu poder de compra é menor em relação há um ano, ou seja, em relação ao primeiro ano do governo Lula, e não em relação ao governo anterior. Há uma sensação ainda predominante de que o primeiro ano de Lula foi melhor do que este segundo.

Mesmo que o eleitor esteja exagerando, ou seja, mesmo que isso não seja propriamente verdadeiro (afinal, temos dados, inclusive mais objetivos, que mostram crescimento real da renda média do trabalhador), o fato é que a percepção permanece. E isso é um problema de inflação, que é o maior perigo para um governo no Brasil.

Um outro gráfico confirma essa visão da sociedade sobre a economia. Segundo a Quaest, 36% dos entrevistados responderam que, nos últimos 12 meses, a economia piorou.

Um terceiro gráfico da pesquisa, porém, indica que a maioria da população, de 52%, se mantém otimista de que as coisas devem melhorar nos próximos 12 meses, e apenas 27% acreditam que ela deve piorar.

Devemos tirar várias lições desses gráficos. Uma delas é que uma pequena melhora na economia, mesmo que insuficiente para fazer o eleitor dar uma resposta mais positiva sobre o tema, ajuda a distender o ambiente político, abrindo espaço para que o eleitor olhe para o governo para além das questões relacionadas ao mercado e ao dinheiro.

Ou seja, não é somente a “economia, estúpido”. O eleitor contemporâneo, usuário intenso das redes sociais, avalia o governo sob múltiplos ângulos. Mesmo que a economia permaneça central, o que ele parece esperar do governo, neste sentido, não é nenhum milagre, mas um esforço inteligente e honesto para melhorar as coisas. Se ele notar isso, ele pode avaliar bem o governo mesmo que a economia ainda permaneça tropeçando.

A pesquisa mostra que o eleitor sentiu esse esforço por parte do governo Lula, como revelam seu apoio maciço às críticas do presidente aos juros altos mantidos pelo Banco Central autônomo.

Outros dois gráficos reforçam essa percepção. A maioria das pessoas percebeu aumento nas contas de luz e água (61%) e no preço dos combustíveis (44%). Mas esses percentuais eram ainda maiores em maio, de forma que o clima parece estar melhorando.

Esses são os alertas da pesquisa. Agora passemos à análise dos outros pontos.

A aprovação positiva do presidente, que subiu para 54%, veio em boa hora. Lula precisa mostrar força para o que talvez sejam os meses mais perigosos de todo o seu terceiro mandato: neste segundo semestre, começam as articulações para a sucessão de Arthur Lira no comando da Câmara dos Deputados.

Com todos os terríveis problemas vividos com Lira, ou provocados por ele, o deputado ao menos entregou o que, aparentemente, foi acordado com Lula: estabilidade democrática e governabilidade. O preço foi altíssimo. Dezenas de bilhões de reais que poderiam ser usados para projetos de desenvolvimento, tem sido escoados para emendas parlamentares. Mas esse é o regime político que temos hoje, e não adianta chorar. Lula não pode mudar o parlamento.

Lula precisa garantir que os anos de 2025 e 2026 ofereçam, no mínimo, a estabilidade política necessária para não produzir ruídos na economia.

Outra razão para o governo, e todo o campo progressista, comemorar essa pesquisa, é que ela chega no momento em que as articulações para as eleições municipais estão sendo finalizadas. Segundo o TSE, as convenções partidárias devem acontecer entre os dias 20 de julho e 5 de agosto, e os registros das candidaturas devem ser feitos até o dia 15 de agosto. A popularidade de Lula nessa pesquisa Quaest ajudará as coligações políticas simpáticas a Lula a conquistarem mais alianças, e também a serem recebidas, com mais boa vontade, dentro de alianças mais complicadas, como aquelas que reúnem partidos mais distantes ideologicamente.

Continuemos a análise.

A força de Lula entre as mulheres prova um ponto, que eu tinha detectado nos debates sobre a PL do Estuprador. A extrema direita, também conhecida como bolsonarismo, no afã de criar uma “pegadinha” moral contra o governo Lula, acabou pisando num dos calos mais sensíveis das mulheres, gerando uma animosidade fortíssima delas contra este movimento reacionário. Como o governo Lula reagiu na dose e no tempo certo, comprando a briga das mulheres nessa questão, ganhou também o seu respeito e a sua aprovação. Isso ajuda a explicar que 57% das mulheres hoje aprovam o presidente Lula.

Na estratificação por idade, vale destacar a aprovação de 56% de Lula entre eleitores com 35 a 59 anos. Essa é uma faixa muito importante por reunir a maioria esmagadora dos cidadãos em idade ativa, do ponto-de-vista do trabalho. Em algumas pesquisas, o bolsonarismo tem mostrado uma aprovação muito preocupante justamente nessa faixa etária, de maneira que é um alívio que Lula tenha melhorado tanto seu desempenho nesse estrato. Repare que é um desempenho superior ao registrado na primeira pesquisa Quaest (junho de 2023) após o início do governo. Lula mantém ainda um desempenho extraordinariamente positivo entre eleitores da terceira idade (acima de 59 anos), que vem representando, em função do aumento da idade média dos brasileiros, um setor cada vez mais influente e representativo da sociedade.

Na estratificação por instrução, é impressionante a recuperação de Lula entre os eleitores com menos escolaridade (até o ensino fundamental). Segundo a Quaest, a aprovação de Lula subiu cinco pontos neste segmento, e agora tem 65%, ao passo que a rejeição despencou sete pontos, para 30%. Isso significa que Lula voltou a conquistar bolsonaristas que tiveram menos oportunidades de se educarem, e isso poderá se refletir nas eleições em municípios pequenos, onde os níveis de instrução são menores.

Esse estrato representa 36% do eleitorado, ou 56,16 milhões de brasileiros. É um eleitorado menos visível, porque participa menos de redes sociais e também frequenta pouco as manifestações políticas. Por outro lado, é um eleitor muito leal ao presidente Lula, por entender que ele trabalha efetivamente para melhorar a educação e a perspectiva profissional e econômica de seus filhos e netos.

Por outro lado, é bastante promissor, para Lula, que ele tenha melhorado seu desempenho também entre eleitores com ensino superior, ganhando 3 pontos de aprovação (para 46%) e perdendo 4 de rejeição (para 51%). Eu sempre repito, em minhas análises, que esse estrato é particularmente estratégico, por reunir os setores da sociedade com mais influência nas redes sociais.

Entretanto, o dado mais incrível dessa pesquisa é a aprovação recorde de Lula, de 69%, maior do que em qualquer momento da atual gestão, entre eleitores com renda familiar até 2 salários. Esse estrato representa 30% do eleitorado, ou seja, é menor do que os 44% que ganham de 2 a 5 salários, e maior do que os 26% que ganham acima de 5 salários. Mas é seguramente o que representa melhor o brasileiro pobre, que precisa mais de um governo popular, disposto a ampliar os investimentos em programas sociais, educação, saúde e mobilidade urbana.

É promissor, de qualquer forma, que Lula também tenha melhorado seu desempenho entre eleitores de renda média.

Lula melhorou seu desempenho sobretudo no Sudeste e no Centro-oeste/Norte, provavelmente puxado pelo aumento impressionante de sua aprovação entre os mais pobres. Mas chama atenção que não tenha elevado sua aprovação no Sul, apesar da quantidade gigantesca de recursos federais investidos no Rio Grande do Sul, após as tragédias ocorridas por lá. Isso mostra a força da propaganda bolsonaristas, e possivelmente algum erro de comunicação do governo. De qualquer forma, me parece bastante seguro afirmar que, se os recursos alocados no Rio Grande do Sul forem bem aplicados, e se os eleitores da região perceberem um esforço franco e honesto do governo de amainar os sofrimentos de seus moradores, a aprovação de Lula também deve subir por lá.

O gráfico para religiões também traz uma notícia extremamente positiva para Lula, que é a sua melhora constante de seu desempenho entre os eleitores evangélicos. Esse movimento reforça a percepção de que a extrema direita deu um tiro no pé ao tentar transformar o debate sobre o PL do Estuprador numa espécie de pegadinha contra o governo. Deu-se o contrário. Lula conquistou o coração de mais evangélicas, que aparentemente também se irritaram em ser usadas como massa de manobra por políticos homens oportunistas e reacionários.

Segundo a Quaest, Lula vem melhorando sensivelmente sua aprovação entre evangélicos desde maio, e agora já tem 42% de aprovação. Sua rejeição, por sua vez, vem caindo: depois de chegar a um pico perigoso de 62% em fevereiro, declinou para 58% em maio, e agora está em 52%.

Conclusão

É preciso encarar pesquisas sempre com muita objetividade. Os indicadores econômicos permanecem sólidos, e isso é mais confiável do que pesquisa. Essa pesquisa será muito útil para o governo, todavia, para ajudar o governo nas duas batalhas mais importantes nas próximas semanas e meses: articular um sucessor com credenciais democráticas para a presidência da Câmara dos Deputados, e estabelecer amplas alianças nas eleições municipais, com vistas a criar um muro sanitário contra o avanço da extrema direita e do bolsonarismo no país.

Clique aqui para baixar a íntegra da pesquisa.

Miguel do Rosário: Miguel do Rosário é jornalista e editor do blog O Cafezinho. Nasceu em 1975, no Rio de Janeiro, onde vive e trabalha até hoje.
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