A história que vamos trazer aqui foi relatada por Osmar Pires Martins Júnior, pesquisador pós-doutor associado ao Núcleo de Direitos Humanos da UFG, doutor em Ciências Ambientais e mestre em Ecologia. Ele publicou este relato em seu blog, destacando casos dramáticos de lawfare e seus efeitos durante a Operação Propina Verde, deflagrada em dezembro de 2010 no estado de Goiás. Essa operação, que resultou em terríveis violações de direitos humanos, teve como objetivo principal ganhar destaque na mídia e promover a fama de alguns procuradores do Ministério Público.
A história de Paulo Roberto Linhares e sua filha
Paulo Roberto Linhares, fiscal ambiental formado em Geografia pelo IGQ/IESA – UFG, foi um dos principais alvos da Operação Propina Verde. Sua prisão revelou uma série de injustiças e violações de direitos humanos que abalaram profundamente sua vida pessoal e familiar. Linhares era pai solteiro, responsável por criar sozinho sua filha de apenas 12 anos.
Com a prisão de Paulo, sua filha ficou completamente desamparada, sem saber do paradeiro do pai. A ausência de comunicação e a falta de apoio levaram a menina a uma situação extrema: sem recursos e desesperada, ela se viu forçada a se prostituir para sobreviver. A tragédia familiar atingiu um ponto crítico quando Paulo, ao tomar conhecimento da condição de sua filha, entrou em profundo desespero. A dor e a culpa o levaram a tentar o suicídio diversas vezes, resultando em sua internação no Pronto Socorro Psiquiátrico Professor Wassily Chuck. Lá, Paulo permanece imobilizado para evitar novas tentativas de tirar a própria vida.
Ao final do processo judicial, as provas contra Paulo Roberto Linhares se mostraram insuficientes, e ele foi absolvido das acusações. No entanto, o dano à sua vida pessoal e familiar foi irreversível, com sua filha traumatizada e sua saúde mental comprometida.
José Rodrigues da Silveira: prisão e destruição de reputação
José Rodrigues da Silveira, engenheiro agrônomo e técnico ambiental, também foi brutalmente afetado pela Operação Propina Verde. Conhecido por seu trabalho dedicado na Agência Ambiental de Goiás, José foi preso de maneira violenta e humilhante. Em uma madrugada de dezembro de 2010, agentes invadiram sua casa, arrombaram portas e o arrancaram da cama, onde dormia ao lado da esposa, Maria.
A prisão de José foi realizada com um espetáculo midiático, algemado e exposto como um criminoso, apesar de não haver provas concretas contra ele. A única quantia de dinheiro encontrada na casa, R$30,00, destinada à compra do café da manhã, foi apreendida como “prova de corrupção”. Esse episódio destruiu a reputação de José e abalou profundamente sua vida pessoal e profissional, interrompendo anos de dedicação à preservação ambiental.
No final, as acusações contra José Rodrigues da Silveira foram consideradas infundadas, e ele foi liberado. No entanto, sua carreira e sua vida pessoal já haviam sido profundamente impactadas pela exposição pública e pela humilhação que sofreu.
Alejandro Alvarado Peccinini: integridade profissional vs. perseguição
Alejandro Alvarado Peccinini, doutor em Ciências Ambientais e responsável pela implantação do Laboratório de Geoprocessamento na Agência Ambiental de Goiás, foi apresentado como um dos principais alvos da Operação Propina Verde. Seu trabalho inovador em identificar áreas prioritárias para a preservação do cerrado e sua colaboração com a COP de Paris destacavam sua integridade e competência.
Apesar de suas contribuições, Alejandro foi preso sob acusações infundadas e exposto publicamente como um troféu pela operação. Ele havia sido convidado pelo próprio MP-GO para implantar um laboratório de geoprocessamento, mas recusou-se a assinar um laudo que atestava falsamente a conformidade de uma reserva legal em outro estado. Essa recusa, baseada em sua ética profissional, levou à sua perseguição e prisão, jogando sua reputação na lama.
Ao final, Alejandro Alvarado Peccinini provou sua inocência, e as acusações contra ele foram retiradas. No entanto, os danos à sua reputação e à sua carreira foram significativos, comprometendo seu trabalho e sua vida profissional.
Antônio Borba Munin: a armadilha do “bode”
Antônio Borba Munin, fiscal ambiental, foi acusado de corrupção com base em escutas telefônicas que alegavam que ele usava um “sofisticado sistema de comunicação baseado em códigos”. A principal evidência contra Antônio era a expressão “prepara o bode”, que, segundo o MP-GO, significava propina. No entanto, Antônio provou que a frase se referia a um costume regional: ele pedia ao pai, um sertanejo, que preparasse um bode real para sua chegada.
Essa acusação absurda e a subsequente prisão destruíram a vida de Antônio, que teve que lutar arduamente para provar sua inocência. Sua prisão foi marcada por tortura psicológica e física, sem comunicação com advogados, e a humilhação pública que acompanhou todo o processo.
No final, Antônio Borba Munin foi exonerado das acusações, mas o processo de provar sua inocência foi exaustivo e destrutivo para sua vida pessoal e profissional. A humilhação pública e o sofrimento causados pela operação deixaram marcas profundas.
Contexto e impacto da Operação Propina Verde
A Operação Propina Verde, conduzida pelo Ministério Público de Goiás (MP-GO), foi alardeada como uma das maiores investigações de corrupção na história do estado. No entanto, sua execução levantou sérias questões sobre abuso de poder e violação de direitos humanos. Com um suposto rombo de 1 bilhão de reais, a operação visava combater a corrupção, mas acabou atingindo de forma desproporcional técnicos ambientais, enquanto agentes políticos permaneceram intocados.
A operação foi realizada por um grande número de promotores, servidores de inteligência e policiais, resultando na prisão de 10 técnicos ambientais. Esses profissionais foram presos de forma arbitrária, sem saber do que eram acusados, e submetidos a condições desumanas. A operação demonstrou um claro uso estratégico do direito para perseguir determinados alvos, comprometendo gravemente a integridade e a vida dos envolvidos.
Perfil dos procuradores e promotores envolvidos
Os promotores envolvidos na Operação Propina Verde buscavam reconhecimento e promoção dentro do Ministério Público. Entre os principais nomes estavam Marta Moriya, Juliano Araújo e Ricardo Rangel. A atuação deles, segundo a denúncia de Osmar Pires, foi marcada pela busca de holofotes e pela utilização da operação para consolidar suas carreiras. Suas ações, ainda segundo Pires, não se limitaram à investigação justa e imparcial, mas envolveram a exposição midiática e a perseguição seletiva dos técnicos ambientais.
A promotora Marta Moriya, por exemplo, era conhecida por suas ações de conciliação em Senador Canedo, onde ganhou destaque na mídia local. A propaganda em torno de seu trabalho muitas vezes ocultava as injustiças e abusos cometidos, como os vistos na Operação Propina Verde.
Depois da operação, em 2012, ironicamente, um membro do Ministério Público local, Umberto Machado, foi “autoconvidado” pelo governo do estado a assumir a Secretaria de Meio Ambiente do estado, com a missão de “moralizar” o órgão.
O papel da mídia no processo
A mídia teve um papel crucial na Operação Propina Verde, amplificando as acusações e expondo os técnicos ambientais como criminosos antes mesmo de qualquer julgamento justo. Os veículos de comunicação, ao invés de investigarem a fundo as acusações e os métodos utilizados pelo MP-GO, preferiram destacar a operação como um grande sucesso no combate à corrupção.
A cobertura sensacionalista contribuiu para a destruição da reputação dos envolvidos e reforçou a percepção pública de culpa, independentemente das provas. Os relatos de prisões espetaculares, com os acusados algemados e expostos, alimentaram a narrativa de uma operação bem-sucedida, enquanto as falhas e abusos foram deixados de lado.
Reflexões e questionamentos
A Operação Propina Verde não só falhou em apresentar resultados positivos concretos, como também ocultou seus impactos negativos. A forma de atuação do MP-GO, caracterizada por prisões espetaculares e acusações infundadas, revela uma incompatibilidade com o papel constitucional de proteger a sociedade. A perseguição aos técnicos ambientais e a desmoralização da Agência Ambiental de Goiás levantam sérias questões sobre a legitimidade das ações do sistema de justiça no estado.
Além das tragédias pessoais, como as de Paulo Roberto Linhares, José Rodrigues da Silveira, Alejandro Alvarado Peccinini e Antônio Borba Munin, a operação resultou na extinção da Agência Ambiental de Goiás. Esta autarquia, uma das mais antigas do país, foi desmoralizada e suas funções absorvidas pela Secretaria Estadual do Meio Ambiente e dos Recursos Hídricos, comprometendo a eficiência da gestão ambiental no estado.
Conclusão
A Operação Propina Verde, ao invés de combater efetivamente a corrupção, revelou-se uma ferramenta de abuso de poder e violação de direitos humanos. As histórias de Paulo Roberto Linhares, José Rodrigues da Silveira, Alejandro Alvarado Peccinini e Antônio Borba Munin destacam o impacto devastador de uma operação conduzida sem respeito aos direitos fundamentais. É essencial que tais ações sejam reavaliadas e que a justiça seja restaurada para aqueles que foram injustamente perseguidos, garantindo a proteção dos direitos humanos e a integridade do sistema de justiça.